Ex-jogador do Santos desabafa: 'Ninguém respeita nada'

Em momento de reflexão na Índia, meia critica o futebol brasileiro e se diz feliz com nova oportunidade para 'resgatar' o seu futebol

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O aspecto financeiro, claro, influiu na decisão. A oportunidade de popularizar o esporte em um país em que o críquete reina absoluto também seduziu-o. Mas Elano optou por ir jogar na Índia para se afastar das mazelas do futebol brasileiro. O jogador de 33 anos estava desiludido com o cenário.

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A dispensa do Flamengo, o desprezo do Santos... A maneira, de um modo geral, de como o futebol é conduzido atingiu o âmago de Elano. Antes da oferta para ser uma das estrelas da Indian Super League, o meia já havia decidido sair de cena momentaneamente para uma reflexão.

Em entrevista exclusiva ao Estado, por telefone, direto da cidade de Chennai, sede do Chennaiyin FC, clube que vai defender até dezembro deste ano, Elano critica o rumo que o futebol brasileiro tomou. "Ninguém respeita mais nada", disse. Ele reclama da postura de alguns jogadores em relação ao Bom Senso e se diz feliz na Índia, país em que buscou refúgio para se reencontrar.

O que te fez aceitar uma oferta para ir jogar na Índia?

Primeiramente foi o projeto de evolução do futebol em um país em que ele não é o primeiro esporte. Aqui é todos amam o críquete. Além disso, o projeto da liga e do clube são interessantes. Então foi uma ótima oportunidade de participar do crescimento do futebol por aqui, o que me deixa feliz.

Você estava sem clube depois de ser dispensado pelo Flamengo. Estava desgostoso com o futebol brasileiro? Isso influenciou na sua decisão?

Eu tomei a minha decisão antes mesmo de receber a oferta para vir pra cá. Tomei minha decisão para ir para casa tranquilo, queria repensar o caminho que iria tomar. Eu não queria mais jogar no Brasil. Neste primeiro momento, eu não penso em voltar ao Brasil. Pretendo continuar jogando fora. No futuro, quem sabe, um dia voltar ao Santos, que é um clube que tenho carinho. Mas isso não depende apenas da minha vontade. São várias situações e não sei se será possível. Estou desiludido com algumas situações que acontecem no nosso país, em que tudo parece normal. Não sou obrigado a concordar, tenho uma maneira de pensar, respeito todo mundo e, por isso, foi uma decisão bem tranquila, saí sem confusão com ninguém.

O que te mais te chateou?

Não é apenas comigo. No futebol brasileiro, em geral, ninguém respeita mais nada. Os jogadores do Bom Senso estão buscando melhorias e tem muita gente contra, até jogadores. No nosso país nem tudo sai como queremos. Então não tem como ficar pagando por várias situações. Eu criei a minha carreira com honestidade, nunca ninguém me deu nada. Tive que correr atrás. Eu agradeço a Deus por ter a oportunidade de estar aqui. Estou feliz por tudo que fiz na carreira. Era um momento de reflexão, estava passando por uma situação e, para não brigar com ninguém, não ser desonesto com ninguém, eu preferi me retirar.

A postura de alguns jogadores em relação ao Bom Senso foi um dos fatores?

Respeito muito essas pessoas que estão na frente. Dida, Juan, são meus amigos há muito tempo. Ainda tem Gilberto Silva, Alex, Paulo André, Rogério Ceni... Eles merecem o respeito de todos os atletas porque estão brigando por melhorias para o futebol brasileiro. E temos vários jogadores que não estão colaborando. É importante que todos os atletas estejam juntos para ser modificado alguma coisa. Porque, sem os jogadores, não há futebol, não tem campeonato. Esses jogadores precisam parar de pensar no lado pessoal e pensar no coletivo. Eu, particularmente, não tenho muita paciência porque não sou individualista. Eu procuro ajudar e, quando não consigo, é melhor eu me retirar. Eu tenho conversado com alguns jogadores, procurando passar o que o pessoal está lutando para conseguir, mas infelizmente tem alguns jogadores que não querem colaborar e isso é muito triste para o nosso futebol.

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A presidente Dilma foi reeleita e há uma aproximação com o Bom Senso. O que o governo pode fazer para ajudar na melhoria do futebol brasileiro?

