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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Balaio de gatos

Brendon, que é Hellton, errou ao adulterar idade. Mas daí a torná-lo marginal há exagero

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Por Antero Greco
Atualização:

Uma parte da história já se conhece: Brendon Matheus Araújo Lima dos Santos, jovem promessa do Paulista é, na verdade, Hellton Rodrigues. Não tem 19 anos, como consta da carteira de identidade que carrega consigo, mas 22. Na gíria do futebol, trata-se de “gato”, ou atleta com idade adulterada. Fraude, descoberta após a semifinal da Copa São Paulo, em que o time de Jundiaí bateu o Batatais por 5 a 1. Por causa disso, a vitória foi anulada e quem perdera em campo estará hoje no Pacaembu para disputar o título com o Corinthians.

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Dirigentes e técnico do Paulista ficaram indignados. O empresário do rapaz, idem. Os primeiros por se sentirem traídos, pois teriam consultado Brendon/Hellton antes do jogo de domingo, quando havia um zunzum no ar a respeito de possível mutreta, e este garantira que estava tudo em ordem. O agente teme pela própria imagem no mercado. A meninada da equipe viu virar fumaça o sonho de conquista e de promoção por chegar à decisão. 

Episódio triste. Muito triste. Mas não único, nem inédito. Não foi o primeiro e, pior, nem será o último. 

“Gatos” existem aos montes, no Brasil e no mundo. Casos às pencas vieram à tona, aqui e no exterior, e alguns famosos envolvem gente como Emerson Sheik, Luxemburgo, Souza (ex-São Paulo), Sandro Hiroshi. Um bem parecido com o de Brendon/Hellton foi o de Luciano Siqueira de Oliveira, que despontou no Palmeiras como Eriberto Conceição da Silva. Sob o heterônimo de Eriberto tentou a sorte na Itália e lá se descobriu a verdade. Passadas a vergonha e a humilhação, cumprida a punição, retomou carreira, tocou a vida até aposentar-se, recentemente.

Hellton errou, não se discute. Porém, restam muitas indagações a serem consideradas. Por que optou pelo embuste? Veio assim, do nada, da cabeça dele? Ou alguém assoprou-lhe a dica? Em que momento se deu a manobra ilegal? Onde jogava, sob qual comando e orientação? Qual a responsabilidade do clube atual e do agente, não como coniventes, mas ao menos por falha para conferir as informações recebidas?

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Há mais aspectos e pontos de interrogação. A origem do moço: a família é pobre? Enfrenta dificuldades? Quantos componentes são? Quantos filhos têm os pais? Qual a instrução de Hellton e parentes? Que tipo de educação receberam? Que grau de discernimento têm a respeito de desdobramentos de falsificação de documentos? Por aí vai.

Soa lugar-comum imaginar que, por trás da mancada de Hellton, exista história de vida recheada de percalços que induzem o indivíduo ao erro. Infelizmente a realidade é infestada desse tipo de situação. Muitos se agarram ao que lhes parece a porta da salvação; alguns sobrevivem, a maioria pena.

Não há pieguice nem a idealização dos “menos favorecidos pela sorte”. Tampouco a defesa romântica dos que erram. Muito menos estigmatizar pobres, ao imaginar que, diante das agruras, tenderiam a ser desonestos, etc e tal, e não é o que ocorre. Ainda bem. A ladainha de sempre.

Um incidente como este propõe reflexões, bom senso – e piedade, também, por que não? Vivemos momento delicado, em que se clama por execuções sumárias, sem direito a defesa de acusados. Basta um nada para levar a linchamento. Tende-se a colocar no mesmo grau de gravidade um pichador, um batedor de carteiras, um traficante, um assassino. Falta agora incluir o “gato”.

O Paulista abriu boletim de ocorrência e teve cartola a pedir prisão para o jogador. O técnico o considera um “sociopata”. Calma e equilíbrio são essenciais. Hellton pisou na bola, sumiu do mapa, deve estar com medo. (E quanto medo já não enfrentou?) Que seja encorajado a aparecer, pagar pena esportiva e ter nova chance. Precisa de recuperação, pois marginais temos demais.

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