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Irmãos Moreira Salles querem modernizar gestão do Botafogo

Donos de uma das maiores fortunas do Brasil e apaixonados pelo Botafogo, João e Walther já bancam CT

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

Depois de emprestar R$ 25 milhões para o Botafogo erguer um Centro de Treinamento em Vargem Pequena, na zona oeste do Rio, os irmãos João e Walther Moreira Salles querem modernizar a gestão do clube para investir mais e atrair novos parceiros comerciais. Sócios do Itaú Unibanco e herdeiros de uma das maiores fortunas do País, eles vão contratar a consultoria Ernst & Young para realizar um diagnóstico do clube, cujo patrimônio maior está em sua história centenária no futebol, com craques como Garrincha.

Novo Centro de Treinamento do Botafogo em Vargem Pequena, na zona oeste do Rio de Janeiro. Foto: Sátiro Sodré SSPress/Botafogo

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O resultado deste trabalho, que será finalizado em março do ano que vem, vai definir como os Moreira Salles podem continuar contribuindo e atrair mais investidores. O Botafogo já aprovou o pedido de estudo. 

Apaixonados pelo Botafogo, os irmãos dizem enfaticamente que não têm a intenção de “comprar” o clube, como acontece com frequência no cenário europeu. Também não querem participar da gestão do futebol, de forma direta ou indireta. Eles acreditam que o modelo de controle e administração dos clubes, de maneira geral, precisa de uma nova forma de estruturação. Rejeitam a posição de eventuais “donos” do Botafogo, pois acreditam que o esporte é algo mais coletivo. 

Um das famílias mais poderosas do País, os Moreira Salles fizeram fortuna no setor bancário, mas expandiram o negócio para outras áreas. O patrimônio da família supera US$ 20 bilhões (R$ 77 bilhões), segundo a revista Forbes. Cada um dos irmãos – Pedro, Fernando, João e Walther – aparece com cerca de US$ 5 bilhões (R$ 19 bilhões), cifra que os coloca entre os dez mais ricos do Brasil. 

A fortuna tem origem no Unibanco, que se tornou um dos maiores do setor sob o comando do pai do quarteto, o banqueiro Walther Moreira Salles, morto em 2001. Os herdeiros acertaram, em 2008, a fusão do Unibanco com o Itaú, criando uma potência no segmento. Seguiram como sócios: Pedro é copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco e João, membro do colegiado.

Outra parte considerável da riqueza da família vem da exploração de nióbio, negócio no qual Walther Moreira Salles decidiu investir ainda na década de 1960. Hoje, a CBMM, empresa de mineração da família, é responsável pelo fornecimento da maior parte do nióbio do mundo, metal que é usado na produção de aço.

João e Walther têm atuação destacada no cenário cultural, mais exatamente no cinema brasileiro. Em 1987, eles fundaram a produtora Videofilmes, que se tornou importante na chamada retomada do cinema brasileiro. Walther dirigiu Central do Brasil, título que concorreu ao Oscar em duas categorias – não ganhou. João recebeu uma nomeação ao Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor diretor por Entreatos, em 2004. Também é produtor e documentarista. 

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O Instituto Moreira Salles, instituição cultural sem fins lucrativos, possui importantes patrimônios nas áreas de fotografia, música, literatura, iconografia e cinema. A revista Piauí, de grandes reportagens, também está nas mãos da família. 

No futebol, João e Walther são botafoguenses de coração. No ano passado, os irmãos já ofereceram uma ajuda efetiva. Emprestaram R$ 25 milhões para a construção do CT. O valor será ressarcido no prazo de 30 anos, em pagamentos mensais. 

O estudo atual, encomendado com a anuência do clube, deve definir novas maneiras de organização legal do Botafogo. Uma das opções é a criação de um clube-empresa, associação que busca lucro a partir dos esportes. Outra saída é a criação de uma fundação amparada por um fundo patrimonial. Dependerá do resultado do estudo.

Torcedores visitam novo CT do Botafogoem Vargem Pequena, na zona oeste do Rio de Janeiro Foto: Sátiro Sodré SSPress/Botafogo

Independentemente das opções apontadas pela consultoria, o Botafogo mudará sua forma de gestão. O negócio ainda precisará ser discutido pelo Conselho Deliberativo. Possivelmente, o estatuto também precisará ser alterado. O Botafogo poderá ter alterações na importância e na efetiva função de alguns cargos, por exemplo.

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Se efetivada, a proposta não deverá ter dificuldade de aprovação em General Severiano. Diretores ouvidos pelo Estado veem com bons olhos a aproximação com os Moreira Salles. A parceria é vista como solução para os problemas financeiros do clube, que tem dívida em torno de R$ 700 milhões. 

