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Futebol, seus bastidores e outras histórias

Opinião|Chute na nuca do juiz é mais um passo em direção ao fundo do poço no futebol

Jogador William Ribeiro agride covardemente juiz Rodrigo Crivellaro na partida entre Guarani e São Paulo na divisão de acesso no Rio Grande do Sul; árbitro vai para o hospital e atleta para a cadeia

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Foto do author Robson Morelli
Atualização:

O chute na nuca do árbitro Rodrigo Crivellaro abre espaço para uma discussão nova no futebol brasileiro: o limite. Não é de hoje que os envolvidos nesse esporte avançam sinais proibitivos na sociedade, como chutar a cabeça de uma autoridade. O juiz era a autoridade máxima naquele jogo do Guarani com o São Paulo, da divisão de acesso do futebol do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, foi covardemente agredido quando estava caído no chão. Ele deixou o hospital na manhã desta terça, com proteção cervical.

A cultura popular de que se pode tudo dentro de um estádio de futebol é uma praga na modalidade. Tudo é permitido. Parece não haver regras, mas elas existem e são desrespeitadas por todos. Há exato um mês, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) invadiu um Brasil e Argentina, pelas Eliminatórias, para mostrar que regras existem e elas devem ser cumpridas. Desta vez foi um jogador chamado William Ribeiro, que a vida quis lhe dar a sorte de ser jogador de futebol, a cometer um ato insano dentro de campo.

Árbitro foi agredido com chute na cabeça durante jogo da Divisão de Acesso do Campeonato Gaúcho Foto: FGF TV/Reprodução

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Ele está preso, deve ser acusado de tentativa de homicídio e, se condenado, poderá ficar preso de 12 a 30 anos. Acusação pode ser desqualificada e o atleta cair na lei que fala em lesão corporal, com pena menor, de 2 a 8 anos. Ou dar em nada. O clube rompeu seu contrato e ele foi preso em flagrante. Independentemente disso, que não é pouca coisa, é preciso que se as pessoas de bem e de poder levantem suas vozes para esse tipo de conduta, não somente no caso do referido jogador, mas de todos que se comportam mal no futebol. Há muita frouxidão em tudo que diz respeito à punição no futebol. Tudo parece virar pena em dinheiro ou cesta básica. Não dá mais. As pessoas de bem ficam horrorizadas.

Por isso que o futebol é tão desrespeitado. Por isso que grandes empresas ficam com os pés atrás para investir. Por isso que nada muda há 100 anos na modalidade. Não há vontade por parte de ninguém de mudar esse cenário e muitas coisas erradas são empurradas para debaixo do tapete. Tudo no futebol se resume a ganhar ou perder partidas, ganhar ou perder campeonatos. Todas as avaliações nos clubes são feitas com essa visão míope. As entidades esportivas se apegam também às festas das conquistas para afirmar que a referida disputa foi um 'sucesso'. 

Faz tempo que o futebol não é um sucesso em todas as suas áreas e segmentos. O futebol se salva por um único motivo: a paixão da torcida. Os negócios, como todos sabem, não estão bem. Os clubes passam o pires e só fazem crescer suas dívidas. Dentro de campo, apesar de melhoras pontuais, o futebol esteve num limbo por muito tempo. As torcidas deixam a desejar e se puder atrapalhar, atrapalham. Os dirigentes são omissões. A CBF é omissão. As federações não sabem o que fazer. E agora tem jogador chutando cabeça de juiz. Onde isso vai parar. Vai chegar a hora em que jogador entrará em campo armado.

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A agressão é somente mais um passo para o fundo do poço, se é que se pode pensar em descer mais. Prender o jogador é um bom primeiro passo. Mas não pode ficar nisso. É preciso se valer do episódio para avançar na educação de todos no futebol, do atleta ao bilheteiro, do treinador ao dirigente, do torcedor da casa ao torcedor rival. Em São Paulo, com a volta da torcida, os clássicos continuam com apenas uma bandeira, a do mandante. Essa foi a solução encontrada há anos para evitar confusão e brigas.

É preciso repensar tudo. Há dirigentes afastados por assédio, outros por corrupção, outros ainda que deixam os clubes com dívidas impagáveis. É preciso ter gente mais inteligente no futebol, mais gentileza entre as partes, mais educação, mais entendimento e mais empatia. Ter ainda mais responsabilidade e honestidade. E menos violência. Enquanto isso não mudar, enquanto o futebol continuar andando nos seus velhos trilhos, tudo vai ficar com está. E novos Williams Ribeiro vão aparecer chutando tudo e todos.

Opinião por Robson Morelli

Editor geral de Esportes e comentarista da Rádio Eldorado

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