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Desejos

Gostaria de ver um gol, só um golzinho, mas belo, daqueles que não se esquecem jamais

Por Ugo Giorgetti
Atualização:

O momento do ano é de desejos. Desejo de que certas coisas aconteçam em 2019 e de que certas coisas não aconteçam. Como o ambiente é de perplexidade geral, é muito difícil elencar desejos. No futebol, eu gostaria de ver contemplados alguns sonhos.

Gostaria de ver jogadores se limitando ao que é do jogo quando fazem declarações nos intervalos e finais de partidas. Por exemplo, quando fazem um gol gostaria de ouvir: “Agradeço em primeiro lugar ao companheiro que me enfiou aquela bola que me deixou na cara do gol. Ele me honrou com um passe perfeito fruto de sua habilidade em jogar bola”. Não seria bonito ver um jogador agradecer alguma coisa terrena, ou mesmo seu próprio esforço e dedicação ao time?

Ugo Giorgetti. Foto: Paulo Liebert/Estadão

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Gostaria também que os jogadores fossem mais criativos quando inventam desculpas para a derrota. É comum ouvir nas declarações algo que não vimos durante o jogo inteiro. “Jogamos de igual para igual”, quando é obvio que nunca jogaram de igual para igual. “Não soubemos aproveitar as oportunidades”, quando não criaram oportunidade alguma, ou “tomamos o gol por um descuido”, quando na verdade tomaram o gol não por descuido, mas por incompetência pura e simples.

Gostaria muito de não ver treinadores depois do jogo começarem uma entrevista dizendo que não falam da atuação dos árbitros para logo depois desfilarem um rosário de erros dos juízes, imaginários ou reais, a que atribuem a derrota. Aliás, uma das coisas que mais gostaria é de ver treinadores brasileiros sem medo dos argentinos, respeitando, mas não temendo os times do Rio da Prata.

É mais do que comum irmos a Buenos Aires aterrorizados pelos fatores “campo e torcida” que já não fazem qualquer efeito nos jogos desde que as partidas passaram a ser televisionadas para todos os lugares. Não conseguimos nos livrar de uma espécie de complexo de inferioridade em relação aos times argentinos. Inventamos fantasmas onde não existem. Nos colocamos sempre como inferiores, e não falo só do futebol. Nos consideramos incomparavelmente inferiores em literatura, em teatro, em cinema. Em vez de considerar que essas atividades vivem, lá e cá, de momentos históricos excepcionais, damos como definido que somos essencialmente inferiores. Talvez um pequeno componente de provincianismo e sensação de inferioridade racial se esconda por trás de tudo. Não por outra, eles são brancos e “europeus”.

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Enfim, gostaria muito de, no próximo ano, conhecer um juiz que enquadrasse imediatamente jogadores que o cercam por qualquer motivo, apontando o dedo na sua cara, tentando se livrar de responsabilidades, jogando-o miseravelmente a torcida. Tentam fazer passar como sendo do juiz falhas que, muitas vezes, são apenas deles mesmos. Queria ver redivivos só por alguns instantes um Mário Vianna, um Armando Marques, um Dulcídio Wanderley Boschilia, que, polêmicos e autoritários como eram considerados, sabiam que eram protagonistas do jogo e não meros figurantes. É incrível o que os jogadores fazem com os juízes, se amontoando ao seu redor em gestos quase coreografados, se jogando no chão com as mãos na cabeça, sabendo que as câmeras estão sobre eles. Sobre eles, jogadores e, infelizmente, sobre eles juízes, que colaboram com a palhaçada que os atinge. São pacientes, afagam os jogadores, dialogam com treinadores à beira do campo, são subalternos no espetáculo. E depois se exige deles que não errem.

E, por fim, pediria apenas um gol, só um golzinho, mas belo, daqueles que não se esquecem jamais, que não resultasse de bolas paradas que batem nas costas, no pescoço, no nariz. Apenas um gol, dos verdadeiros, dos que ficamos por semanas olhando maravilhados a repetição em todos os noticiários da TV. É pedir muito?

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