Como será o 'novo futebol brasileiro' pós-pandemia?

Médicos e psicólogo projetam como os jogadores irão se adaptar para voltar aos estádios sem riscos de contaminação e preservando seus amigos e familiares

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Por Daniel Batista
5 min de leitura

A partir de julho, ou antes até, como no Estado do Rio de Janeiro, a bola deve voltar a rolar nos campos de futebol brasileiro. O desafio será entender e aceitar que máscaras, álcool em gel e luvas (além das de goleiro) serão tão corriqueiros quanto uniformes, bola e gols. É o novo futebol pós-pandemia. Estamos distantes ainda de afastar o novo coronavírus do País, por isso que á dúvida é saber como será o futebol que deve se perpetuar por um longo tempo ainda - não há previsão de cura nem de vacina para a doença nesta temporada.

O Estadão ouviu médicos e psicólogo do esporte para entender o que será do futebol brasileiro daqui em diante. Dois pontos foram unânimes: a necessidade de uma reorganização para a realização de jogos com torcedores e também o fato de ser preciso paciência para voltar ao que era "antes" do surgimento do novo coronavírus.

De máscara, jogador do Grêmio higieniza aparelho de musculação no CT do clube Foto: Lucas Uebel/Grêmio

Usar máscara se tornará algo comum no esporte, apesar das restrições durante os jogos. Nos estádios, elas serão apetrechos obrigatórios. "A retomada deve ser lenta e gradual. Treinos com grupos menores. O ideal seria que os atletas usassem máscara até mesmo durante os jogos, mas sabemos que isso é muito difícil", disse o infectologista Jean Gorinchteyn, que trabalha no hospital Emílio Ribas e no hospital Albert Einstein. "Além da troca constantes, porque a máscara ficaria úmida muito rapidamente, isso poderia impactar no rendimento do jogador, quanto à sua respiração", completou. 

Divididas, carrinhos e até comemoração de gols são lances em que há contatos inevitáveis. Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, destaca a importância de os clubes saberem quais atletas já foram contaminados. Embora não há 100% de certeza de que esses estarão imunes, quem já contraiu a covid-19 possui anticorpos contra a doença, pelo menos por enquanto. Pesquisa diz que 90% dessas pessoas produziram defesas naturais no organismo. 

"A primeira coisa para voltar o futebol é conhecer a situação da equipe. Quem está imune e quem deverá ser monitorado constantemente", explicou o médico, que destacou ainda: "Mas isso há custos".

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A primeira coisa para voltar o futebol é conhecer a situação da equipe. Quem está imune e quem deverá ser monitorado constantemente

Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

Os desencontros de informações e até as fake news são pontos que ajudam a criar a preocupação e o clima de terror entre os jogadores. "Enquanto não tiver uma organização, o futebol vai abrir um leque de incertezas em todos os envolvidos. Com o tempo, as pessoas vão começando a relaxar e voltam ao que era antes. É preciso uma normativa para auxiliar e preparar atletas e clubes para a volta", alertou Luiz Eduardo D'Almeida Manfrinati, psicólogo do Sindicato dos Atletas de São Paulo.

Decisão em campo e medo fora dele

Muitos Estaduais voltarão em uma fase decisiva. No Paulistão, por exemplo, serão disputadas mais duas rodadas classificatórias e depois começa o mata-mata. E como preparar a cabeça de um jogador para o clima de decisão em meio a pandemia e depois de ficar mais de três meses sem jogar? "É complicado. Um levantamento feito por algumas faculdades mostram que a questão familiar é algo fundamental para muitos jogadores. Há o medo de infectar alguém em casa e, em razão disso, é preciso haver uma psicoeducação para os atletas se sentirem confiantes em voltar a treinar e jogar e saber que precisam estar bem para seguir adiante nas competições", explicou o psicólogo.

Há o medo de infectar alguém em casa e, em razão disso, é preciso haver uma psicoeducação para os atletas se sentirem confiantes em voltar a treinar

Luiz Eduardo D'Almeida Manfrinati, psicólogo do Sindicato dos Atletas de São Paulo

O fato é que a partir de agora, o normal será algo diferente do "normal de antes". Tanto que há uma intenção da Federação Paulista de concentrar todos os times em um local específico para a disputa do Paulistão o mais rapidamente possível. Como uma Copa do Mundo. A ideia não conta com apoio dos médicos e psicólogo.

Exames e maior atenção com higiene serãocada dia mais comum Foto: Divulgação/Gremio.net

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"É preciso seguir o protocolo em todos os jogos e ter muita disciplina. Além disso, para não correr o risco de levar doença para casa, o jogador deveria ficar 14 dias isolado após a última partida do time", disse Eliseu. Para médico Jean, a medida até pode ser adotada, mas não neste momento e será preciso uma avaliação regional. "Os números ainda não nos favorecem. Em algumas regiões, os números parecem um pouco mais estabilizados, mas é preciso muito cuidado ainda".

Os números ainda não nos favorecem. Em algumas regiões, os números parecem um pouco mais estabilizados, mas é preciso muito cuidado ainda

Jean Gorinchteyn, infectologista do hospital Emílio Ribas e do Albert Einstein

Luís Eduardo alerta para o fato de alguns atletas poderem reagir de forma negativa com a possibilidade deste confinamento. "É uma decisão controversa e polêmica. Há jogadores que podem ficar entediados, outros que ficarão tensos por não estar perto da família neste momento em que ainda não estamos 100% seguros. Enquanto não tivermos um sistema de saúde que permita ter um respaldo caso aconteça algo, ficará complicado."

O psicólogo tem atendido vários jogadores nas últimas semanas. A maioria dos casos é de ansiedade, depressão de humor e incerteza sobre o futuro. "Esperamos que os atletas possam ver essa reportagem e saber que podem procurar o Sindicato, que temos como ajudá-los", destacou Luís Eduardo.