Publicidade

Dois anos depois, Brasil ainda não colabora com FBI na investigação sobre cartolas

País está impedido pela Justiça de trocar com os Estados Unidos informações sobre Marin, Teixeira e Del Nero

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade e correspondente em Genebra
Atualização:

Dois anos depois da deflagração da maior operação contra a corrupção no futebol e que colocou a CBF no centro de um escândalo, o Brasil ainda não pode cooperar com a Justiça dos EUA na troca de dados sobre os suspeitos. O Estado apurou que um recurso foi apresentado impedindo que o Ministério Público Federal repasse aos americanos informações solicitadas sobre dirigentes como José Maria Marin, Marco Polo del Nero e Ricardo Teixeira. 

No próximo dia 27, o caso que abalou o futebol mundial completa dois anos. Dos mais de 40 dirigentes e empresários indiciados pelo desvio de mais de US$ 200 milhões, apenas cinco dos que estão detidos se recusam a admitir culpa, entre eles José Maria Marin, o ex-presidente da CBF. 

Marco Polo Del Nero, presidente da CBF Foto: Fabio Motta|Estadão

PUBLICIDADE

Nesse período, os investigadores americanos fecharam acordos de cooperação com quase uma dezena de governos pelo mundo, inclusive diversos latino-americanos. 

Mas, conforme a reportagem revelou com exclusividade em 2015, uma decisão judicial no Brasil impediu a cooperação com os EUA, o que freou iniciativas do MP no País de confiscar recursos ou o envio aos norte-americanos de documentos relativos aos três dirigentes. Uma juíza no Rio havia determinado que a troca de informações não poderia ocorrer e que apenas as mais altas instâncias poderiam dar um sinal verde.

Na época, o MP federal entrou com um recurso, alegando que a decisão de um tribunal no Rio de Janeiro feria os tratados internacionais assinados pelo Brasil. Em março, o Superior Tribunal de Justiça deu razão ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot e autorizou a cooperação. 

Mas agora, um novo recurso ainda precisará ser julgado, já que a defesa entrou com um agravo. A iniciativa promete arrastar o caso por mais alguns meses e uma Corte Especial do STJ decidirá. 

Em Brasília, procuradores indicaram que o hiato entre o pedido americano e sua execução pode ter permitido que os recursos, contas e indícios tenham sido destruídos, fechados ou transferidos.

Publicidade

Nos EUA, a apuração sobre Del Nero se debruça sobre pagamentos feitos por José Hawilla, dono da Traffic. A Justiça aponta como o empresário brasileiro foi obrigado a compartilhar um contrato que tinha com a CBF para os direitos da Copa do Brasil com a Klefer a partir de 2011. Para o período entre 2015 e 2022, a Klefer pagaria à CBF R$ 128 milhões pelo torneio, minando a posição privilegiada que Hawilla tinha desde 1989.

Para evitar uma guerra comercial, Hawilla e a Klefer entraram em um entendimento. Mas só neste momento é que a Klefer informou que havia prometido o pagamento de uma propina anual a um cartola da CBF, no caso Ricardo Teixeira.

Essa mesma propina teria de ser elevada a partir de 2012 quando dois outros membros da CBF entrariam em cena. Um deles é José Maria Marin, preso em Zurique e extraditado aos Estados Unidos. O outro, segundo os americanos, seria Del Nero.

Para chegar ao atual presidente da CBF, a Justiça norte-americana tem examinado depósitos e pagamentos feitos pela Traffic nos EUA, assim como pela Klefer.

PUBLICIDADE

Já na motivação para pedir a extradição de José Maria Marin, os norte-americanos apontaram dois depósitos como exemplos de como o sistema financeiro dos EUA estava sendo usado no esquema entre os cartolas da CBF.

Uma das contas, porém, chama a atenção do FBI. Trata-se de uma transferência da Klefer, avaliada em US$ 500 mil no dia 5 de dezembro de 2013 a partir de uma conta no banco Itaú Unibanco de Nova Iorque para o HSBC em Londres, em nome de uma empresa fabricante de iates de luxo. O que a Justiça quer saber é quem teria sido o beneficiado pela compra do iate ou pelo pagamento.

OUTRO FOTO É TEIXEIRA O Estado já havia revelado com exclusividade que o FBI havia identificado contas controladas pelo ex-presidente da CBF em pelo menos três bancos: o UBS, Banca del Gottardo e BSI.

Publicidade

Em apenas duas dessas contas, um total de US$ 800 mil foram transferidos de contas nos EUA para a Suíça, envolvendo a Somerton, empresa controlada pelo também brasileiro José Margulies. Ele é suspeito de agir como testa de ferro para o empresário J. Hawilla e realizar os pagamentos de propinas para dirigentes do futebol mundial. A empresa de fachada de Hawilla, portanto, também teria abastecido as contas suíças de Teixeira.

A suspeita do FBI é de que Teixeira usaria um nome de fachada para não ter sua identidade revelada. Mas aparecia como beneficiário das contas. O "laranja" seria Willy Kraus, dono da Kraus Corretora de Câmbio, no centro do Rio de Janeiro. Para o FBI, Teixeira mantinha o "efetivo controle" sobre essas contas. No documento do FBI, os investigadores apontam que acreditam que Kraus "permitia que Teixeira usasse suas contas como forma de esconder sua verdadeira fonte".