PUBLICIDADE

Publicidade

Andrea Pirlo, ídolo da Juventus, se torna o rosto da queda da equipe de Turim

Treinador recebeu uma tarefa difícil e falhou ao tentar executá-la. Mas se o time ficar fora da próxima Liga dos Campeões, não será completamente culpa dele

Por Rory Smith
Atualização:

Era uma piada quase pronta. No verão passado, a Juventus anunciou que havia contratado Andrea Pirlo como técnico de sua equipe sub-23. Foi uma ideia absolutamente sensata: o lugar perfeito para um querido ex-jogador começar uma nova fase de sua carreira, o lugar ideal para ele conseguir seu primeiro emprego como treinador. O mesmo, na época, não poderia ser dito sobre o que veio a seguir. Dez dias depois de conseguir o cargo, Pirlo recebeu outra oferta, dessa vez, para ser técnico do time principal da Juventus, aquele que incluía não apenas vários de seus ex-colegas, mas, também, Cristiano Ronaldo. E então as piadas se multiplicaram, fácil, rápido e de modo irresistível. Pirlo deve ter realmente impressionado naqueles oito dias! Não à toa havia conseguido o emprego: ele nunca tinha perdido uma partida!

Técnico da Juventus, Andrea Pirlo orienta treino do time Foto: Divulgação/Juventus

A explicação oficial foi apenas um pouco mais convincente. “A escolha de hoje é baseada na crença de que Pirlo tem tudo para liderar um time experiente e talentoso para novas vitórias”, dizia um comunicado da Juventus. Parecia haver apenas três explicações possíveis e viáveis, e nenhuma delas caía especialmente bem na hierarquia da equipe. Uma - a mais provável - era que o clube havia decidido demitir seu antecessor, Maurizio Sarri, com pouco tempo para encontrar um substituto que ainda não estivesse na casa. Pirlo estava no lugar certo, na hora certa. A segunda explicação defendia que Pirlo era alguém que permaneceria ali, disposto a fazer o trabalho por um ou dois anos, até que um candidato mais adequado estivesse disponível. E uma terceira era a convicção de que, após nove títulos da Série A em nove anos, a Juventus havia chegado à conclusão de que poderia empregar quem quisesse - o menos talentoso dos Backstreet Boys, um cocker spaniel amistoso, ou talvez, com alguma dificuldade, Sam Allardyce - e ainda assim ganhar o campeonato. Seja qual for o pensamento do clube, sua loucura foi brutalmente exposta ao longo dos nove meses seguintes. Não é apenas porque a Juventus perdeu seu título, ou mesmo por ter entregado sua dinastia tão mansamente. É que o declínio foi muito mais acentuado, muito mais rápido e com muito mais consequências do que o clube poderia imaginar. A probabilidade, claro, é que grande parte da culpa pela má fase que pode fazer com a Juventus não consiga vaga na próxima fase da Liga dos Campeões seja colocada diretamente sobre os ombros de Pirlo. Seu futuro já está sujeito a um intenso escrutínio na mídia italiana: houve vários relatos nas últimas semanas de reuniões de emergência dentro do clube para determinar se ele terá permissão para cumprir o segundo e último ano de seu contrato. Apesar de todo o significado que lhes é concedido, de tudo o que dependemos de cada palavra deles e elevamos o melhor deles ao status de guru, os técnicos não fazem tanta diferença quanto pensamos. Existem vários estudos acadêmicos a respeito do impacto que eles têm nos resultados. O livro “Soccernomics” afirma que os técnicos respondem por, no máximo, 8% do desempenho de uma equipe. Já em “Os números do jogo: Por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado”, a porcentagem é um pouco mais alta. Mas nenhuma das estimativas aproxima a importância de um técnico da importância do dinheiro ou da sorte. Isso não quer dizer que o que os técnicos fazem não importa. O futebol de elite, em particular, é um esporte com as menores margens. Frequentemente, tudo que separa o grande triunfo da amarga decepção é um momentâneo lapso de concentração aqui ou um pouco de preparo físico ali. Um único fator controlável que afeta 8% do resultado é muito importante. Pirlo pareceria, à primeira vista, ser a prova disso. A Juventus tinha o que parecia ser uma vantagem inatacável sobre a competição nacional por quase uma década, mas quando trocou um técnico experiente por um inexperiente, caiu não alguns pontos, mas do primeiro para, potencialmente, quinto lugar. Oito por cento é a diferença, ao que parece, entre os títulos da Série A e a Liga Europa da Uefa. Um pouco mais profundo, porém, o quadro é mais complexo. A razão pela qual o futebol tende a reagir à decepção trocando o técnico é que isso oferece a ilusão da solução simples: conserte esses 8% e tudo mais virá em seguida. No caso da Juventus - em todos os casos, aliás - não funciona bem assim. O clube que Pirlo herdou não era exatamente a máquina que funcionava sem problemas como parecia. Sua própria nomeação era prova disso: ele foi contratado em cima da hora porque o técnico em exercício, Sarri, provou ser estilisticamente inadequado para o time. Pirlo, desde o início, parecia igualmente incompatível: o futebol que ele queria exibir não parecia ser o tipo de futebol que se adequava aos jogadores à sua disposição. Esse tipo de pensamento desarticulado e desconexo infectou quase tudo que a Juventus fez por algum tempo, talvez desde a última vez que chegou à final da Champions League em 2017. A contratação de Cristiano Ronaldo - um luxo extremamente caro, mesmo que suas atuações impeçam que seja considerada um erro - é o exemplo mais evidente. Mas existem muitos mais. A Juventus passou os últimos anos tentando desesperadamente livrar-se de quem estava ao seu alcance para reduzir seus gastos com salários e cumprir os regulamentos financeiros do futebol europeu, muitas vezes contando com curiosas trocas para conseguir isso: João Cancelo por Danilo do Manchester City, Miralem Pjanic por Arthur do Barcelona. Isso deixou muitos na equipe se sentindo indesejados e desvalorizados. É fácil ver por que a Juventus gostaria de acreditar que Pirlo é a fonte de todos os seus problemas, para decidir mudar de técnico, trocando o novato por um nome mais conhecido, tenha a aparência de panaceia. Foi uma aposta e deu errado. Ele não era bom o suficiente, ainda não. Foi demais, cedo demais. Tudo isso pode ser verdade, mas não é a raiz do problema. Pirlo não é uma causa; ele é um sintoma. A questão para a Juventus não é com o homem que conseguiu o cargo, mas com as pessoas que o deram a ele, cuja competência é tão grande que pegaram um técnico com oito dias de experiência e o colocaram em um dos empregos mais desafiadores na Europa, e esperaram que tudo funcionasse bem. Afinal, um treinador faz apenas 8% da diferença. Os outros 92% vêm da estrutura e da organização e do pensamento por trás da gestão. Talvez, enquanto a Juventus enfrenta sua queda, a culpa deva ser distribuída de modo semelhante. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCI

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.