
08 de julho de 2018 | 04h00
Após a derrota de sexta-feira, li, ouvi, vi comentários e análises de diversos colegas, que estão aqui ou na Rússia. O mote comum foi a tentativa de detectar os motivos pelos quais o Brasil saiu da rota do hexa sem nem chegar à semifinal. Dentre as observações, uma chamou a atenção e me enche de dúvidas. Veio de Gustavo Hoffman, da ESPN. Ainda em Kazan, no calor da hora, disse: “A seleção tem um jogo europeu com o talento brasileiro”.
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A frase teve tom elogioso. Nela estava embutida a noção de que Tite e colaboradores deram feição, digamos, moderna à maneira de o time jogar, agora mais aplicado e com disciplina tática, sem abrir mão de características intrínsecas dos talentos made in Brazil: criatividade e ousadia. Nossos rapazes, habituados às estratégias refinadas dos grandes clubes da Europa – a maioria atua por lá –, viram reproduzida com a camisa amarela a rotina normal de trabalho deles. Nada, portanto, que os surpreendesse.
Aí entram minhas dúvidas. Já no empate com a Suíça (1 a 1, na estreia), anotei numa velha agenda algumas questões para avaliar com estudiosos, tão logo for possível. A primeira: mas será que por aqui se joga um futebol velho? E outras: Qual a importância do título mundial? O que representa na atualidade? Por acaso é sinal de que um país pratica futebol mais eficiente e elegante do que outro? Que tenha mais jogadores virtuosos? Que revele craques? E mais: com a globalização, é possível falar em “escola brasileira”, “escola alemã”, “escola argentina” e assim por diante? Claro que erguer a taça é lindo, ainda mais para quem nunca teve essa alegria...
A Copa tem mostrado que esquemas são semelhantes, com ligeiras variações, de acordo com os desafios e as etapas da disputa. A diferença entre Europa (sobretudo) e América em relação aos outros continentes persiste, a ponto de ser difícil imaginar um time africano ou asiático campeão. Porém, o desnivelamento é menor do que em décadas passadas. Japoneses, iranianos, ganeses, sul-coreanos, egípcios não são sparrings como outrora; não são tolos e ingênuos. Melhoraram, se valem de recursos tecnológicos, muitos de seus convocados estão espalhados pelas ligas europeias. Enfim, cresceram.
O que pode fazer a balança pender em favor de uma equipe é o craque – ou o jogador muito bom, para não banalizar termo que se aplica a Pelé, Maradona, Zico, Platini e outros do mesmo naipe. Se estes aliarem o dom natural com os pés a um planejamento correto, a um técnico ágil e tarimbado, e a companheiros de qualidade, sobressairão e abrirão caminho para conquistas.
Mas até onde se pode afirmar que esses talentos diferenciados preservam estilo e cacoetes da terra em que nasceram ou que pertençam a uma escola futebolística? Pois grande parte joga em clubes que são legiões estrangeiras, multinacionais da bola, que embaralham idiomas, culturas, religiões de seus contratados para torná-los homogêneos num sistema tático comum a todos.
O raciocínio é complicado, admito. E talvez possa sugerir que eu defenda fechamento de fronteiras, restrição de imigrantes nos times da Europa ou outras medidas antipáticas. Não é isso. Porém, o fato de todos seguirem modelo semelhante lhes tira identidade “nacional”. Daí se constatar que a nossa seleção parece europeia com talento brasileiro. Será que não nos estrepamos justamente por não termos mais padrão brasileiro com talento idem? Interrogações demais.
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