Contribuição efetiva

Os irmãos João e Walther Salles já contribuem financeiramente com o Botafogo. No fim do ano passado, eles financiaram a compra do Centro de Treinamento em Vargem Pequena, na zona oeste do Rio. O negócio terá um custo total de R$ 25 milhões pagos pelos irmãos alvinegros. Os valores serão ressarcidos em um prazo de 30 anos em 360 parcelas corrigidas pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Do montante, R$ 20,3 milhões serão usados para adquirir o terreno e suas instalações. Os outros R$ 4,7 milhões são dirigidos para melhorias no local. São condições bastante vantajosas em relação àquelas praticadas pelo mercado financeiro – o clube não teria condições de fazer isso sozinho, sem a parceria. 

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Em caso de inadimplência do Botafogo, os irmãos poderão romper o contrato, tomando de volta tudo o que foi pago ao clube com desconto de 10%. No acerto está previsto que 20% do valor dos jogadores da base que vierem a ser negociados será destinado aos financiadores para amortizar a dívida. Outra condição para a negociação é a construção de uma escola no local.

O complexo ainda está em obras. A expectativa é de início das atividades – treinos do time principal e das categorias de base – no ano que vem. No início de 2019, dois dos sete campos prometidos provavelmente estarão prontos – o projeto prevê três oficiais de grama natural para os profissionais, três semioficiais para a base e outro semioficial, que poderá ser sintético. 

Todo o processo foi iniciado em meados de julho de 2017, quando o conselho deliberativo aprovou a operação financeira. Desde o início, o objetivo do Botafogo era ter um CT que integrasse os meninos da base aos profissionais. O clube aposta na formação de talentos para superar a crise financeira. A venda do volante Matheus Fernandes para o Palmeiras por ¤ 3,5 milhões (R$ 15,5 milhões), por exemplo, vai garantir tranquilidade nas finanças do ano. 

A inauguração do local de treino é aguardada com expectativa por torcedores e atletas. Em 2016/2017, a preparação do time foi feita em Domingos Martins, região serrana do Espírito Santo. Neste ano, treinou no Estádio Nilton Santos. 

Clube-empresa

Em entrevista ao Estado, Darcio Genicolo Martins, professor do departamento de economia da PUC-SP e pesquisador em Economia do Futebol, analista os diferentes tipos de gestão dos clubes de futebol. 

1. Quais as características de um clube-empresa? Do ponto de vista jurídico, clube-empresa é um clube esportivo que, em vez de ser constituído como uma associação civil sem fins lucrativos, é uma empresa criada com o objetivo de lucro a partir da prática esportiva associada. Do ponto de vista de gestão, é uma empresa convencional, que pode definir seu estatuto e estrutura de governança. No Brasil, os clubes são associações sem fins lucrativos. A parte social e o futebol estão sob a mesma estrutura organizacional, o mesmo guarda-chuva. Com isso, há uma interferência política dos dirigentes da área social no futebol. Isso gera grande probabilidade de má gestão dos recursos. O clube-empresa separa o clube social da gestão do futebol. Com isso, o controle exercido pelos stakeholders (investidores, torcedores e controle externo) aumenta. 

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2. Como se caracteriza uma fundação sem fins lucrativos com apoio de fundo patrimonial? A inspiração dessa forma organizacional está ligado a ONGs e a universidades, principalmente nos Estados Unidos. Para funcionar, um ONG depende de doações externas, captações, entre outras coisas. Isso pode gerar instabilidade financeira e traz riscos ao funcionamento. Um fundo patrimonial serve para sustentar o funcionamento ONG. Para o investidor, existe um significado intangível. Em Harvard, por exemplo, o ex-aluno tem o sentimento de agradecimento e faz uma doação. Esse seria um modelo que poderia ser trazido para o mercado esportivo. 

3. Como funcionam os clubes-empresa no Brasil? É um ecossistema bastante heterogêneo. Em geral, existe uma curva de aprendizagem, tentativa de erro. Mas o fato é que há algumas histórias de sucesso. Uma delas se verifica com o Ituano, no interior de São Paulo. O Atlético-PR vem se preparando para virar empresa e está na iminência de fazê-lo. O desafio desse modelo é alcançar os grandes clubes. 

3. Existem outras formas de gestão? Nos anos 1990, nós tivemos a experiência Palmeiras/Parmalat, que era uma cogestão. Era uma empresa formada com integrantes do clube e da patrocinadora. Existe um caso de associação sem fins lucrativos que pertence à comunidade. Temos exemplos na NFL. É a ideia do sócio-torcedor levada ao extremo. Também temos os casos de terceirização da parte administrativa e do futebol. Ituano e Figueirense são alguns exemplos. Por fim, temos os casos de um grande investidor, como o Palmeiras com a Crefisa, que investe no marketing e na contratação de jogadores. Nesse modelo, é fundamental o bom relacionamento entre o clube e o investidor.

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