Publicidade

Brasileiros da MLS, nos EUA, lutam contra o medo, preocupação com a família e insegurança

Jogadores e dirigente que atuam no futebol norte-americano relatam ao 'Estado' como estão vivendo no país em que há a maior taxa de mortes e de contaminados pelo coronavírus

PUBLICIDADE

Por Ciro Campos e Daniel Batista
Atualização:

Os Estados Unidos são o epicentro do novo coronavírus neste momento. Já são mais de 640 mil infectados e 28,4 mil mortos, números que causam pavor em quem vive no país. É o caso, por exemplo, dos brasileiros que jogam na MLS (Major League Soccer), a principal liga de futebol norte-americana. Eles lutam para evitar contato com a doença, proteger os familiares que estão com eles e também os que deixaram no Brasil e ainda precisam treinar em casa para não perder o ritmo e a condição física quando o futebol voltar a ser disputado, sem data marcada.

Brasileiros fazem trabalhos em home office durante paralisação do futebol nos Estados Unidos Foto: Montagem/Estadão

O Estado ouviu três jogadores e um dirigente que atuam em locais distintos nos Estados Unidos. O país tem algumas regiões em que os casos da doença se concentram, como em Nova York, onde o atacante Heber defende o New York City. Assim como ocorre no Brasil, alguns Estados estão conseguindo, com políticas de segurança de saúde, evitar que a pandemia cause ainda mais estragos. É o caso de Ohio, por exemplo, onde o volante Artur joga pelo Columbus Crew. Leia os relatos.

Em Nova York, Heber treina em uma esteira dentro de casa Foto: Reprodução/Instagram

PUBLICIDADE

Heber: 'Assusta ver a Times Square vazia'

Nós perdemos totalmente a rotina. Estou em Nova York, treinando em casa, mas estou bem e saudável. Nosso último jogo foi contra o Tigres, do México (no dia 11 de março), e depois disso já não tivemos mais treinos nem partidas. Tudo está travado. Saio pouco de casa e vou no máximo até o mercado.

Para me distrair, comprei uma esteira e passo o meu tempo cozinhando. Quando saio de casa, vou de máscara e luvas. Aproveito para curtir as lives feitas no Brasil de música sertaneja. Isso ajuda bastante a relaxar. Falo sempre com meus pais, que têm mais de 70 anos. Ainda bem que eles estão quietinhos em uma chácara em Vilhena (RO). Passam o tempo pescando. Apesar do local onde moro ser uma região bastante afetada pela pandemia, perto da minha casa não tenho problemas de abastecimento. Frutas e legumes você encontra aos montes. Só material de limpeza está em falta algumas vezes. Procuro ir ao mercado uma vez por semana e compro online de mercados brasileiros produtos como feijão ou carne especial para preparar.

Todos os dias vejo a atualização do número de casos nos Estados Unidos. O que assusta é às vezes você ver um vídeo ou até passar em locais turísticos como Central Park, Times Square ou Manhattan e ver tudo vazio. As imagens de TV mostram isso também. Aqui é sempre cheio de gente. Nosso time tem feito alguns treinos via videoconferência e temos uma programação para seguir em casa, de exercícios. O bom é que dá para ver os companheiros, brincar e matar saudade. (Heber tem 28 anos e é atacante do New York City. O Estado tem mais de 200 mil casos e 10,8 mil mortos)

Éverton Luiz com a filha durante a quarentena Foto: Arquivo Pessoal/Éverton Luiz

Everton Luiz: 'Tenho certeza que sairemos melhores como pessoas'

Publicidade

Os dias estão sendo bem difíceis por aqui. Estamos em quarentena há quase um mês e saindo apenas para comprar as coisas que são realmente necessárias. Além disso, estamos tendo todo cuidado e proteção, usando máscaras, luvas, cumprindo o distanciamento de dois metros de outras pessoas e sempre passando álcool em gel nas mãos. As coisas estão bem estranhas. As pessoas daqui estão com medo. Medo de morrer. Além de tudo o que está acontecendo, a cidade ainda sofreu com alguns terremotos recentemente e ninguém aqui de casa tinha passado por alguma coisa parecida. Ficamos muito assustados.

Minha mulher se preocupou em manter o isolamento logo que os casos começaram a aumentar. Ela comunicou a escola que as crianças já estariam entrando em quarentena antes mesmo de fecharem. Desde o começo nos preocupamos em falar para meus filhos o que está acontecendo, sem alarme. Infelizmente, o pai de uma amiga de infância da minha mulher morreu por causa do coronavírus. No começo, minha mulher e eu estávamos bem assustados, principalmente por ser tudo muito novo para todos nós. 

Nós queríamos ir ao Brasil, passar tudo isso em casa, perto da família, mas depois vimos que era melhor ficar por aqui mesmo. O clube nos passa todo apoio e segurança, nossos filhos estão bem protegidos e nessas horas viajar não é a melhor opção. Estamos sempre em contato com meu sogro e familiares para termos informações atualizadas. Temos certeza que isso vai passar e que sairemos todos melhores como pessoas.

