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Evaristo, rei em Barcelona e em Madri

Aos 83 anos, um dos principais nomes do futebol do País conta como conquistou o respeito de dois grandes rivais

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Foto do author Almir Leite
Por Almir Leite
Atualização:

Porta-retratos, fotos, recortes de jornais, alguns troféus e a réplica de uma bola que guarda com carinho especial. A enorme estante da espaçosa sala do apartamento com vista para o mar de Ipanema conta uma pequena, mas importante, parte da longa e vitoriosa trajetória de um dos principais nomes da história do futebol brasileiro. E também espanhol. É Evaristo de Macedo, aquele que conseguiu a proeza de ser idolatrado pelas torcidas do Barcelona e Real Madrid.

Hoje com 83 anos, aposentado há dez, Evaristo leva vida tranquila. Dedica-se a caminhadas pelo bairro, encontros com amigos nos quiosques do calçadão da praia e à administração do patrimônio, basicamente imóveis, construído durante a carreira. “Se fosse viver somente da aposentadoria, estaria roubado’’, diz, olhar irônico.

Evaristo de Macedo em seu apartamento em Ipanema, na zona sul do Rio Foto: Wilton Junior/Estadão

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Como jogador, e como técnico, Evaristo foi sujeito bem-humorado, protagonista de passagens engraçadas. Algumas delas, diverte-se ao recordar. Mas também relembra fatos que tiveram impacto em sua carreira, principalmente nos tempos de Barcelona, onde viveu grandes momentos – lá jogou de 1957 a 1962 – e ainda é tratado pela torcida como um dos ícones da história do clube.

Uma admiração que não muda nem pelo fato de ele ter trocado o time pelo rival. Passou quase três anos no Real Madrid e também se tornou ídolo por lá. Evaristo tem uma explicação. “Isso aconteceu porque saí numa boa. O Barcelona queria que eu me naturalizasse espanhol, mas não aceitei. O Real ficou sabendo e me convidou. Meu contrato acabou e eu fui.’’

Ainda assim, Evaristo não esconde sua preferência por, e pelo, Barcelona. Tanto que diz sentir-se mais à vontade quando visita a Catalunha e comparece às homenagens feitas pelo clube. Mas não tem atendido aos convites do Real. Ele explica: “O Barcelona faz as festas no verão, o Real faz no inverno. Aí eu não vou. Não vou para a Europa no inverno. Acho horrível’’.

No entanto, por causa do Barça ele deixou de ir à Copa de 1958, após brilhar pela seleção em 1957, ano em que fez cinco gols numa vitória por 9 a 0 sobre a Colômbia. Mas não culpa o clube. “Eles até me liberavam, mas só depois do fim do Campeonato Espanhol. Aí, a seleção já estava na Europa e não dava mais para mim.’’

Assim, Evaristo de Macedo perdeu a chance de fazer dupla com Pelé. Só isso. “Quando foi a Barcelona tentar minha liberação, o Carlos Nascimento (supervisor da antiga CBD) disse que eu ia fazer uma dupla infernal com um ‘escurinho’ que estava surgindo e era maravilhoso. Não foi possível.’’

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Nos últimos tempos, quando mira o Barça, tem prestado bastante atenção em alguém que pode superá-lo. Prestes a fazer seu centésimo gol pelo clube e com anos de carreira pela frente, Neymar tem tudo para bater os 178 gols do ex-atacante e se tornar o brasileiro que mais marcou gols pelo time catalão.

“Não lamento. Gosto muito dele, acho o Neymar um grande jogador. Vai continuar fazendo os golzinhos dele, vai alcançar uma meta superior e eu vou ficar em segundo. ‘Tá’ bom’’, diz. Mas pondera: “Hoje eles jogam muito mais. Por exemplo, se eu fiz 100 jogos, ele vai fazer 300.’’VOLTA AO BRASIL Evaristo ficou cerca de nove anos no futebol espanhol, antes de voltar para o Rio e o Flamengo, onde encerraria a carreira em 1967. Formou-se em Educação Física e em 1970 se tornou treinador. Foram 37 anos, dezenas de clubes e algumas seleções, como a brasileira, cuja passagem em 1985 terminou após 14 partidas por vontade própria. Ele não aceitou a imposição para convocar um craque que estava fora de forma. Tratava-se de Sócrates. 

Evaristo de Macedo com a réplica da bola usada na inaguração do Camp Nou, o estádio do Barcelona Foto: Wilton Junior/Estadão

Nessas quase quatro décadas, colecionou histórias e títulos. E admite ter saudades. “A grande tristeza na vida da gente é quando chega ao fim da linha. Porque no dia seguinte, ao deixar o futebol, você já começa a sentir saudade. Aí pega.’’ Mas ele se apega à família. Outro motivo de alegria para Evaristo é o Yorkshire Sushi, de cerca de nove anos. “Esse é o meu negão, meu amigão’’, diz, enquanto beija o cão e é lambido antes de gargalhar pela única vez durante toda a entrevista.

Evaristo conversou com o Estado horas antes de Brasil 3 x 0 Paraguai. Vê a seleção em bom caminho com Tite, mas entende que Dunga também poderia ter dado certo se tivesse sido bem assessorado no cargo. 

O futebol brasileiro dentro de campo não o preocupa. O que o chateia é o lado de fora. E a violência entre as torcidas. “Eu jogava no Maracanã para 120 mil pessoas entrelaçadas. Havia rivalidade, mas não agressividade’’, recorda, enquanto fotografa com sua bola especial. É uma réplica da que chutou e cabeceou em 24 de setembro de 1957, na inauguração do Camp Nou.