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Curso exigente, psicologia e formação tática: por que Portugal revela tantos técnicos

País tem 12 mil treinadores licenciados e vira a febre do momento entre os times brasileiros

Por Ciro Campos
Atualização:

O técnico português Jesualdo Ferreira desembarcou nesta terça-feira no Brasil para assumir o comando do Santos cercado de expectativa e carregado também de uma responsabilidade. Aos 73 anos, ele terá a missão de tentar igualar o sucesso do compatriota Jorge Jesus no Flamengo e conseguir representar o país que mais revela técnicos no mundo. Em 2019, treinadores portugueses conquistaram títulos nacionais em outros 11 países, mas em nenhuma das principais ligas europeias.

O sucesso de Jorge Jesus, o renome de José Mourinho, do Tottenham, e as buscas de Santos, Avaí (Augusto Inácio) e Red Bull Bragantino (Carlos Carvalhal) por portugueses têm uma explicação em comum. O país europeu se especializou em formar treinadores principalmente por criar há mais de 30 anos um curso de formação na área. 

Jesualdo Ferreira desembarca no Brasil para assumir o Santos Foto: Ivan Storti/Santos FC

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Portugal tem hoje em dia dois técnicos na elite inglesa, cinco treinadores que participaram da fase de grupos da atual Liga dos Campeões. Atualmente cerca de 2 mil profissionais têm as licenças obtidas em Portugal em algum dos quatro diferentes níveis, do básico ao de elite.

Para o presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol do país (ANTF), José Pereira, o curso local tem como legado mostrar aos alunos a importância de dar treinos que consigam misturar a parte tática, técnica, física e psicológica. 

Em um mesmo trabalho, o jogador deve aprimorar os esses fundamentos de forma integrada. "O técnico deve trabalhar em bloco, com um agregado de vertentes. A vantagem dos portugueses é a profissionalização da ideia de jogo. O técnico não se limita a copiar os exercícios dos outros, mas cria os próprios métodos", afirmou ao Estado.

Presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol de Portugal (ANTF), José Pereira, explica a formação dos treinadores no país

O estudo não é garantia de sucesso ou de currículo. Recentemente nomes como Paulo Bento e Sérgio Vieira fracassaram no Brasil. Nesta temporada, o português Marco Silva foi demitido no Everton. Mesmo os recém-contratados Jesualdo Ferreira e Augusto Inácio conquistaram poucos títulos de expressão nos últimos anos.

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O futebol português começou a se transformar em um celeiro de treinadores em 1975. Na época foi criada em Lisboa a primeira especialização em futebol voltada para graduados em Educação Física. O curso atraiu tantos interessados que depois foi estabelecido um novo parâmetro para frear o excesso de treinadores certificados.

Nos últimos 30 anos, o curso organizado pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pela ANTF obteve sucesso a ponto de parte do currículo ser utilizado como referência pela Uefa para aplicação em outros países. Enquanto no Brasil o treinador interessado na licença da CBF precisa participar de cursos no Rio, em Portugal é possível se matricular em alguma das 11 unidades espalhadas pelo país.

O caminho rumo ao diploma principal é longo. Treinadores como Jesus, Mourinho e Jesualdo possuem a licença mais alta, do quarto grau. O iniciante deve primeiro pagar cerca de R$ 4 mil para realizar o curso de grau 1 e só poderá se inscrever no nível seguinte se cumprir um ano de aulas, seguido de outros períodos comprovados de observação e de experiência prática em clubes. Só pode dirigir na elite portuguesa quem tiver os certificados mais altos.

Antigo aluno dessa escola, o treinador português Paulo Duarte trabalhou no União de Leiria como assistente de Jorge Jesus e foi comandado por José Mourinho. Duarte afirma que os profissionais do país têm como diferencial o estudo constante e a vontade de aprender novos idiomas.

"Os técnicos brasileiros também têm capacidade. Mas sinto que o Brasil adormeceu um pouco pelo sucesso. Os treinadores portugueses tiveram o êxito de acompanhar a evolução do futebol e ver continuamente quais são os novos métodos de trabalho", disse Duarte, atual treinador da seleção de Burkina Faso.

BRASILEIRO TÉCNICO EM PORTUGAL

Se o Brasil vive uma grande invasão portuguesa de técnicos, a recíproca não é verdadeira. O carioca Armando Santos é o único representante do País na atual temporada do futebol em Portugal.

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Armando Santos é técnico do Mirandela, de Portugal Foto: Armando Santos/Arquivo Pessoal

O treinador do Mirandela, da terceira divisão nacional, quer realizar o terceiro grau do curso, que permite ao profissional dirigir na segunda divisão local. "Em Portugal se preza a tática e o profissionalismo. No Brasil, boa parte dos técnicos são 'boleiros' e se valoriza mais a parte individual. Aqui você precisa estudar e ter formação, ou não vai ter espaço", comparou.

Ex-goleiro, Santos está em Portugal há 14 anos e explica que um dos aspectos mais interessantes do curso é a ênfase na psicologia. "O treinador tem de cativar o desejo dos jogadores. A tática não vai funcionar se o time não mantiver o equilíbrio emocional", contou.

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