Não temos data marcada para a volta dos treinos, mas o clube sempre está atualizando as informações por e-mail ou videochamada. Em relação ao ritmo em casa, sempre tive muito cuidado com a minha alimentação. Hoje estou com uma rotina de exercícios físicos em esteira, bicicleta e também trabalhando meu corpo em treinos funcionais. De imediato, acredito em uma mudança no futebol. As pessoas precisarão se adequar à nova situação. Todas as federações de futebol deverão adequar os calendários de competições, já que muitas são curtas. Acho que no prazo de um a dois anos as coisas vão se normalizar. (Everton Luiz tem 30 anos e é volante do Real Salt Lake City, de Utah. No Estado são mais de 2,4 mil casos e 19 mortos)

Artur, do Colombus Crew, mantém a forma física em casa com a ajuda de uma bicicleta ergométrica Foto: Arquivo Pessoal/Artur

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Artur: 'O esporte fica em um segundo momento'

A quarentena mudou a vida de todo mundo. Vários comércios fechados e muita gente sem renda, o que preocupa. A movimentação em supermercado é muito grande. A coisa toda assustou muita gente. Leio notícias e vejo que alguns Estados estão piores do que aqui. O governador do Estado (Mike DeWine) tomou atitude rápida e as coisas estão bem mais tranquilas. Ele já fechou comércio, escola e tentou evitar ao máximo a aglomeração. Felizmente, não conheço ninguém aqui em Ohio que tenha pego coronavírus.

O clube tem tomado todas as medidas para ajudar a gente. Temos conversado por chamada de vídeo e eles passam instruções do que fazer paratodo o elenco e nos atualiza sobre a situação do país e do campeonato. Ainda não temos prazo para voltar a treinar nem jogar. Tinham falado que o campeonato voltaria dia 10 de maio, mas acho pouco provável. Não temos de ter pressa. O esporte fica em um segundo momento agora.

Publicidade

Creio que algumas coisas vão mudar no futebol. Jogadores que tinham contrato curto e que estavam próximo de acabar queriam mostrar serviço e não puderam. Eu tenho contrato de mais dois anos e estou bem aqui, então isso não é algo que me preocupa. Mas independentemente disso, o momento é de pensar no próximo. Eu não sou muito de ficar assistindo TV. Gosto de ler coisas na internet e minha mulher é enfermeira, então ela me mantém informado. Como não podemos ir ao CT, tenho treinado em casa e também aproveitado o tempo para jogar videogame, ler alguma coisa. Falo com a minha família também. Meus pais estão na Bahia e me preocupo bastante com eles. O que estamos vivendo não é uma brincadeira. (Artur tem 24 anos e é volante do Columbus Crew, de Ohio. No Estado, são mais de 100 casos e 3 mortes)

André Zanotta comanda de casa o departamento de futebol do Dallas Foto: Arquivo Pessoal/André Zanotta

André Zanotta: 'O desafio é ocupar os jogadores'

Aqui no Texas temos uma ordem do distrito para as pessoas não saírem de casa, exceto para atividades essenciais. Estamos nesse regime há três semanas. Como dirigente, nós temos de ser o mais criativo possível para manter os jogadores ocupados e o clube em funcionamento. Nós organizamos uma série de reuniões com a comissão técnica e os atletas. Nosso preparador-físico passa treinos todos os dias e a comissão dividiu o elenco em grupos, de acordo com a posição. Os jogadores recebem vídeos de partidas para analisar e depois discutem questões técnicas.

Toda semana fazemos uma reunião com todos os jogadores e buscamos convidados especiais para falar com eles. Já teve nutricionista, o dono do time e devemos trazer um psicólogo. Esses dias fizemos uma brincadeira e cada jogador mandou uma foto de quando eram crianças. Eles tinham de adivinhar quem era o bebê que estava na foto.

Os executivos de futebol dos clubes da MLS se falam diariamente. Há uma grande ajuda mútua. Estamos divididos em grupos de trabalho para lidar com a pandemia e cuidar de três assuntos principais: desenvolvimento de jogadores, calendário e o outro é de aplicação de regras. Os dois brasileiros do time, o Thiago Santos (ex-Palmeiras) e o Bressan (ex-Grêmio) estão muito bem. O Thiago chegou agora, fez dois jogos incríveis pelo clube e é um cara tranquilo. Tenho ajudado na adaptação. O Bressan está no segundo ano e a mulher dele está grávida. Vai ter o filho em maio. Eu agora tenho dado aulas para meus dois filhos e aproveito para fazer um curso de liderança da Universidade de Oxford, algo que sempre quis fazer e não tinha tempo. (André Zanotta é diretor de futebol do Dallas FC, clube do Texas. O Estado tem mais de 14,6 mil casos e 300 mortos)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.