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Europa cria ‘bolha’, Fifa não colabora e Brasil chegará ‘às cegas’ na Copa

Eurocopa e Copa América escancaram abismo entre os continentes, mas falta parâmetro: jogos entre seleção brasileira e europeus se tornaram raridade

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Foto do author João Abel
Por João Abel
Atualização:

Sou um admirador do fútbol sudamericano. Acredito que poucas coisas explicam tão bem nossa cultura quanto o futebol. É por isso que me dói fazer coro ao já batido discurso da superioridade dos europeus em relação aos sul-americanos. Mas a disputa sincrônica de Eurocopa e Copa América ao longo do último mês só deixou isso ainda mais evidente.

Neymar e Messi se abraçam após o título argentino no Maracanã Foto: André Coelho/EFE

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Há um sentimento de que o Brasil, e outras seleções da América do Sul, vão chegar à próxima Copa do Mundo, no fim de 2022, um degrau abaixo dos melhores times do velho continente. É uma sensação que se reforça pelo desempenho nos últimos mundiais: a decepção contra a França em 2006, a virada da Holanda em 2010, o “lá vem eles de novo, que absurdo!!!”, de 2014, e a derrota frustrante contra a Bélgica em 2018.

E, para piorar, a Copa tende a se tornar um dos poucos momentos onde teremos o desafio de pegar as seleções do outro lado do Atlântico.

Você lembra a última vez em que o Brasil enfrentou um europeu? Foi em março de 2019: amistoso contra a República Checa, em Praga. Vitória de virada dos comandados de Tite por 3 a 1. O último duelo contra uma seleção da 'primeira prateleira’ da Europa foi justamente o amargo encontro com os belgas na Copa. E o último jogo contra um europeu campeão do mundo foi um amistoso diante da Alemanha, em março de 2018: 1 a 0, gol de Jesus.


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A amarelinha vai chegar ao Catar com uma baixíssima quantidade de partidas contra times da Europa nos quatro anos que antecedem o mundial. Até agora, apenas uma, contra os checos. Para efeito de comparação, foram 8 no ciclo anterior à Copa da Rússia, em 2018. E impressionantes 19 jogos antes da Copa em 2014, quando a seleção teve mais tempo para jogar amistosos, já que não disputou as eliminatórias por ser o país-sede.

Mas por que essa queda tão acentuada? E por que ela deve se tornar o padrão nos próximos anos? É claro que a pandemia apertou os calendários, mas outros dois motivos ajudam a explicar.

O primeiro deles é a Liga das Nações, torneio criado pela Uefa em 2018 que passou a ocupar as datas Fifa. Portanto há pouco espaço para que os selecionados europeus joguem com países de outras regiões. Cria-se uma ‘bolha de elite’ na Europa, onde as nações duelam entre si e aumentam seu nível de competitividade, enquanto o restante do mundo se torna uma ‘zona periférica’ no planeta-bola. A mesma Uefa que se opôs à criação da Superliga de clubes usa essa estratégia excludente quando o assunto são as seleções.

Tite já reclamou da carência de partidas. "Não sei dimensionar o tamanho do prejuízo de não enfrentar seleções europeias em amistosos, mas prejudica. Gostaríamos de conviver e enfrentá-las, porque traz experiência. Infelizmente não é possível. Só conseguimos antes da Copa. Agora, com a Nations League fica bem difícil mesmo", afirmou o técnico brasileiro em entrevista à ESPN, em outubro do ano passado.

Tite é o segundo técnico mais longevo no comando da seleção, apenas atrás de Flávio Costa Foto: Wilton Junior/ESTADÃO

O segundo motivo tem a ver com a Fifa. Se a Uefa se fechou ‘em seu mundinho’, tampouco a federação internacional tem atuado para promover um intercâmbio entre os países. A Copa das Confederações, desprezada por tantos, era o único espaço de encontro, além da Copa do Mundo, de seleções dos cinco continentes. Mas a Fifa decidiu acabar com o torneio, disputado pela última vez em 2017 e vencido pela Alemanha.

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Se ainda existisse, uma próxima edição da Copa das Confederações teria garantida a presença da França, atual campeã do mundo, da Itália, campeã europeia, do Catar, país-sede e campeão asiático, além de Brasil ou Argentina, um dos dois últimos campeões sul-americanos.

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É um contrassenso da Fifa propor a realização de um mundial inchado a partir de 2026, com exageradas 48 seleções, sem abrir espaço para uma troca de experiência entre os continentes.

No Mundial de Clubes, já são oito edições seguidas com vitórias de europeus. E, se a lógica não mudar, corre-se o risco de que o mesmo se repita com o mundial de seleções.

No último mês, vimos a Euro dar um banho na Copa América dentro e fora do campo. Com a vacinação avançada, torcedores tomaram os estádios em 11 cidades da Europa, ainda que muitos não respeitassem as regras sanitárias. E o Google Trends mostra que durante o período dos torneios, aqui no Brasil, quase sempre houve mais buscas por conteúdos do campeonato vencido pelos italianos.


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A redenção da Copa América só veio com a final entre Brasil e Argentina, rivalidade que nenhum duelo entre europeus pode superar. E com final épico, já que o jejum de 28 anos dos albicelestes foi para o espaço.

Ainda assim, suspeito que a Conmebol pode repensar em breve essa ideia de realizar o torneio de forma simultânea com a Eurocopa. Por ora, a próxima edição está marcada para 2024 no Equador, enquanto a copa europeia será sediada na Alemanha.

Até lá, com uma lógica de futebol cada vez mais eurocêntrica, o Brasil deve chegar ‘às cegas’ na próxima Copa do Mundo.

*João Abel é editor do Drops, no Instagram do Estadão, autor de ‘Bicha’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’. Escreve às quartas-feiras.

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