Jogadora surda faz Palmeiras passar a usar sinais em vez de gritos

Após chegada de Stefany Krebs, clube começa a usar Libras e gestos no dia a dia

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Por Gonçalo Junior
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4 min de leitura

A jogadora Stefany Krebs é surda. Isso não impediu que chegasse à seleção brasileira de futsal e se tornasse campeã mundial no ano passado. Também não freou o interesse do Palmeiras, que decidiu contratá-la para a equipe profissional com jogadoras que ouvem normalmente. Ela é a primeira surda do time alviverde. A surdez também não inviabiliza a comunicação com as companheiras, apenas transforma a troca de informações. Ela ensina a Língua Brasileira de Sinais (Libras) enquanto as amigas inventam gestos para as jogadas e para o dia a dia. 

A equipe já combinou diversos sinais para o jogo, como pressão para roubar a bola, posicionamento e cuidado com o lançamento nas costas. A defensora Stella, uma das mais próximas de Stefany, explica que o segredo é fazer gestos, como agitar os braços quando quiser receber a bola. Para chamar a atenção quando a companheira está de costas, é preciso o contato corporal, como um toque no ombro. “Ela já falou que a gente pode empurrá-la para a chamar a atenção”, sorri Stella. “Tem sido um aprendizado muito legal para todo mundo”, revela. 

Stefany é natural de Erechim (RS) e tem 21 anos Foto: Taba Benedicto/Estadão

Stefany, que gosta de ser apenas “Tefy”, também usa a leitura labial para entender o que os outros querem. Nesse caso, o interlocutor tem de articular bem as palavras e falar devagar. “Estamos conversando aos poucos. Elas falam ‘bom dia’ e eu me sinto feliz. Eu não estou sozinha. Estou sendo incluída”, diz a atleta com a ajuda de Eder Zanella, professor e intérprete de Libras que acompanhou a entrevista exclusiva ao Estado

Obviamente, esse é um aprendizado lento. Apresentada na semana passada como um dos reforços da temporada, a atleta de 21 anos ainda está se adaptando. “No começo, eu estava nervosa e agitada, mas depois as coisas foram acontecendo. A angústia acabou. É um passo depois do outro”, explica. “Às vezes, o surdo tem medo de tentar. A gente tem voz. A gente consegue”, diz a jogadora.

Stefany Krebs, jogadora surda do Palmeiras, antes de treino Foto: Taba Benedicto / Estadão

Para facilitar a inclusão no time do Palmeiras – essa é uma palavra importante e que vai aparecer outras vezes –, o clube contratou especialistas no tema. O preparador físico William Bitencourt e a analista de desempenho Vanessa Silva trabalham no clube e também fazem parte da comissão técnica da seleção brasileira de futsal de surdos. “Estamos dando uma atenção maior a ela neste início. Antes do treino, apresentamos um vídeo e explicamos como vai ser o trabalho do dia. Depois, fazemos os ajustes. São pelo menos três sessões de treinos fora do campo com ela”, explica o profissional. 

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No treino da última quarta-feira, o Estado acompanhou parte dessa interação. No estádio Nelo Brancalente, em Vinhedo, cidade do interior que se tornou a sede do futebol feminino do Palmeiras, William se posiciona perto da linha lateral e orienta Tefy com frequência durante o treino coletivo. Sempre em Libras. Na hora das orientações do treinador Ricardo Belli, a mesma coisa. 

Natural de Erechim (RS), Stefany tem dois irmãos: Jean, surdo, e Josiane, ouvinte. O problema foi detectado quando ela tinha dois meses. “Esse diagnóstico foi realizado precocemente porque já tínhamos vivenciado todo esse processo com o meu outro filho. Quando descobrimos a surdez do Jean (com pouco mais de 1 ano) tudo foi muito difícil, por ser algo novo, tivemos todo o processo de luto da família, de tentar entender o porquê aquilo estava acontecendo e como iríamos lidar”, explica Roseli Marcia Benati, mãe de Stefany e intérprete de Libras na prefeitura de Erechim (RS).

“Nós passamos a reconhecer a potencialidade e capacidade dos surdos e passamos a lutar por escolas para surdos”, explica. “Meus filhos me constituíram como pessoa e como mãe. Tenho muito orgulho deles”, completa.

Stefany Krebs destaca interação com o grupo do Palmeiras: 'Estamos conversando aos poucos. Elas falam 'bom dia' e eu me sinto feliz. Eu não estou sozinha' Foto: Taba Benedicto / Estadão

A adaptação de Tefy é facilitada pela percepção visual dos surdos, muito mais apurada do que a das jogadoras ouvintes. “Quem ouve, espera as orientações do treinador. Ela tem de ser independente, olhar a bola, o rival, a arbitragem, o treinador e o time”, conta William. 

Carismática e extrovertida, a menina capta detalhes da postura, do jeito e até da personalidade das companheiras e faz imitações na concentração em Vinhedo. “Todo mundo morre de rir com as imitações. Ela capta detalhes que a gente não percebe”, diz o preparador físico.