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Estádios de Grêmio e Inter ganham destaque na rivalidade dos clubes

Da Baixada à Arena do Grêmio, passando pelo Olímpico, e do Eucaliptos ao Beira-Rio, times mantêm disputa por protagonismo

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Por Stéfano Mariotto
Atualização:

Grêmio e Inter inauguraram, há pouco tempo, modernos estádios em Porto Alegre. O tricolor gaúcho recebe, desde dezembro de 2012, seus jogos na Arena Grêmio, que tem a missão de substituir o Olímpico. O Inter adequou o Beira-Rio às normas da Fifa - o local foi palco de cinco partidas da Copa. A construção das "casas" dos dois lados é um capítulo à parte nessa história de rivalidade, com peso.

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No começo do século passado, o Grêmio tinha a Baixada, no bairro Moinhos; o Inter constrói o Eucaliptos, maior, sede da Copa de 50. O orgulho azul é ferido. O Tricolor precisava superar o rival, e queria tornar-se popular. Ergue o Estádio Olímpico em 1954, num bairro popular – a Azenha. Com capacidade inicial para 38 mil pessoas – cerca de oito mil a mais que os Eucaliptos. Um ano antes, Lupicínio Rodrigues, artista negro e vinculado às camadas populares, compõe o atual hino tricolor. O Grêmio começava a guinada em direção à popularização do clube – e, agora, o orgulho ferido é o vermelho.

Os colorados queriam erguer outro estádio maior que o do rival. Os gremistas zombavam da intenção vermelha; os colorados acreditavam. Uma grande campanha foi feita, engajando os torcedores na obra, o Gigante da Beira-Rio – um estádio que seria construído sobre um aterro às margens do Rio Guaíba. Até o eterno ídolo colorado Paulo Roberto Falcão foi fotografado vestido de operário, transportando tijolos para a construção. Os torcedores doavam material às pencas. Os vermelhos demoraram dez anos, mas conseguiram: em 1969, inauguraram o gigante às margens do Guaíba, com capacidade de 55 mil pessoas. Era a vez de os azuis se roerem de inveja.

Em 1988, no clássico considerado o mais importante da história, Inter e Grêmio duelaram na semifinal por uma vaga na decisão do Campeonato Brasileiro e também à Copa Libertadores. O Inter, com um jogador a menos desde o primeiro tempo, venceu de virada, num Beira-Rio ainda dividido meio a meio pelas torcidas. Foto: Crédito: Divulgação/Internacional

OS ESQUADRÕES

As décadas passaram, e os times foram se equiparando em vitórias e derrotas. Veio o rolo compressor do Internacional em 1940, que ganhou oito Estaduais em nove anos. Tesourinha era a maior figura desse time. O Grêmio viu que estava ficando para trás, e não deixou por menos. Num movimento iniciado em 1952, passa também a contratar negros, e o primeiro foi justamente Tesourinha. Foi quando o Grêmio contratou negros pela primeira vez de maneira formal, segundo Guazzelli. O site da agremiação não dá uma explicação clara para a questão, afirmando que Tesourinha "foi sim o primeiro atleta negro de destaque na era profissional em 1952", mas que antes dele jogadores negros já brilhavam com a camisa tricolor.

Logo depois da inauguração do Olímpico, o Grêmio passa a dominar o futebol gaúcho. Entre 1956 e 1968, o time tricolor conquistou um penta e um heptacampeonato Estadual. Em 1970, o lateral-esquerdo Everaldo é convocado para a seleção brasileira que seria tri mundial no México – a estrela dourada acima do escudo tricolor representa Everaldo, e não um dos títulos gremistas, como muitos pensam.

A partir de 1969, é o Inter que passa a dominar o Rio Grande do Sul, conquistando o octacampeonato gaúcho, até hoje nunca igualado. Mais que isso, o Inter eleva o patamar do futebol gaúcho no cenário nacional. Com um timaço, com jogadores do quilate de Elias Figueroa, Paulo Roberto Falcão, Valdomiro, Manga e Carpeggiani, o Inter conquistou o Brasileiro pela primeira vez em 1975, o bi no ano seguinte e, em 79, tornou-se campeão invicto – façanha inédita até o reconhecimento dos campeonatos anteriores a 1971 pela CBF. Em 1980, chega à final da Libertadores, mas perde o título para o rival Nacional. Aliás, não se pode esquecer: um quer sempre superar o outro. Um exemplo é o da contratação dos históricos zagueiros Ancheta e Figueroa.

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ANCHETA E FIGUEROA

Em 1970, o uruguaio Atilio Ancheta foi escolhido um dos melhores zagueiros da Copa do Mundo; no ano seguinte, o Grêmio foi buscá-lo no Nacional de Montevidéu. "O Inter tinha de contratar um grande jogador para dar o troco, e o Figueroa estava muito bem no Uruguai...", comenta o próprio Ancheta. Em novembro, o Inter confirma a contratação de Figueroa, vindo do Peñarol de Montevidéu, rival do Nacional de Ancheta. E, em 1974, Figueroa é escolhido o melhor zagueiro da Copa. Assim como Ancheta em 70.

