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Haitianos fazem festa para a seleção

Por Agencia Estado
Atualização:

O futebol costumava ser conhecido como aquele esporte de uma bola e 22 homens correndo atrás dela. Desde hoje, a seleção brasileira acrescentou um novo sentido para ele: provou que ações simples como um jogo são capazes de fazer o que quase nenhum governante fez até então pelo miserável Haiti. Simplesmente devolveu a alegria aos corações desesperançados de milhões de haitianos. E fez isso antes mesmo de a partida amistosa contra o Haiti ser iniciada no estádio Sylvio Cator, no centro de Porto Príncipe. Eram 12 horas quando o avião com a seleção brasileira se aproximava da pista de pouso do aeroporto Toussaint Louverture. Da janela da aeronave, olhares curiosos de jogadores tentavam ver um pouco do país de torcedores fanáticos pelo futebol brasileiro. Viram um grande bolsão de miséria e os militares na pista esperando por eles. Do instante em que os brasileiros saíram do avião e pisaram em solo haitiano, um saudável e emocionante caos se instalou em Porto Príncipe. Nem as autoridades do país, sempre tão formais, resistiram a tirar fotos com os jogadores na recepção. O atacante Ronaldo foi ovacionado. Funcionários do aeroporto não resistiram e, felizes, tentavam tocar a careca do jogador. Até os soldados brasileiros com capacetes azuis que participam da Missão de Estabilização da ONU para o Haiti (Minustah) se desdobraram para não cair na tietagem geral. Eles tinham de proteger os convidados ilustres. Nessa missão, os militares se saíram bem. No total, 1.200 dos 2.500 soldados que fizeram a segurança na capital haitiana eram brasileiros. Desde a chegada no aeroporto até o estádio, num trajeto de 1 hora e 15 minutos, passando por uma multidão de haitianos exaltados nas calçadas, não ocorreu nenhum incidente. Dentro de sete urutus - os veículos blindados que desde junho fazem a patrulha das ruas de Porto Príncipe -, os jogadores acenavam, sorriam, divertiam-se e ficavam emocionados ao verem o carinho dos torcedores pela seleção. Já haviam sido avisados de que seria assim, mas na prática tudo pareceu diferente. Uma multidão corria eufórica atrás do comboio. Uma longa carreata seguia atrás. Ensandecidos, eles gritavam de tudo: "Ronaldo", "Roberto Carlos", "Brasil", "quero comer", "trabalho". Havia haitianos por toda a parte. Tentavam se equilibrar em postes, torres de energia elétrica, tratores, árvores, telhados, contêineres e outdoors. O que faz o haitiano lotar um estádio para ver, torcer e ficar em transe total pela seleção brasileira mereceria uma tese acadêmica. Cerca de 11 mil haitianos tiveram de pagar 250 gourdes (pouco mais de R$ 20) para comprar os ingressos - o equivalente a sete dias do salário médio de um trabalhador. Outras 2 mil entradas foram distribuídas de várias formas: convidados, estudantes de escolas públicas e associações. No Haiti, um dado que dimensiona sua pobreza é o de que muitos vivem com menos de US$ 1 por dia - um padrão muito utilizado na África. Por essa razão, a maioria que não pôde estar entre os 13 mil presentes no local invadiu as ruas para assistir ao jogo nas 50 televisões de 29 polegadas instaladas em escolas, creches e orfanatos e nas centenas de TVs espalhadas em bares, restaurantes, trailers de comida. Não houve troca de armas por ingressos, como os militares brasileiros aconselharam para a organização. Pelo que se viu em Porto Príncipe, não é difícil imaginar que teria sido uma das campanhas mais rápidas de desarmamento do mundo. Mas retirar uma arma pode ser bem menos eficiente do que desarmar os espíritos dos haitianos. E nisso os jogadores podem ter contribuído mais, mostrando a mais atletas do mundo que é possível jogar sem cobrar nada. Só para pedir paz.

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