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Não tenho partido e, para mim, o partido do presidente, seja Dilma, Áecio, Marina, tem de ser o Brasil, lutar para melhorar o nosso país. Hoje vemos muitas coisas tristes, principalmente esses comentários de corrupção. Os jogadores estrangeiros que estão no meu time ficam me perguntando disso toda hora. É muito chato ficar explicando. Por que não pega tudo que tivemos de prejuízo com esses caras que ficam roubando dinheiro público e aplicamos na saúde? Acho que está sendo importante abrir as portas para o Bom Senso se explicar porque sozinho não é possível mudar nada. Precisamos unir forças e, para isso, precisamos do governo e o governo precisa ser certo. São várias coisas negativas que estão acontecendo que fica até difícil enumerar. O povo fica desacreditado e, quando isso acontece, é muito triste.

A situação com o Santos também faz parte desta desilusão?

Não posso generalizar e dizer que é o Santos. O torcedor não tem nada a ver com isso. Esta situação só demonstra que tudo o que você fez pelo clube não significa nada para quem está ali no comando. Por isso, fico muito tranquilo, respeito os torcedores e sei do carinho que eles têm comigo. Então preciso ter muito cuidado para abordar este assunto, mas o que aconteceu é que o presidente (Odílio Rodrigues) não me aceitou de volta, mesmo que por pouco tempo, e não foi por causa de dinheiro. Era para eu ter uma oportunidade de estar jogando e ajudar. A gente sempre fala que o Brasil precisa ser igual a Europa, mas não é uma questão de ser igual. A questão é que na Europa eles respeitam o que o jogador fez pelo clube não apenas dentro, mas fora de campo.

Encontrou na Índia o respeito que não teve no Brasil, já que está entre os jogadores consagrados que foram contratados?

Sempre fui respeitado por todos. Claro que tem uns que gostam mais e outros, menos. Quando você vai jogar é respeitado pelo que fez na carreira. Mas você tem de jogar, senão vai sair do mesmo jeito. Você não joga com aquilo que fez. Aqui estou jogando bem, ajudando o time. Esses jogadores mais experientes estão tendo um bom desempenho. Tenho certeza que daqui uns dois anos muita gente vai querer jogar aqui porque está repercutindo positivamente.

Qual o nível do futebol indiano?

Neste primeiro momento, os jogos estão sendo bons. As equipes estão todas niveladas, então está sendo um campeonato bastante competitivo. A organização também é exemplar, me surpreendeu.

Como está sendo o trabalho com o Materazzi, que é técnico e jogador do time?

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Ele é muito bacana, o convívio está sendo muito legal. Eu o conheci no Rio, na Copa do Mundo. A troca de informação está sendo bacana. Eu estou vivendo uma experiência nova porque, como jogador, estou podendo trocar ideias com ele sobre como vamos jogar. Está sendo uma satisfação grande trabalhar com ele.

Mas ele é mais linha dura dentro ou fora de campo?

Dentro, dentro... Ele foi titular no último jogo (terça-feira, contra o Mumbai City FC), deu uns carrinhos e voltou a ser o bom e velho Materazzi. Até brinquei: agora sim professor eu estou gostando. Ele é muito boa gente, tem um coração bom.

O futebol pode se igualar ao críquete na Índia?

Difícil. As pessoas aqui são apaixonadas pelo esporte, é uma situação de muito tempo. Mas há um interesse no futebol. Os estádios recebem uma média de 15 mil pessoas. A estrutura é muito boa, principalmente em relação aos estádios e organização. Pode não se igualar ao críquete, mas, com certeza, o povo é muito apaixonante e acredito que a liga pode crescer a cada ano.

E fora de campo, já se adaptou à vida na Índia?

Estou morando em um hotel. As pessoas daqui estão sempre me acompanhando, quando preciso ir em um restaurante, no shopping. Isso é importante, porque é um país diferente e não você fica desamparado. Também tenho o costume de sempre que vou para um lugar que não conheço me preparar, buscar informações. Agora já estou mais tranquilo, adaptado, já sei para onde posso ir, o horário que tem menos trânsito. Sei que não dá para comer de tudo porque é apimentado. Está sendo uma experiência boa.

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E a questão da pobreza, que é latente na Índia?

No primeiro momento foi muito chocante. Não que seja certo, mas vamos nos adaptando porque não tem muito o que fazer. Eu tenho procurando andar na rua, me aproximo das pessoas para tentar conversar. Mas, com certeza, é muito diferente do que estamos acostumados. É até difícil expressar o que eu vi, só quem presenciou sabe como é. É um baque muito grande.

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