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Apoio político e resistência à pandemia garantem continuidade do futebol em quatro países

Presidentes da república e poucos casos do novo coronavírus ajudam Bielorrússia, Burundi, Nicarágua e Tajiquistão

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Por Ciro Campos
Atualização:

Quem sente falta do futebol pode neste fim de semana trocar o Campeonato Paulista ou as principais ligas europeias pelas rodadas de quatro países que continuam com o calendário em andamento mesmo durante a pandemia do novo coronavírus. Na Bielorrússia, Burundi, Nicarágua e Tajiquistão o futebol se mantém em atividade e o Estado foi atrás de explicar os motivos que podem ajudar a explicar tal decisão.

A reportagem conversou com jornalistas, analistas políticos e jogadores com conhecimento nessas ligas locais para entender como os campeonatos se mantém intactos enquanto o resto do mundo batalha contra os efeitos da pandemia. Um detalhe em comum reúne essas quatro nações: todas consideram que o novo coronavírus não chega a ser uma ameaça tão grande a ponto de forçar o calendário ser interrompido.

Bielorrúsia: torcida coloca manequins no estádio em protesto contra a manutenção do campeonato Foto: Vasily Fedosenko/Reuters

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Bielorrússia

Da antiga constituição da União Soviética, dois países estão entre os que mantém a liga em andamento. Na Bielorrússia, inclusive, os jogos têm até presença de público. O presidente do país, Alexander Lukashenko, chegou a dizer semanas atrás que a doença deveria ser combatida com vodca, sauna e trabalhos com o trator. Apesar disso, já foram registrados quase 5 mil casos da doença no local e alguns exemplos de insatisfação.

Renan Bressan morou cinco anos na Bielorrúsia e defendeu a seleção do país Foto: Alessandro Garofalo/Reuters

Torcedores de alguns times se recusaram a ir aos jogoss para evitar a contaminação. Em vez disso, colocam nos assentos dos estádios fotos, manequins e camisas de futebol. Quem joga lá tem a mesma opinião. "Na minha opinião teria de parar, sim, o futebol. Aqui o calendário teria de adiar, parar os jogos e os treinos", disse o atacante brasileiro Gabriel Ramos, do Torpedo Zhodino. 

O meia brasileiro Renan Bressan, atualmente no Paraná, morou por cinco anos no país e defendeu a seleção local. Agora à distância, ele acompanha com surpresa a manutenção do campeonato local e cita lido no noticiário que a média de público caiu pela metade até nas partidas do BATE Borisov, o mais importante e vitorioso clube. 

Apesar de manter o campeonato e poder receber torcida, Bielorrúsia sofre com a falta de público Foto: Vasily Fedosenko/Reuters

Bressan afirma que algumas características do país ajudam a explicar a decisão de se continuar com a liga. "É um pais bem menor, em que não entra tanta gente. É muito mais fácil para controlar", disse. "Eles têm uma cultura do estilo da União Soviética, bem mais fechada. Mas não tem nada disso de ditadura. As pessoas têm liberdade. Só que existe mais rigor e controle nas coisas, com mais regras", completou.

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Tajiquistão

No Tajiquistão, na Ásia, já houve até comemoração de título durante a pandemia. Outra nação remanescente da antiga União Soviética teve no começo deste mês a disputa da Supercopa com os portões fechados para evitar a propagação da pandemia. Potência local, o Istiklol ficou com o título. O clube tem como torcedor ilustre o presidente tajique, Emomali Rahmon, que comanda o país desde a independência, em 1992.

O Estado encontrou dois brasileiros que já vestiram as cores do Istiklol em anos anteriores. O país não registrou até o momento casos do novo coronavírus, embora para o ex-zagueiro Glauber isso possa não ser a verdade. "Os canais de TV são todos do governo. Então, só passam para a população a visão deles. Meus colegas que continuam lá têm receio de jogar, mas tentam levar a vida ao normal. É um país bem fechado, com poucos estrangeiros, e a população está acostumada a obedecer demais ao presidente", disse Glauber, que morou no país de 2013 a 2015.

Decisão de título no Tajiquistão foi com os portões fechados por causa da pandemia Foto: Nozim Kalandarov/Reuters

A relação entre futebol e o poder no país é bem próxima. Glauber conta que certa vez o elenco do Istiklol fez um jogo de confraternização na casa de campo do presidente, com a presença de políticos e assessores do alto escalão. No papel de defensor, o brasileiro brinca que deixou Rahmon marcar um gol na pelada. "Depois do jogo o presidente deu um prêmio para todos nós. Ele tirou do bolso uns 3 mil dólares, eu acho, e deu para cada um do clube", contou.

Glauber em campo pelo Istiklol, do Tajiquistão Foto: Arquivo Pessoal/Glauber da Silva

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Colega dele em parte desse período, o ex-atacante Jocimar Nascimento, conhecido como Lambiru, relembra que os dirigentes principais do time eram parentes e amigos do presidente. "Se nós estávamos treinando e aparecesse presidente ou alguém importante, todo mundo abaixava a cabeça. O filho dele era chamado de príncipe. Eles têm muita influência sobre o futebol do país", explicou.

'Atraso consentido'

O professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Fausto Godoy, conhece bem a região onde ficam Bielorrúsia e Tajiquistão. Quando foi embaixador do Brasil no Casaquistão, ele teve contato com essas duas nações e analisa que a decisão de se continuar com o futebol em andamento enquanto o mundo está paralisado é fruto principalmente da juventude desses dois países. Ambos têm menos de 30 anos de independência.

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Lambiru exibe camisa do Istiklol, do Tajiquistão, onde jogou em 2013 Foto: Arquivo Pessoal/Jocimar Nascimento

"Essas antigas repúblicas da União Soviética ficavam para o escanteio na época do regime. Eram locais agrícolas e que agora procuram uma vocação como um novo país", explicou. Para Godoy, tanto Bielorrúsia e Tajiquistão ficam à margem do restante das decisões internacionais por terem um governo centralizador demais. "Ainda são sociedades muito tribais nesses locais. Essas lideranças trazem para a população uma segurança das coisas e mantém o país em um atraso consentido, podemos dizer", afirmou.

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