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Clubes e técnicos usam ‘comum acordo’ para driblar regra que limita troca no Brasileirão

Norma adotada para coibir a frenética mudança de treinadores no Brasil tem sido pouco efetiva. Apenas sete times da elite não mudaram seu comandante durante a competição

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Por Ricardo Magatti
Atualização:

A regra implementada no Brasileirão deste ano com o objetivo de dar fim à “dança das cadeiras” dos técnicos no futebol brasileiro tem sido pouco efetiva. A norma, que, na teoria, limita a troca de treinadores nas Séries A e B, tem sido driblada por clubes e técnicos. As duas partes encontraram um jeito de escapar do mecanismo ao optarem pela rescisão do contrato “de comum acordo”. 

O último exemplo foi Eduardo Barroca, que deixou o Atlético-GO em “comum acordo” e pode trabalhar ainda em mais dois clubes. E o clube goiano continua zerado na conta da CBF. Em outros casos, Grêmio e Sport usaram o acordo mútuo para anunciar as saídas de Tiago Nunes e Umberto Louzer, respectivamente.

Jair Ventura não escapou do massacre de técnicos na Série A. A Chapecoense o dispensou após 14 jogos e nenhuma vitória no Brasileirão. Foto: Márcio Cunha/Chapecoense

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Quando a proposta que pretende - ou pretendia - coibir a frenética mudança de técnicos foi aprovada, em março deste ano, a CBF, por meio do então presidente Rogério Caboclo, hoje afastado do cargo em virtude de denúncias de assédio moral e sexual, comemorou e afirmou, na ocasião, que o mecanismo representaria um “grande avanço do futebol brasileiro” por “implicar em uma relação mais madura e profissional e permitir trabalhos mais longos e consistentes”. Procurada pelo Estadão, a CBF disse que não irá se manifestar sobre o tema.

O artigo 32 do Campeonato Brasileiro diz o seguinte: “Somente será permitida uma demissão de treinador sem justa causa, por iniciativa do clube, durante o campeonato. Caso o clube demita um segundo treinador sem justa causa após ter demitido o primeiro nessa mesma condição, deverá necessariamente utilizar um treinador registrado há pelo menos seis meses no clube”.

Em suma, uma equipe só pode ter dois técnicos durante a competição, ou seja, pode demitir apenas uma vez. Caso o profissional peça demissão não é contabilizado. No entanto, há uma ponta solta na regra que diz respeito ao acordo mútuo de rescisão do vínculo. As duas partes podem simular uma ruptura consensualmente sem que a troca seja contabilizada dentro do limite.

“Eventual pedido de demissão por parte do treinador, demissão por justa causa por iniciativa do clube ou rescisão por mútuo acordo não serão computados para os efeitos deste artigo”, complementa a diretriz da CBF. E é dessa brecha que estão se valendo clubes e técnicos. As equipes anunciam que a decisão foi supostamente tomada em conjunto e, nesse caso, a modificação não entra na conta.

“É a prova que esse tipo de medida, de imposição, não resolve o problema porque se acha uma forma de ter a mesma prática com a condução diferente”, critica Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, em entrevista ao Estadão. O clube cearense é um dos que não trocou de técnico na Série A, embora tenha demitido Enderson Moreira e contratado o argentino Juan Pablo Vojvoda pouco antes do início do torneio.

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'Quando um treinador permite isso, ele está sendo individualista', avalia Vagner Mancini. Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Na prática, as trocas continuam ocorrendo com intensidade. Na elite, foram 12 mudanças de comando durante as 19 rodadas do primeiro turno. O número atual, até a 22ª rodada, é de 13 trocas, sendo Barroca, ao deixar o Atlético-GO, o último a perder o cargo por ora.

O número é maior que o de 2019, quando houve dez mudanças de comando no primeiro turno, de um total de 24 em todo o torneio. Em 2018, foram 19 saídas. No ano passado, 15 técnicos foram substituídos em seus clubes nas primeiras 19 rodadas. O mecanismo, portanto, não tem sido efetivo como o esperado.

“Está sendo menos efetivo porque alguns profissionais se corrompem por entender que esse “comum acordo” é uma vantagem e não uma perda. Quem burla está, na verdade, indo contra o amadurecimento de conceitos importantes para o crescimento do futebol brasileiro. Quando um treinador permite isso, ele está sendo individualista. Não pensa no coletivo, na categoria de treinadores que luta por condições mais justas no mercado de trabalho”, opina Vagner Mancini. O treinador foi demitido do Corinthians após derrota na semifinal do Paulista para o Palmeiras em maio, às vésperas do início do Brasileirão. No mês seguinte, assumiu o América-MG para substituir Lisca, que havia pedido demissão.

Jair Ventura não escapou do massacre de técnicos na Série A. A Chapecoense o dispensou após 14 jogos e nenhuma vitória no Brasileirão. Ficou somente dois meses em Chapecó. “Tive a possibilidade de sair em comum acordo da Chapecoense e não aceitei”, relata.

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“Mas pode acontecer. Vemos companheiros fazendo. Podem ter momentos também em que os treinadores entendem que os atletas não assimilam suas ideias”, pondera o técnico, hoje sem clube. Ele é favorável ao novo regulamento adotado nesta temporada, embora reconheça que apresenta falhas e brechas. 

“Estamos no primeiro ano da regra. Pode haver coisas a ajustar. Como o VAR, isso precisa ser melhorado”, pontua. “Quando há a limitação da troca de técnico, há mais tempo para ele trabalhar e mais tempo para os jogadores assimilarem as ideias”.

Presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol (FBTF), Zé Mário Barros é contrário aos técnicos aceitarem “um comum acordo fajuto”, como definiu. “Brigamos por anos para diminuir as demissões injustificadas e agora não fica bem nós mesmos aceitarmos burlar a regra”, justifica. Sua sugestão é colocar uma nova regra que impede o treinador de trabalhar durante um ano se ele sair de um clube em acordo consensual.

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Para Mancini, as alternativas para diminuir a alta rotatividade de treinadores no Brasil passam pela qualificação e capacitação dos dirigentes, um bom controle mental para lidar com as cobranças, especialmente nas redes sociais, e o pagamento de uma indenização aos técnicos demitidos que faria com que o “Brasil se aproximasse dos centros mais avançados”. 

“Hoje alguns clubes contratam um treinador e estão devendo para os últimos cinco. Um desrespeito!”, argumenta o comandante do América-MG. Ele diz ser difícil lidar com as cobranças no ambiente virtual, “muitas vezes agressivas”, e entende que “as diretorias sucumbem a essa pressão”.

Abel Ferreira: português que comanda o Palmeiras está no cargo há 11 meses. Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras

REMANESCENTES

Dos 20 clubes da Série A, somente sete não mudaram seu comandante durante a competição: Atlético-MG (Cuca), Corinthians (Sylvinho), Juventude (Marquinhos Santos), Fortaleza (Juan Pablo Vojvoda), Palmeiras (Abel Ferreira), Red Bull Bragantino (Maurício Barbieri) e São Paulo (Hernán Crespo). Coincidência ou não, deste grupo de sete times, cinco disputam as primeiras posições na tabela de classificação. 

O treinador mais longevo da elite é Maurício Barbieri. Em setembro, ele completou um ano à frente do Bragantino, que conduziu à final inédita da Copa Sul-Americana. Na sequência vem Abel Ferreira. O português que comanda o Palmeiras está no cargo há 11 meses, já ganhou dois títulos no clube paulista e buscará no dia 27 de novembro mais uma taça da Libertadores.