
22 de janeiro de 2017 | 06h00
A tragédia da Chapecoense, menos de dois meses atrás, reavivou a solidariedade, sentimento que andava em baixa por aqui. Os dias que se seguiram à queda do avião que transportava a delegação para a Colômbia foram de comoção e de muitas manifestações de desprendimento. Um pouco do brasileiro cordial de uma vez ressurgiu, num ano em que prevaleceu astral carregado por estas paragens. Pena que o preço para isso tenham sido as dezenas de mortes, de jogadores, jornalistas e dirigentes.
A onda de fraternidade estendeu-se durante as férias, com diversas ofertas de atletas para recompor o elenco alviverde. Noves fora certas sugestões um tanto marotas – o que era esperado e devidamente recusado –, o clube catarinense reuniu um grupo de boa qualidade. Não se deve esperar o nível anterior, ao menos por enquanto. A rapaziada então sob comando de Caio Júnior era consequência de um trabalho prolongado. Infelizmente, se foi.
Porém, não soa descabido nem piegas imaginar que Vagner Mancini terá à disposição uma trupe digna, no mínimo para atravessar de cabeça erguida uma temporada de transição. O pontapé inicial da retomada da vida ocorreu neste sábado, à tarde, no amistoso com o Palmeiras. O campeão brasileiro de 2016 foi dos que mais se empenharam em colaborar com a Chapecoense, adversário que lhe serviu de sparring no domingo da conquista do título.
O acidente não será esquecido pelo povo de Chapecó – não há como. Episódios como esse marcam por gerações, e as vítimas entraram para galeria de heróis locais. Pena que dessa maneira e não porque poderiam ter batido o Atlético Nacional em campo. Irresponsabilidade e ganância que levaram ao horror da madrugada de 29 de novembro impediram a fama por meio da alegria. Resta a gratidão como consolo.
No entanto, daqui para a frente não se devem considerar provas de insensibilidade a remontagem do time, nem os aplausos da torcida, tampouco as cobranças que, com o tempo, virão para cima de atletas e treinador. São, antes, sinais de vida. E, com o perdão do lugar-comum, esta continua. Todos perdemos pessoas queridas, não há quem não tenha vivido o trauma da separação que a morte traz. A melhor maneira de seguir adiante é rezar pela alma dos que partiram (para quem acredita) e honrar a memória deles.
No caso da Chapecoense, a reverência deve vir por meio do futebol, de preferência alegre, atrevido e corajoso. Como pretendia ser reconhecida a turma que agora, em algum lugar no universo, está a torcer pelos que ficaram. Vida longa à Chape, que, de forma extrema, nos fez notar que, apesar de tanta violência a nos cercar, não somos um povo totalmente abrutalhado.
ADEUS, PROFESSOR
Carlos Alberto Silva foi discreto na hora da partida, e coerente com a maneira com que conduziu a longa carreira de treinador. O jeito de caipira simplório e de fala mansa escondia temperamento firme, que o fez romper algumas vezes com os clubes para os quais trabalhava. Mas sem espalhafato, sem atirar para todos os lados; pegava o boné e voltava para casa, em Minas.
Carlos Alberto merecia reconhecimento maior, pois se tratava de um mestre da bola. Talvez não tenha “vendido” bem a imagem. O Guarani campeão brasileiro de 1978 teve seu olhar arguto, sobretudo na aposta do jovem Careca. Na seleção brasileira, entre 1987 e 1989, deu espaço para Raí e Romário, talentos que despontavam e anos depois foram campeões do mundo. Em Portugal, ganhou títulos com o Porto.
O futebol perdeu um especialista e bom papo. Vá em paz, sr. Carlos.
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