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Camisa grená da Ferroviária volta a brilhar no Paulistão

Boa campanha traz lembranças dos esquadrões históricos

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Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

Nos anos 1960, o menino Tião Guidelli gostava de jogar bola em um campinho de terra perto de sua casa no assentamento Bela Vista, em Araraquara. O suor se misturava com aquela poeira vermelha, grudava no corpo, cobria a pele de um jeito que virava um uniforme de tanta sujeira. Um dos colegas viu uma foto da Ferroviária numa Placar antiga e percebeu a semelhança: a terra mais o suor dava um tom parecido ao grená. “Esse é o nosso time”, disse o menino Tião.

Mais de 50 anos depois, Tião não joga mais futebol nos campinhos, mas continua amante do grená. O porteiro da empresa Vigiara, que presta serviços de segurança para a Uniara (Centro Universitário de Araraquara), foi homenageado pela Câmara dos Vereadores de Araraquara no ano passado pela composição do hino do time feminino da Ferroviária. É um torcedor ilustre, reconhecido pelas ruas. Jura que a primeira palavra que aprendeu – depois de papai e mamãe – foi “AFE”, apelido da Associação Ferroviária de Esportes.

O torcedor Tião Guidelli fez uma música para o time feminino da Ferroviária Foto: José Patrício

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Os bons resultados da Ferroviária na campanha atual do Campeonato Paulista fazem com que Tião se lembre dos tempos áureos do time grená, que já foi chamado de “Santos do Interior”. Obviamente, existe um certo exagero aí. Afinal, o torneio está ainda na 8.ª rodada. Para ele, o excesso pode ser perdoado. Afinal, o time ficou 19 anos longe da elite paulista. “A vitória sobre o Palmeiras já entrou para a história, mas está, principalmente, na minha mente e no meu coração”, diz o torcedor.

Funcionários do Museu do Futebol e Esportes de Araraquara afirmam que não é tão exagero assim pensar que a campanha de 2016 já está marcada. O time tem 23 jogos de invencibilidade na Arena da Fonte em partidas válidas pelo Campeonato Paulista da Série A2 (2014/2015) e Série A1. “O placar, em si, não é tão marcante. O Palmeiras já perdeu para outros times do interior neste mesmo Campeonato Paulista. O que chama a atenção é a forma como a vitória foi construída: a Ferroviária teve mais de 60% de posse de bola na casa do adversário”, analisa Gustavo Ferreira Luiz, do Museu.

Para Silvino Vallandro, dono da churrascaria Estrela do Sul, ponto tradicional da cidade, há 41 anos instalado em frente ao estádio, a equipe pode ir longe. “A gente já viu grandes times, e este está empolgando”, diz o gaúcho de Encantado.

O torcedor Silvino Vallardo, dono derestaurante em Araraquara Foto: José Patrício

Tião se empolga ainda mais e cita Olivério Bazani Filho, o maior jogador da história do time grená. O meia detém o primeiro lugar em número de títulos, jogos disputados – foram 758 entre 1954 e 1976 – e também em gols assinalados (244). Seu busto ocupa espaço nobre, logo na entrada do estádio. Foi bicampeão da segunda divisão (1955-1965), tricampeão do Interior (1967-68-69), esteve nas três excursões internacionais (1960-63-68), ganhou a taça dos Invictos em 1971. Como técnico comandou a ótima campanha no Paulista de 1985, quando o time chegou à semifinal do torneio e terminou o torneio na 4.ª colocação.

Além da trajetória de Bazani, os torcedores ‘das antigas’ têm realmente boas recordações. Entre os anos de 1967 e 1969, a equipe viveu a maior era de sua história. Conquistou a taça do interior três vezes consecutivas e ficou com a posse definitiva do troféu. Na campanha de 1968, a AFE terminou o Campeonato Paulista em 3.º lugar, atrás apenas de Santos e Corinthians. Para coroar o feito, em amistoso realizado em Araraquara em 1968, a Ferroviária massacrou o Napoli, da Itália, por 4 a 0. Depois disso, foram 39 anos na primeira divisão do Campeonato Paulista, sendo 29 anos consecutivos, de 1967 a 1996.

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Os números na Fonte Luminosa mostram que a Ferroviária foi um adversário duro para o Santos de Pelé nos anos 1960 e 1970. Em 13 jogos disputados em Araraquara, a Locomotiva venceu sete vezes, empatou em duas oportunidades, e o Santos ganhou quatro jogos. A camisa grená, portanto, pesa.

Ferroviária viveu sua melhor fase na segunda metade dos anos 60 Foto: José Patrício

A principal meta do time agora é fazer com que todas essas reminiscências façam com que os torcedores voltem ao estádio. Mesmo depois de se consolidar como sensação do Campeonato Paulista, a equipe ainda não empolgou totalmente o povo da cidade. A média de público nos jogos em casa é de três mil torcedores – a capacidade do estádio é de 22 mil. O maior público foi registrado no empate contra o Corinthians, com nove mil pagantes. “A torcida da Ferroviária é formada sempre por 1.000, 1.500 pessoas. O povão ainda não começou a ir ao estádio”, afirma Douglas Campos, presidente da torcida organizada Afeganistão.

Pelas ruas de Araraquara, são poucas referências ao time. Torcedores afirmam que o estádio deve ficar mais cheio na fase final – a equipe tem boas chances de classificação, pois está em segundo lugar no grupo do São Paulo, empatada em número de pontos, mas leva desvantagem no saldo de gols (6 a 5). Hoje, a equipe enfrenta o Novorizontino em casa. “Ainda falta empolgação. Queria ver a torcida mais entusiasmada. Não é todo dia que a gente vive uma situação dessas”, reclama Tião.

O programa de sócios-torcedores vai bem. Lançado no início deste ano, o Sócio Locomotiva já saltou de 70 sócios para mais de 1.500.