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Estádios e arenas

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

O Corinthians perdeu mais uma decisão em sua nova casa. Não devem se inquietar os corintianos porque se trata de algo absolutamente normal em vista da profunda mudança que sofreu o clube ao abandonar o velho Pacaembu. Na euforia do novo estádio, poucos talvez se deram conta do que realmente estavam deixando. Porque o Pacaembu era, em certa medida, o Corinthians. Não que não tenha havido derrotas amargas também por lá. Não há estádio que garanta resultado. Mas se tratava de alguma coisa maior que simples resultados. O Pacaembu, apesar de abrigar eventualmente jogos de outros grandes, tinha especial predileção pelo Corinthians. O estádio gostava do time, parecia se moldar a ele, emprestava a ele sua identidade e os dois se completavam nas vitórias e derrotas. Quando se falava em Corinthians, falava-se imediatamente em Pacaembu. Gerações e gerações se ligavam pelo simples fato de terem todas frequentado o estádio e esse legado que passava de torcedor para torcedor ia solidificando vínculos com o clube. A ida para a nova arena, no entanto, modificou profundamente a essência do time. A nova casa é uma outra coisa e vai demorar para a equipe se acostumar com ela. Primeiro porque não é um estádio, é uma “arena”, coisa nova , desconhecida, ainda por fazer uma tradição. Depois porque é muito diferente do velho Pacaembu. A nova arena tem mais conforto, mais comodidade, mas esse conforto e essa comodidade valem também para o adversário. No Pacaembu, muito mais áspero e duro, o adversário sofria. E tremia. Na nova arena o clima é outro, muito mais ameno. Quem joga a Libertadores sabe disso. O próprio Nacional de Montevidéu não faz seus jogos importantes, seus jogos de vida ou morte, no estádio Centenário – venerável, amplo e confortável – mas sim em seu acanhado e modesto campo onde a torcida fica a um palmo do adversário. O fato é que a mudança para a arena, se foi um grande passo à frente na vida do Corinthians, também gerou modificações perigosas. A própria torcida mudou. Quando nos jogos o telão apresenta os torcedores tenho dificuldade de identificar aquela torcida com a torcida tradicional do Corinthians. Por anos essa torcida foi moldando sua forma, sua maneira, seu aspecto, que hoje procuro em vão quando a câmera enquadra os torcedores na arena. Talvez aquelas multidões que me acostumei a ver ao redor do Pacaembu nos dias de jogo estejam ainda lá na nova arena, mas, me parece, não são mais protagonistas. No velho Pacaembu eram os atores principais, que consolidavam uma forma de torcida que era definitivamente identificável. É estranho que apesar de lá ter alcançado todas as grandes conquistas de sua trajetória tão vitoriosa, o Corinthians nunca aceitou completamente o Pacaembu, nunca o considerou como seu. É claro que falo dos dirigentes, não dos torcedores. Os dirigentes do Corinthians deviam ter tomado posse do Pacaembu por direito de conquista, vamos dizer. Deviam ter insistido em ficar com o estádio por dever de tradição e identidade. Mas não foi isso o que aconteceu e não há volta atrás. O jeito é o torcedor esperar, só o tempo vai acomodar clube no novo campo, e recompor pedaços perdidos. E é preciso se acostumar com o fato de que, na medida em que novas arenas se inaugurarem, vai acabar o chamado fator “casa”. Tudo será campo neutro, com a torcida afastada, com todas as medidas que impedem o visitante de se sentir desconfortável. Mando de campo vai influir pouco nos resultados. Enquanto isso, para terminar com estádios, penso no Santos e seu pequeno campo da Vila Belmiro. Não creio que, por enquanto, passe pela cabeça de alguém abandonar o lugar onde jogaram Pelé, Coutinho e todos seus craques imortais. O Santos é, certamente, o único dos grandes de São Paulo a ter apenas um estádio. Não tem arena. Não oferece conforto a ninguém. Muito menos ao adversário.

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