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Diego Maradona, o Garrincha argentino

Por Agencia Estado
Atualização:

A Argentina é um país que fabrica em quase todas as décadas um novo mito social. O cantor de tangos Carlos Gardel, a ?mãe dos pobres?? Evita Perón e o líder guerrilheiro Ernesto ?Che?? Guevara são alguns dos exemplos. O último da série é o polêmico Diego Armando Maradona, que nas últimas três semanas caminha entre a vida e a morte. Para os fãs, Maradona é uma semidivindade, ?o representante de Deus no campo de futebol??. Para os pobres é um mendigo que tornou-se príncipe. Para a esquerda, o rebelde social. Os jovens o vêem como um transgressor. Maradona tornou-se um mito para si mesmo. Ele refere-se a si próprio em terceira pessoa. Para tentar destrinchar o que Maradona significa para os corações e mentes dos argentinos, a Agência Estado conversou com o antropólogo Eduardo Archetti. Professor da Universidade de Oslo, Noruega, Archetti é um argentino que leciona na Europa há várias décadas e que escreveu diversos livros sobre as paixões dos argentinos, como o tango, o churrasco, o jogo de pólo e o futebol. Agência Estado ? Maradona pode ser definido como um mito unânime para os argentinos? Eduardo Archetti ? Os grande mitos que os argentinos possuem são controvertidos, e Maradona não foge à regra. A sociedade argentina é hierarquizada, com valores muito burgueses e forte influência da Igreja Católica. Há uma série de mitos que estão fora do catolicismo oficial. Esses mitos entram no ?panteão??do catolicismo plebeu. AE - Maradona pode virar santo milagreiro? Se morrer na Argentina... Archetti (interrompendo) ? Com certeza se morrer no país, seu lugar de falecimento virará lugar de peregrinação. Além disso, temos que lembrar que ele já tem a própria seita, a ?Igreja Maradoniana??. Minha impressão é que não é somente um grupo de pessoas que fazem ritos por piada...acho que é algo a sério. AE ? Os mitos argentinos são plebeus? Archetti ? Sempre! E é um paradoxo, já que a Argentina tenta sempre passar a imagem de um país europeizado. Mas estes mitos nos mostram que existe uma outra Argentina lá no fundo. O único mito que tem a unanimidade em todas as classes sociais é Juan Manuel Fangio (o pentacampeão de Fórmula 1). Ele era filho de pequenos fazendeiros. A Argentina é um país onde a burguesia não gerou heróis nacionais. É o contrário do Brasil, onde a burguesia proporcionou o fenômeno de Ayrton Senna. AE - Muitos analistas comparam Maradona a Pelé, porque ambos tiveram origem na classe baixa e cresceram... Archetti ? Considero que Maradona é mais parecido ao Garrincha, o último grande jogador da classe baixa brasileira que vai direto da fábrica para tornar-se um grande profissional. AE - Quais são os outros pontos divergentes entre os dois mitos? Archetti ? O jogo de Pelé era potenciado por outros jogadores brilhantes, como Coutinho e Tostão. Maradona é um ?gambeteador?? (driblador), um solista, como Garrincha, que enfrentava todos. Os heróis estão sozinhos contra o mundo... AE - Maradona seria um retrato do individualismo argentino? Archetti ? Maradona é muito solidário com seus colegas. Dribles à parte, ele era um estratego, que fazia jogadas para que seus colegas jogassem. Ele tem um instinto de classe muito forte, que Pelé não tem. Maradona sempre será um ?cabecita negra?? (denominação pejorativa para os habitantes dos bairros pobres de origem hispano-indígena). A Argentina é um país excessivamente cruel. AE ? Maradona se considera uma espécie de representante de Deus na terra? Archetti ? Uma vez o vi tentando explicar que seu talento era um presente divino. Ele perguntava a si próprio como podia ser que tivesse esse talento. ?Deus me escolheu??, disse. E por isso criou essa expressão de ?A mão de Deus??. AE - Qual é seu feeling sobre o futuro de Maradona? Archetti ? Todos os esforços feitos para tratá-lo de sua dependência das drogas fracassaram, e portanto não há garantia de sucesso no futuro. O pior inimigo de Maradona é ele mesmo.

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