18 de setembro de 2017 | 07h00
Os torneios das categorias sub-15 e inferiores organizados pela Federação Paulista de Futebol (FPF) não têm cartões vermelhos. A ideia da entidade é dar um caráter pedagógico para as jogadas mais violentas, mas sem expulsar nenhum garoto das partidas. Contudo, treinadores e dirigentes de algumas equipes transformaram a decisão em uma manobra no mínimo controversa – a ordem é chegar mais forte nas divididas e distribuir pancadas nos adversários para, na teoria, ter a vida facilitada nos jogos.
O Estado conversou com pais de atletas, treinadores e a Federação Paulista de Futebol e apurou que alguns clubes têm adotado a tática de agredir adversários, principalmente os melhores, para tirar vantagem da regra determinada pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva. “Os menores de quatorze anos são considerados desportivamente inimputáveis, ficando sujeitos à orientação de caráter pedagógico”, diz o CBJD.
Um atleta que comete uma falta mais dura e já tem cartão amarelo, é substituído e não pode atuar na próxima partida. Como o time não chega a ficar com um jogador a menos, alguns treinadores pedem para chegar mais forte nos adversários, pois já têm reservas prontos para substituir o garoto que cometeu a infração. Na súmula, os árbitros colocam que os atletas expulsos foram substituídos disciplinarmente.
“Sabemos desse problema e existe uma preocupação com isso”, admite o ex-volante Mauro Silva, vice-presidente do Departamento de Integração com Atletas da FPF. Para mudar ou amenizar isso, a entidade que administra o futebol brasileiro foca nos técnicos e não nos garotos.
A partir de 2019, para dirigir um time de base, o profissional será obrigado a ter pelo menos a licença B (para técnico de divisões inferiores) do curso organizado pela CBF. Atualmente, não existe nenhum pré-requisito para alguém ser treinador de garotos. A entidade ainda criará um curso para executivo de futebol especializado nas categorias de base.
“Meninos são reflexos do clube e de quem o treina. O problema é o treinador e não o menino. A gente vive em um país em que só quem ganha é bom e muitos times adotam a tática do ‘vale tudo’ para vencer”, lamenta Rafael Paiva, técnico do Sub-15 do São Paulo. “A gente tem que saber orientar e entender que, nessa idade, ainda estão moldando o caráter e o perfil e que muitas vezes, a postura agressiva vem de casa. Temos que saber administrar isso”, completou o comandante tricolor.
A ausência do cartão vermelho é visto como algo positivo por boa parte dos técnicos, pois acreditam que deixar o time com um a menos não ajudará em nada o desenvolvimento do jovem atleta. “Acaba expondo o jogador e compromete a formação tática”, explica Rogério Ferreira, do Sub-13 do Palmeiras. “Os meninos têm inocência e sentem muito quando precisam ser substituídos e não podem jogar depois”, completou.
Ferreira assegura que nunca pediu para seus atletas agredirem alguém e que também não chegou a sentir isso dos adversários, mas percebeu outros problemas. “Acontece de times simulando lesões para ganhar tempo. Mas nunca uma situação de buscar a violência como uma carta na manga.”
A questão disciplinar é algo bastante destacado pela FPF. “Queremos mais jogadores como o Rodrigo Caio no futebol. Cobramos ética de políticos, mas a gente não é ético na nossa profissão? Temos que melhorar isso”, ressalta Mauro Silva, lembrando a jogada em que o zagueiro do São Paulo disse ao árbitro, durante clássico com o Corinthians, que o atacante Jô não cometeu a falta que lhe causaria um cartão amarelo e, consequentemente, deixaria o corintiano fora da próxima partida.
PROFISSIONALISMO
O ex-zagueiro Célio Silva, que comanda o sub-13 do Corinthians, acredita que exista uma superproteção em cima dos meninos. “Daqui a pouco o garoto vai estar no time de cima, vai levar cartão vermelho e vai chorar. Acho que a punição tem que existir desde cedo”, opina o ex-jogador.