OS MUNDIAIS

Em 1983, de maneira heroica, o Grêmio conquistou uma Libertadores de fazer os colorados se morderem de raiva. Passando pela histórica Batalha de La Plata, contra o Estudiantes argentino, em que entregou uma vitória de 3 a 1 para sair vivo do campo. Passando pelo gigante Peñarol na finalíssima, Olímpico Monumental lotado, um balão da linha de fundo vindo do guri Renato Gaúcho, 20 anos, direto na cabeça de César – da cabeça dele, para afundar as redes. Afundar o rival secador. E, da cabeça do lendário capitão uruguaio Hugo De León, sangue vertendo enquanto a taça tão cobiçada era erguida ao ar – tudo bem, havia sido apenas um choque com o troféu, mas nada mais adequado para aquela disputada final. Dizem os tricolores que só seria mais correto se o sangue fosse azul... mas, enfim, o Grêmio era campeão da América.

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Viria ainda mais. Mais um soco no estômago do torcedor do Inter. Porque o Grêmio fez aquilo que o Inter não conseguira fazer em 80, quando disputara a final do continente contra o Nacional uruguaio, o maior rival do Peñarol derrotado pelo Tricolor. Justamente os times de Ancheta e Figueroa. O Grêmio venceu a América e foi conquistar o mundo. E, em Tóquio, derrubou o alemão Hamburgo numa final daquelas, com um Renato Gaúcho espetacular abrindo o marcador no tempo normal. Empate europeu, prorrogação. E aquele menino, com seus cabelos longos e sua juventude suficiente para tudo, até para conquistar o mundo, enfiou mais um na rede dos alemães. 2 a 1. O título mundial. A glória máxima.

"Nós vínhamos de uma década em que o Inter tinha supremacia não só no estado, como no País - no fim dos anos 70, tinha o melhor time do Brasil. Nós planejamos, então, vencer o Inter, e se consolidar por anos entre os melhores da América. Hoje, se você perguntar para qualquer guri de escola quem foi o primeiro campeão do mundo, eles vão saber. O segundo, não", provoca o atual presidente do Grêmio, Fábio Koff, que também era o mandatário no maior ano da história Tricolor.

Como debochar de um campeão mundial? Era algo quase impossível. Mas o torcedor do Inter teve algo para se gabar nos anos 90. Sim, porque a derrota do rival no Rio Grande do Sul é, muitas vezes, mais comemorada do que as próprias conquistas. E, em 1991, o Grêmio sofreu sua maior derrota: foi rebaixado pela primeira vez para a segunda divisão do futebol nacional. Foi um alento para os de vermelho. Mas breve. Porque logo os de azul voltaram - e vieram com tudo. Bi da Copa do Brasil de 94; bi da América em 95; bi brasileiro em 96; outra Copa do Brasil em 97. Era uma patrola de títulos, enquanto o rival vivia à sombra, comemorando classificações, alguns Gauchões.

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INTER NA PIOR

Fernando Carvalho estava no início de mandato em 2002. Logo no primeiro ano, aquele sofrimento, aquela repetição das últimas décadas. O Inter conseguiu não cair. Mas a gangorra já durava vinte e poucos anos. Como reerguer o clube? "Em 2002, fizemos um planejamento estratégico. Elegemos o adversário em que íamos focar para bater, para ganhar. O que decidimos fazer foi superar o Grêmio", lembra Carvalho. Apostando num forte trabalho nas categorias de base, o clube foi crescendo, pouco a pouco – e o rival, caindo, pouco a pouco.

Primeiro chegou à Copa Sul-Americana, voltando ao cenário internacional. Apanhou duas vezes do Boca Juniors, em 2003 e 2004, mas aprendeu a lição – de quebra, viu o segundo rebaixamento do rival. As coisas começavam a dar certo. Começavam, mas mesmo na segunda divisão, o Grêmio achou um jeito de incomodar. E do jeito mais improvável possível, retornou à primeira divisão numa partida épica contra o Náutico, em Recife, passando por cima de dois pênaltis contrários e com quatro jogadores a menos que o adversário. Era o Imortal que tanto irritava os colorados dando as caras para o mundo novamente.

Numa temporada sensacional, em 2006, o Inter chegou à final da Libertadores sob o deboche tricolor. "Intermunicipal", diziam do coirmão. Afinal, o Inter não jogava o torneio continental havia 13 anos. Mas, em dois jogos históricos contra o São Paulo, Fernandão levantou a América para os colorados. E os gremistas voltaram a sentir que, de fato, tinham um grande rival. No fim do ano, havia o Japão, o Mundial de Clubes da Fifa. E, no caminho, um dos maiores times da década. Não por coincidência, o time do maior jogador nascido na base tricolor – o timaço do Barcelona regido por Ronaldinho Gaúcho.

