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Além do entendimento

Ninguém mais sabe os critérios de julgamento que validam ou não os lances

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Às vezes, penso que o verdadeiro problema do futebol brasileiro, aquilo que nos fez despencar do lugar antes ocupado para uma posição medíocre e modesta, não está de modo algum no campo. Está num conjunto de circunstâncias, entre as quais destaco os juízes. 

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Como é avaliado um pretendente a juiz, alguém que se apresenta na porta de uma entidade esportiva com o desejo de apitar jogos? Quem é ele? De onde vem? Por que pretende ser juiz? Quais os aspectos de sua personalidade que devem ser examinados antes de lhe dar o privilégio de determinar o que vai ser um jogo, definir o resultado de uma partida ou influenciar decisivamente para que o espetáculo se torne pavoroso e, sobretudo, incompreensível? Afinal o que essa gente estuda na escola de arbitragens, se é que há cursos e escolas? E, principalmente, quem ensina arbitragem e o que ensinam?

A preparação de um árbitro não devia dar valor só à parte física. Pelo menos não apenas a ela. Correr atrás dos lances, qualquer juiz deve. Decidir segundo critérios compreensíveis é outra coisa. O pior, para um espectador, não é verificar que uma decisão está prejudicando um time e favorecendo outro. O pior é não entender o que levou o juiz a tomar a decisão.

Em suma, ninguém sabe mais os critérios de julgamento que validam ou não os lances de uma partida. O torcedor sempre soube classificar o que via na arbitragem. Mesmo quando achava o juiz parcial sabia por quê. No momento não se sabe mais nada.  Sabemos que a violência permitida aumentou, que ninguém consegue dar uma finta sem ir para o chão, que a meia-cancha, como a chamavam os antigos, que em outros tempos foi um lugar nobre do campo onde só jogava quem sabia, hoje é terreno de batalhas campais, exatamente para não deixar jogar os poucos que ainda sabem e se atrevem a parar a bola e tentar dar um passe. 

Nada contra marcação dura e áspera. Isso é do jogo. O que talvez não seja são cotoveladas na cara, carrinhos da canela para cima, divididas criminosas, que os narradores classificam de “imprudentes”, tapas na orelha, agarrões vergonhosos, joelhadas, gravatas, etc. Nos escanteios, por exemplo, vale tudo.

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Então, volto ao início: o que ensinam nos cursos de árbitros? Se não mudaram os critérios para arbitrar, e creio que não tenham mudado, por que se tolera o que está errado? É o próprio árbitro que faz as regras? Essa impressão multiplica o problema, porque os jogadores passam também eles a fazer suas regras, e muitas vezes, de modo igualmente deplorável.

É comum não se saber mais, nem com auxílio da TV, se alguém foi realmente derrubado ou se simula a falta. Há especialistas na matéria, que rolam pelo campo, levam a mão à cara, e fazem muito ator profissional morrer de inveja. Aliás, acho que alguns, mesmo em campo, pensam na câmera o tempo todo. Devem, em casa, treinar diante da TV.

E para completar, reclamações. Uma atrás da outra. Não há lance, pode ser a falta mais óbvia, que não levante uma roda de jogadores em torno do árbitro. E ele tem que fazer alguma coisa. Ou não tem? E, entre fazer e não fazer, a torcida vocifera, os narradores se dividem e, enfim, sai alguma decisão. Faça o que fizer será por critério pessoal, inventado naquele momento em que duvida. E, então, pode-se esperar qualquer coisa. Numa mesma partida, em diferentes momentos, o arbitro pode interpretar de duas maneiras opostas lances rigorosamente iguais.

Chego à conclusão que, na ausência de qualquer assistência por parte de quem deveria orientá-los claramente, cada árbitro fabrica seu próprio critério que, só por coincidência, será igual ao meu ou ao seu. Igual ao meu raramente é. Tenho visto futebol ao longo da vida e sempre pensei que as regras eram as mesmas para milhares de lances que vi se repetirem milhares de vezes. Agora não mais. Pior para mim.

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