CAS diz que Valcke garantiu acordo milionário para filho no Rio durante a Copa de 2014

Francês era dirigente da Fifa e também agiu para que ingressos da Copa do Mundo fossem vendidos no mercados negro

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Por Jamil Chade
Atualização:

Principal responsável na Fifa pela organização da Copa do Mundo de 2014, Jérôme Valcke operou nos bastidores para que seu filho conseguisse comissões de R$ 2,8 milhões para montar um stand na praia de Copacabana durante o torneio. Os detalhes do caso fazem parte dos documentos da Corte Arbitral dos Esportes (CAS, na sigla em inglês) que revelam ações do ex-secretário-geral da Fifa, afastado depois de o Estado e outros jornais revelarem como ele negociou entradas para jogos da Copa de 2014 com redes de cambistas.

Demitido e banido do futebol, Valcke recorreu à CAS, em Lausanne, mas seu recurso foi rejeitado. De acordo com o tribunal, ele "usou sua posição dentro da Fifa para ajudar seu filho a obter remuneração de parceiros comerciais da Fifa".

Jérôme Valcke, ex-secretário geral da Fifa Foto: Arnd Wiegmann / Reuters

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Em 8 de julho de 2013, Valcke, o então diretor de marketing da Fifa, Thierry Weil, e o filho do cartola, Sébastian Valcke, viajaram até a cidade de Manchester, na Inglaterra, para um encontro na sede da empresa EON Reality Inc., especializada em realidade virtual. De acordo com os documentos da CAS, Valcke mantinha relação com a empresa especializada em fazer hologramas.

"Naquela reunião, EON apresentou uma nova tecnologia que poderia ser usada na Fan Fest da Fifa no Rio de Janeiro durante a Copa", informa o documento. O holograma, em questão, era da taça da Copa do Mundo, que acabou atraindo milhares de pessoas para a praia de Copacabana.

Weil, em depoimento, disse que a ideia da reunião veio de Valcke, "com base numa proposta de seu filho". "Jérôme veio a mim e disse que seu filho tinha uma empresa que fazia algo realmente especial que seria completamente novo e não tinha sido visto antes", disse Weil. "Isso poderia ser de interesse da Fifa", completou. Segundo ele, Valcke sugeriu que os dois fossem até a Inglaterra visitar a empresa.

Depois do encontro, a equipe de Weil manteve as negociações com a EON, em nome da Fifa. Em 16 de janeiro de 2014, um contrato de serviço foi assinado entre a empresa e a organização esportiva. Os documentos revelam como Valcke se envolveu diretamente para garantir o contrato a seu filho. Em vários e-mails, ele "aconselhei seu filho sobre como conduzir as negociações (com a Fifa) e negociar sua posição com a EON". Valcke, como secretário-geral da Fifa, era o responsável por organizar a Copa no Brasil, o que também incluía a Fan Fest.

Em 18 de julho de 2013, por exemplo, Valcke escreveu para seu filho a fim de orientar como deveria ser o contrato de Sebastien com a empresa. Dez dias depois, o contrato estava assinado. Em 28 de agosto, Valcke enviaria ao filho uma lista de itens que teriam de ser realizados para que projeto avançasse.

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Em 27 de outubro de 2013, Sébastien escreveria a seu pai contando a conversa que teve com o presidente da EON, Lejerskar. Se ele convencesse a Fifa a assinar o contrato, seria compensando em um primeiro momento por US$ 709 mil (R$ 2,887 milhões, na cotação atual).

Valcke então orientou seu filho sobre quem ele deveria contactar dentro da Fifa para fechar o acordo. "Entre com contato com Thierry (Weil). Diga que você explicará a ele as novas condições de um acordo com a Fifa", escreveu. "No dia 4 de novembro de 2013, Sébastien Valcke enviou um e-mail a seu pai para dizer que a Fifa havia respondido positivamente e que pediria que Weil enviasse o contrato de serviço FIFA-EON para ser assinado", relata o documento.

Dez dias depois, Valcke enviaria outro e-mail a Weil perguntando se ele iria finalizar o acordo com seu filho. "Weil imediatamente respondeu que a Fifa enviaria o acordo no mesmo dia", indicou o documento, que aponta que o pai ainda enviaria a informação a seu filho.

Em 16 de janeiro de 2014, EON e a Fifa assinaram um acordo de serviços e, no dia 13 de fevereiro de 2014, a Fifa pagou para a EON US$ 709 mil, exatamente o valor da comissão do filho de Valcke. O caso ainda revela como Valcke agiu nos bastidores para garantir ingressos no mercado negro e ainda fez a Fifa gastar mais de US$ 11 milhões (R$ 44,8 milhões) em jatos privados em três anos para suas viagens e de sua família. As viagens incluíram destinos como o Taj Mahal, na Índia, e encontros com o emir do Catar.

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MALA

Os documentos ainda tratam do escândalo revelado pelo Estado sobre a venda de entradas para a Copa de 2014, no Brasil. Valcke teria fechado um entendimento com o empresário Benny Alon, responsável por vendas de ingressos. Pelo acordo, Valcke ficaria com US$ 2 milhões, metade do faturamento que Alon conseguiria ao colocar entradas no mercado negro e com a autorização da Fifa.  De acordo com depoimentos ao Ministério Público da Suíça, Alon indicou que se reuniu com Valcke e que houve um acordo sobre quais jogos do Mundial seriam alvos da venda paralela. O empresário ficaria com 50% da renda e o restante iria ao ex-cartola. “Eu o sugeri nos dar todos os jogos do Brasil”, contou Alon, que também pediu outras partidas totalizando mais de 8 mil entradas no mercado negro. “Em troca, Valcke negociou para si mesmo 50% de participação na renda das entradas para doze jogos”, disse. Valcke admitiu que a proposta lhe foi apresentada. Mas garante que “jamais a aceitou”.  No dia 3 de abril de 2013, Valcke e Alon trocaram mensagem sobre um encontro em Zurique quando o dinheiro seria entregue ao francês. Por conta de outros compromissos, a reunião jamais conseguiu ser realizada. Mas o empresário enviou ao ex-cartola uma foto da mala onde estariam US$ 500 mil como um adiantamento.  A mala escolhida vinha com uma imagem de uma Ferrari, carro de Valcke, e uma bandeira da França, país do dirigente. Para falar do dinheiro, a palavra usada era “documento”.  “Coloque-os em algum lugar. Numa eventual corrida para a presidência, eu não os posso olhar até que tome uma decisão sobre meu futuro”, escreveu Valcke. Alon responderia: “ele vai crescer à medida que chegarmos perto dos jogos”. O dinheiro jamais seria entregue e o entendimento foi cancelado depois de vários meses. Valcke alegou diante da corte que não entendia a palavra “documentos” como dinheiro, mas sim como evidências de um acordo secreto que envolvia ainda a Copa de 2006. Naquela ocasião, Alon teria ameaçado a Fifa com um escândalo se ele não fosse aceito num novo entendimento para a venda de entradas. Seu silêncio foi comprado com um novo contrato.  O CAS afirmou não ter ficado convencido da versão de Valcke, principalmente por conta dos termos usados nos emails. Num deles, Valcke diz que os “documentos são minha aposentadoria”. Noutro, o empresário indicava que, quanto mais se aproximava da Copa, “maior” seriam os “documentos”, numa alusão ao dinheiro gerado. Para completar, o próprio Alon escreve que aquilo renderia mais que a Bolsa de Nova Iorque. 

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