Célio diz que se considera “pré-histórico”, por isso tem opiniões mais fortes que alguns de seus companheiros. “O menino vai ficar triste com um cartão? Não é problema meu, é do pai. Não somos uma escolinha de futebol, a gente tem que ter profissionalismo. Eu preparo o menino para o time de cima. Lá, o árbitro te dá cartão e ainda te enfrenta”, destacou.
O ex-zagueiro garante que não manda seus meninos bater, mas entende quando algum deles passa do ponto. “Não quero ignorância, mas são seres humanos e de vez em quando acabam sentando o pé mesmo. Acontece. Futebol é esporte de contato e quando eles forem mais velhos, vão passar por coisa pior. Eles têm que saber lidar com tapa na cara, torcida gritando, falando que vai matar, e gente jogando saco de urina neles. E se o cara for bem, a torcida carrega nas costas. Caso contrário, vão virar o carro deles”, disse.
A decisão de não aplicar cartão vermelho é algo que tem sido usado pela Federação Paulista, mas não se repete em outros campeonatos. Em torneios nacionais e alguns estaduais (como no Rio de Janeiro e Minas Gerais) os meninos recebem o cartão. O mesmo vale para competições internacionais. Apesar da preocupação, a FPF não pensa, no momento, passar a usar o cartão para os mais jovens.
Existe uma preocupação muito grande, já que um dos valores do futebol é a disciplina. Isso vai melhorando conforme você vai qualificando e entendendo a importância de educar os jovens, não para serem atletas, mas para se tornarem homens, já que muitos deles não devem seguir na carreira e precisam ter uma diretriz na vida. Qual mensagem você passa ensinando ao menino que o certo é bater em alguém? A gente sabe que muitos técnicos apelam para a violência, mas vamos coibir isso.
Na Europa, para você ser treinador de futebol, você precisa passar por cursos e tirar licenças. Aqui, qualquer um pode treinar time de base e isso é um problema. O que a gente vai colocar no regulamento, a partir de 2019, é que para comandar um clube nas divisões inferiores, será preciso ter a licença B do cursos da CBF. Não adianta criar punições para os garotos. Precisamos melhorar a qualidade dos profissionais. Ninguém gosta de ver um jogo com muitas faltas. A gente gosta de ver um futebol bem jogado e isso que a gente tentar buscar.
Claro. Eu era volante e nunca precisei ser desleal para vencer na carreira. Não precisei intimidar ninguém com violência, enganando o árbitro ou dando porrada em alguém. Não é esse o caminho e nem um dos valores de futebol. Perdi meu pai com 12 anos e o futebol foi uma inclusão social para mim. A gente pode tirar o jovem da droga e da violência pelo futebol. Precisamos ter isso na cabeça.
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18 de setembro de 2017 | 07h00
“Meu filho, Marcelo (nome fictício) tem 14 anos e é volante de um clube que eu não quero revelar, pois sei que posso prejudicar a carreira dele. Há cerca de uns dois meses, ele me contou que o técnico o chamou para conversar e disse que iriam enfrentar um time que contava com um moleque muito bom e queria que o Marcelo desse uma pancada nele para tirá-lo do jogo.
O técnico disse que estava preparando um outro garoto para entrar no lugar do meu filho e que ele poderia ficar tranquilo que, assim que cumprisse a suspensão, voltaria ao time. Antes do jogo, o Marcelo me perguntou o que deveria fazer e eu disse que não era para agredir ninguém.
Meu filho ficou assustado e disse que precisava fazer o que o ‘professor’ pediu, pois tinha medo de perder lugar no time. Ele acabou acertando o adversário, que saiu de campo, mas voltou depois. Meu filho precisou ser substituído e o time dele ainda perdeu. Eu até tentei conversar com o técnico, mas nunca consegui ter contato com ele. Estou tentando tirar meu filho do clube.”
* Depoimento do pai de um jogador da base, que pediu para não ser identificado
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