Garrincha era o homem de uma jogada só. Mortal, mas uma só. Duvidavam que ele pudesse fazer outra coisa além de entortar seu marcador e mandar para a área, sempre pela direita. Lembrei-me de uma história que contavam dos pianistas de jazz Art Tatum e Bud Powell. Tatum era um virtuose do piano. Pianista de teclado inteiro. Powell, um dos inventores do bebop, tocava um piano mais linear, de longas frases com a mão direita. E Tatum espalhou que Powell não tinha a mão esquerda. Uma noite, no Birdland de Nova York, Powell ficou sabendo que Tatum estava na plateia e tocou o tempo inteiro só com a mão esquerda. No Chile, em 62, Garrincha fez coisa parecida. Jogou pelo meio, fez gol de falta, fez até gol de cabeça, talvez o único em toda a sua vida, e só não jogou mesmo pela direita.
O time brasileiro de 1962 era melhor do que o time que joga hoje com o Chile? Essas comparações são sempre enganosas. O futebol era outro. Jogadores como Nilton Santos e o próprio Garrincha certamente estariam na seleção hoje, mas outros talvez não aguentassem as exigências físicas de agora. De qualquer maneira, é bom imaginar que alguém se multiplicará em campo hoje, como fez o Garrincha em 62. Pode ser o Neymar ou pode ser uma surpresa para todo o mundo, como também foi o Garrincha.
Onde é que eu estava quando o Brasil eliminou o Chile em 1962? No apartamento de uma tia, no Leme (de passagem pelo Rio, a caminho de Londres, onde estudaria cinema, me tornaria um diretor de sucesso e enriqueceria), ouvindo os jogos pelo rádio. É, isso também mudou. Não tinha transmissão pela TV e eu tinha menos de 26 anos.
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