Os gremistas tripudiavam, diziam que ia ser a maior goleada, o maior vexame de um clube na história. O Inter embarcava para o Mundial com um grupo que recém havia sido vice campeão brasileiro. Abel Braga havia deixado a fama de vice que lhe acompanhava há muitos anos com o título continental, mas não a teimosia em manter no time titular jogadores que a torcida não gostava – para delírio dos tricolores. Na semifinal, o Inter sofreu para passar pelo egípcio Al Ahly, enquanto o Barcelona deu uma aula de futebol ao golear o América do México por 4 a 0.

O Inter surpreendeu o mundo. Porque os colorados deram a vida dentro de campo. Ceará, hoje no Cruzeiro, caçava Ronaldinho, fazendo o que podia para diminuir o brilho do craque. Índio, mesmo com o nariz arrebentado, seguia em campo. Certamente, os azuis comemoraram muito quando viram o algoz Fernandão, autor do gol mil em Gre-Nais e considerado o maior ídolo colorado para muitos, sair de campo extenuado, e entrar em seu lugar o principal desafeto da torcida vermelha na época, Adriano Gabiru, que mudaria a sua e a história do Inter.

No fim das contas, tudo o que colorados e gremistas querem ao longo das suas vidas é superar o rival. Assim, o único caminho para qualquer um dos dois times é, novamente, ser campeão do mundo. Simples. É, claro, ganhar o próximo Gre-Nal. No último, realizado em agosto, o Inter venceu, no retorno de Felipão ao Grêmio. Foi no Beira-Rio, 2 a 0. O Inter não perde para o Grêmio há mais de dois anos. 

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CONFUSÕES

Gre-Nal dos Cem Feridos (1918)

Desde 1913, o Grêmio não ganhava um clássico. O clube tricolor saiu ganhando a partida disputada no primeiro estádio do clube, a Baixada, quando a discussão pela cobrança de um lateral foi do campo para as arquibancadas e passou a envolver os torcedores. Da confusão, resultaram cem pessoas feridas – uma delas foi o jogador colorado Ribas, esfaqueado por um torcedor gremista. Ele não voltou mais a jogar futebol.

Primeiro Gre-Nal do Olímpico, no festival de inauguração, em 1954

O Inter passeava em campo – o jogo acabaria 6 a 2 para os colorados. Lá pela metade do segundo tempo, já com o placar em 4 a 1, o goleiro gremista Sérgio, revoltado com os próprios colegas, desistiu do jogo! E saiu do gramado resmungando, só voltando ao ouvir do atacante colorado Bodinho a frase: "Volta, covarde, pra tomar mais quatro!" Sérgio voltou, e tomou mais dois. Essa história toda foi registrada numa camiseta retro comemorativa lançada pelo Internacional há cerca de cinco anos.

TRÊS GRE-NAIS HISTÓRICOS

1.  Gre-Nal do final do primeiro turno do campeonato gaúcho de 1967

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O Grêmio estava três pontos na frente (as vitórias somavam dois pontos nesta época) e jogava no Olímpico. Na rodada anterior o seu centroavante Alcindo havia sido expulso num jogo em Rio Grande; o Ministro da Educação (não havia ministério de esportes) Tarso Dutra, gremista doente, deu um canetaço e autorizou a presença do jogador no Gre-Nal. Em plena ditadura, a torcida colorada levou uma faixa com os dizeres "Obtigado, Ministro". Brigada em ação, faixa retirada, gente presa etc. Vitória colorada por um a zero, gol de Claudiomiro, jogo inesquecível.

2. Gre-Nal de encerramento do festival de inauguração do Beira-Rio (1969)

Jogo chocho... Juiz jovem e muito ruim, Orion Sater de Melo se chamava. O Grêmio praticando um anti-jogo para perturbar a festa colorada. Quase ao fim do segundo tempo, o lateral-direito gremista Espinosa (mais tarde técnico campeão mundial pelo Grêmio) encenou ter sido atingido pelo ponta uruguaio Urrusmendi que, ato contínuo, foi agredido pelas costas por Alcindo e Tupãzinho; daí degenerou-se uma batalha campal, e foram expulsos todos os jogadores titulares, exceto Dorinho do Inter e Alberto, goleiro do Grêmio.

Acréscimo: "Aqui, nós é que vamos cantar de galo!", gritava para os jornalistas e para quem quisesse ouvir o então goleiro Gainete, furioso e ensanguentado, segundo o site oficial do clube colorado.

3. Gre-Nal decisivo do campeonato gaúcho de 1977

Ganhava o Grêmio por um a zero, gol do André Catimba. A vitória quebraria o octacampeonato colorado. Pouco antes do fim do jogo, uns idiotas da torcida gremista invadiram o campo, bateram no juiz, e a partida não terminou. O Internacional entrou com um recurso para anular a partida; daí veio uma frase célebre do zagueiro Oberdan: "Não adianta: a taça está no armário, a faixa está no peito e o bicho está no bolso!" Claro, o Inter não ganhou o recurso.

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