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Jogadoras de futebol feminino não aguentam mais abusos e assédios e cobram atitudes dos dirigentes

Atletas da Liga de Futebol Feminino dos EUA estão exigindo o respeito que todas merecem, mas raramente conseguem

Por Kurt Streeter
Atualização:

Quando vamos parar de tratar as mulheres como cidadãs de segunda classe nos esportes? Essa questão precisa ser discutida, mais uma vez, à luz de histórias horríveis de técnicos acusados de abuso e assédio a jogadoras da NWSL (Liga Nacional de Futebol Feminino dos EUA).

A primeira liga de futebol feminino nos Estados Unidos - onde estrelas nacionais vencedoras da Copa do Mundo como Megan Rapinoe e Alex Morgan jogam - trata uma legião de jogadoras menos renomadas como títeres em um jogo de exploração e lucro controlado por homens.

Megan Rapinoe discursa na Casa Branca pedindo igualdade salarial entre homens e mulheres, na presença de Joe Biden Foto: Shwan Thew / EFE

Longe da celebração do empoderamento feminino, a liga foi recentemente exposta por revelações que são outro exemplo do descaso que a sociedade tem por atletas mulheres. E nesse caso, parece que as atletas toleraram e sofreram abuso porque temiam que as reclamações fossem arruinar a única liga nacional que tinham.

Queimem tudo isso

Megan Rapinoe, jogadora da seleção norte-americana de futebol feminino

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Ela está certa. A liga precisa de uma reforma em sua liderança. Essa mudança já começou com a renúncia de sua comissária, Lisa Baird. E há esperança de que uma nova geração de atletas mulheres - emergindo nessa época de acerto de contas e ousadia entre os marginalizados, conectados entre si e ao mundo pelas redes sociais - não fique quieta. Elas não têm mais medo das consequências, ou vergonha de falar a verdade aos poderosos.

Elas têm como norte as diversas ginastas - incluindo uma das estrelas mais populares dos esportes, Simone Biles - que mostraram que se manifestar e falar pode trazer mudanças. Fazendo isso, podem mandar para a prisão perpetradores que, em outras épocas, teriam ficado nas sombras.

Foi uma semana turbulenta e muito dolorosa para os esportes femininos, mas ela também apontou um caminho para o futuro. As jogadoras profissionais de futebol feminino não vão mais aceitar o status quo. Chega de tolerar técnicos como Richie Burke, o ex-gerente do Washington Spirit, que lançou uma “torrente de ameaças, críticas e insultos pessoais” em suas jogadoras, de acordo com o Washington Post.

Chega de tolerar homens como Christy Holly, o técnico do Racing Louisville, demitido em agosto em meio a um turbilhão de acusações sobre o ambiente tóxico que ele havia criado.

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Chega de dar espaço a pessoas como Farid Benstiti, ex-técnico do OL Reign da área de Seattle, agora sabemos que ele foi forçado a sair após comentários abusivos.

Em uma investigação publicada na semana passada pela The Athletic, jogadoras atuais e antigas acusaram Paul Riley, gerente do North Carolina Courage, de abusar emocionalmente das jogadoras e coagi-las a fazerem sexo. Embora tenha negado as alegações, Riley foi demitido pelo Courage.

Paul Riley foi demitido após acusações de assédio sexual a jogadoras. Foto: Karl B. DeBlaker/AP

A Liga Nacional de Futebol Feminino (NWSL) anunciou no domingo que havia contratado um escritório de advocacia para rever as políticas da liga e dos clubes e fazer recomendações para criar um novo comitê executivo. O escritório também vai reabrir a investigação de 2015 sobre Riley e examinar as circunstâncias de sua demissão de Portland e sua subsequente contratação por outros clubes.

A Federação Americana de Futebol também anunciou no domingo que havia contratado Sally Yates, que foi procuradora geral interina por pouco tempo no governo Trump, “para conduzir uma investigação independente sobre as alegações de comportamento abusivo e má-conduta sexual no futebol profissional feminino.”

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As jogadoras da liga não acreditam nas negações de Riley. Elas também estão revoltadas com a desonestidade da liga em relação ao comportamento desses técnicos. Os jogos do fim de semana foram cancelados quando as jogadoras se levantaram em uníssono, exigindo reformas.

“Homens, protegendo homens, que estão abusando de mulheres,” escreveu Rapinoe, a maior estrela americana do futebol feminino e um dos poucos nomes conhecidos da liga. “Vou dizer de novo, homens, protegendo homens, que estão ABUSANDO DE MULHERES. Queimem tudo isso.”

Essa declaração precisa de um pouco de contexto. Baird, a comissária da NWSL, renunciou na sexta-feira depois de ter ficado evidente que ela fez mais para proteger os homens que dirigem a liga do que pelas mulheres que arriscam tudo nas competições. Às vezes não são apenas homens protegendo homens. Às vezes é o poder protegendo o poder.

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Todos sabemos quem tem influência de verdade - quem está no topo da hierarquia. Na NWSL, a grande maioria dos proprietários de times que possuem controles acionários são homens, assim como a grande maioria dos executivos e técnicos de times.

Assim como ocorre no resto da sociedade, o mundo dos esportes apoia-se firmemente em uma simples e perturbadora dinâmica: com poucas exceções, sendo uma delas o tênis profissional, as mulheres ficam em segundo plano comparadas aos homens nos esportes. Elas têm muito menos cobertura da mídia, muito menos apoio corporativo e muito menos amor e respeito dos fãs.

Os playoffs da WNBA estão acontecendo, cheios de grandes histórias e jogadas incríveis. Como minha coluna recente mostrou, boa sorte em encontrar uma camisa de sua estrela favorita. E boa sorte, também, para os times femininos que estão cruzando o país em voos comerciais, lutando para encontrar voos onde não tenham que enfiar seus corpos cansados nos assentos do meio. Os jogadores dos principais esportes masculinos americanos quase sempre utilizam voos fretados. As profissionais femininas raramente têm essa chance.

A NWSL está longe de ser uma liga bem estabelecida. Fora de algumas cidades, particularmente Portland, Oregon, onde Riley foi técnico por anos, seus times lutam para serem aceitos. O jogo do campeonato de 2021 da liga, transmitido nacionalmente pela televisão, está agendado para acontecer em Portland no dia 20 de novembro, e deve começar às 9h, no horário local. Antes de um dos maiores jogos de suas vidas, as jogadoras que disputam o título vão acordar na escuridão da manhã e fazer o aquecimento em um campo frio enquanto o sol começa a nascer.

Não é fácil fazer incursões na consciência pública em uma cultura tão completamente configurada para favorecer os homens. Ainda assim, a NWSL durou mais tempo e criou raízes mais profundas que qualquer liga americana de futebol feminino profissional já conseguiu. A liga é poderosa pelo que representa: um futuro no qual as mulheres são levadas a sério e tratadas com todo o respeito.

As atletas estão corajosamente defendendo esse tipo de mudança transformadora. Mas a semana passada provou que sua batalha para serem tratadas com igualdade está longe do fim. De muitas formas, está apenas começando. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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