Publicidade

Futebol também se aprende no YouTube

Ex-jogadores lançam canais para ensinar dribles, chutes e outros fundamentos da modalidade

PUBLICIDADE

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

A lista de materiais do treinador Christiano Falconi inclui bolas, cones, pinos, gols em miniatura, um tripé, uma câmera Sony Cibershot, dois aparelhos iPhone e um microfone de lapela. Pelo menos uma vez por semana, os treinamentos que ele dá na zona sul de São Paulo para alunos que estão iniciando a carreira tem várias interrupções. Nessas pausas, ele imposta a voz, olha para a câmera e explica as jogadas ou dá dicas de como bater na bola assim ou assado. São gravações para seu canal no YouTube, site de compartilhamento de vídeos na internet. Ele é um youtuber do futebol.

Além de conteúdos de gastronomia, artes, entretenimento, música, jogos e celebridades, que o transformaram em um capítulo à parte na cultura da internet, o YouTube também ensina a jogar futebol. O canal de Falconi, chamado “Eu treino fundamento”, como o próprio nome indica, traz vídeos com dicas práticas e orientações sobre passe, drible, cabeceio e finalização, movimentos básicos da modalidade. “O objetivo é estimular treinadores e jogadores a treinar e aperfeiçoar a parte técnica”, diz o lateral-direito que atuou em clubes como Bragantino, Portuguesa Santista, Portuguesa, Mixto (MT) e Inter de Bebedouro em dez anos de carreira, entre 1996 e 2006.

O treinador Christiano Falconi ensina futebol no YouTube Foto: Marcio Fernandes/Estadão

PUBLICIDADE

Futebol no YouTube ainda está no campo da inovação, e Falconi é um dos pioneiros a ensinar futebol virtualmente. O técnico Valdir Espinosa, campeão mundial com o Grêmio, possui um canal para ensinar táticas e também dá dicas sobre posicionamento para os atletas. Zico alia histórias do futebol, conselhos técnicos e também entrevistas (ver abaixo). Por outro lado, a maioria dos canais ainda traz apenas os chamados “tutoriais”, neologismo usado em informática para ensinar o funcionamento de programas para usuários iniciantes.

Criada pelo jornalista e também ex-jogador Lucas Queiroz, o canal “Brazil Kickers”, dirigido a jogadores amadores, é um dos mais vistos no segmento. “Procuro fazer lances que possam ser feitos nos jogos”, explica o youtuber, que atuou apenas nas categorias de base. “Não sou o melhor jogador de futebol, mas sou um dos bons apresentadores do YouTube”, diz.

As iniciativas, especialmente as páginas de fundamentos, preenchem uma lacuna no futebol brasileiro: a falta de treinos específicos para aperfeiçoar a técnica dos futuros jogadores. “Nunca tive treinos técnicos. Fui mandado embora da usina de cana de açúcar e fui fazer um teste. Passei no profissional do CRB. Tive de aprender na raça”, diz o ex-atacante Aloisio, campeão do mundo com o São Paulo em 2006.

Nos times profissionais, poucos clubes no Brasil ensinam o jogador a bater na bola ou adotar a posição correta para “matá-la” no peito. O ex-jogador Amoroso, hoje embaixador do Boca Ratón, clube norte-americano da quarta divisão, achou a iniciativa de ensinar fundamentos na internet tão importante que levou o próprio Falconi para conduzir a primeira clínica esportiva do clube no Brasil, realizado no mês passado, no Bourbon Atibaia, em São Paulo. “Eu cresci com a técnica. No início da carreira, futebol não é só jogo. A técnica é mais importante que a tática ou físico”, disse o ex-jogador do São Paulo.

Joshua, filho de Pelé, é um dos assinantes do “Eu treino fundamento”. Jogando por uma universidade nos Estados Unidos, depois de passar pelas categorias de base do Santos, o atacante gravou até um vídeo para apoiar o canal. Cristiane e Andressa Alves, da seleção feminina, fizeram o mesmo.

Publicidade

Os canais dedicados ao futebol não têm a mesma visibilidade de outras áreas. O site Social Blade, responsável por mostrar estatísticas sobre YouTube, Instagram, Twitter e Twitch, aponta que o maior canal de YouTube do Brasil, em número de visualizações, pertence ao funkeiro Kondzilla, com 5,5 bilhões de views. Os maiores canais de futebol, por exemplo, atraem 10% disso.

Pollyana Ferrari Teixeira, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e pesquisadora de Mídias Sociais, aposta no crescimento. “Esse desenvolvimento tardio se deve à grande influência das transmissões da tevê aberta. O futebol ainda possui estruturas tradicionais de comunicação, mas existe uma brecha que vai fazer o esporte explodir nas redes sociais”, diz a especialista. “O vídeo se consolidou como grande plataforma de comunicação em todas as áreas", completa.

O treinador Christiano Falconi em um dos trechos do canal Eu treino fundamento Foto: Marcio Fernandes

Os vídeos são um complemento para treinos que os jogadores desenvolvem nos clubes ou nas escolinhas de futebol. O atacante Mateus Potenza tem 13 anos e busca uma oportunidade em um clube assistindo e reproduzindo os vídeos. “Um das coisas que aprendi bater com a parte calosa do pé na hora do passe e levantar a mão. Isso ajuda no equilíbrio e na precisão”, diz o jovem atleta.

Sem internet em casa, o meia Pedro Henrique Lourenço da Silva, que também procura um clube, só consegue assistir aos vídeos na casa da tia. Aos 15 anos, ele conta que conseguiu melhorar a potência dos chutes só corrigindo a distância do corpo em relação à bola, dica que viu nos vídeos de fundamentos. Ele relata que, por isso, as visitas à casa da tia estão se tornando cada vez mais frequentes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.