'Faça uma mala maior', disse agente suíço ao cartola

Veredicto de José Maria Marin em júri em Nova York sai dois anos e meio após sua detenção na Suíça

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Por Jamil Chade e correspondente em Genebra
Atualização:

Quando José Maria Marin foi surpreendido pela polícia em seu luxuoso quarto de hotel, em Zurique, na Suíça, no dia 27 de maio de 2015, recebeu uma recomendação dos agentes que o levaram: a mala que estava preparando era pequena demais. “Faça uma mala maior. Existe o risco de que isso não termine muito cedo”, disse um deles.

José Maria Marin foi considerado culpado pelo juri nos EUA Foto: Amr Alfiky/Reuters

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Eles sabiam do que falavam. Eram 6h10 da manhã daquela primavera europeia. Não houve chute na porta ou algemas. No luxuoso hotel Baur au Lac de Zurique, uma operação da polícia suíça daria início a uma revolução no futebol, com a prisão de alguns dos mais poderosos dirigentes do esporte em cooperação com o FBI. 

Dois anos e meio depois, 41 cartolas foram indiciados e mais de uma dezena de federações viram seus presidentes serem presos por corrupção. No total, a Justiça americana já aplicou mais de US$ 190 milhões em multas. A Fifa, bilionária, foi obrigada a se refundar para não desaparecer e gastou US$ 60 milhões apenas com advogados. 

Mas, se Marin foi considerado culpado, o julgamento e acordos de delação premiada mostraram de forma inédita as “entranhas do futebol brasileiro”, com revelações sobre como sede de Copas foram compradas, como jogos foram arranjados e como um sistema criminoso penetrou no futebol. 

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Para investigadores envolvidos no caso, a decisão anunciada nesta sexta-feira debilita Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, que tinham conseguido evitar uma prisão. Em ambos os casos citados diante do tribunal, a interpretação é de que eles também foram em parte julgados em suas ausências e que, para a Justiça brasileira, ficará cada vez mais difícil justificar a inexistência de um processo. 

Oficialmente, o único considerado culpado, por enquanto, entre os cartolas brasileiro é Marin, que herdou uma CBF de Ricardo Teixeira repleta de “acordos”. Segundo as investigações, o ex-governador de São Paulo nada fez para acabar com a corrupção. De fato, ele a ampliou e, em apenas dois anos, recebeu US$ 6,5 milhões em propinas relacionadas com a Copa do Brasil, Libertadores e Copa América.

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Marin se recusou a confessar seus crimes e, assim, passou seis meses preso em uma cadeia em Zurique. Acabou cedendo, em troca da garantia que ficaria em prisão domiciliar nos EUA. 

Centro Metropolitano de Detenção, no bairro do Brooklyn Foto: Federal Bureau of Prisions

Nesta semana, enquanto aguardava a deliberação do júri, Marin foi visto por pessoas que acompanhavam o processo comendo banana na cafeteria do tribunal, sem cerimônias. Ao longo dos últimos dois anos, ele foi obrigado a buscar mais de R$ 60 milhões em garantias de crédito para sua fiança, para pagar por sua segurança e por um pequeno batalhão de advogados na Suíça, Estados Unidos e Brasil.

Para investigadores que conversaram com o Estado, Marin era apenas o elo mais fraco do esquema na CBF. Seu julgamento, segundo esses investigadores, serviu ainda assim como uma grande vitrine para o que de fato é o futebol no Brasil: um assunto pessoal de alguns dirigentes. 

Os efeitos, mesmo distantes, acabaram se concretizando inclusive para aqueles que conseguiram fugir. 

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Marco Polo Del Nero, depois de manobrar o estatuto da CBF, continuou a mandar na entidade. Mas, foi afastado pela Fifa na semana passada, depois que gravações, evidências e testemunhas o terem apontado como receptor de US$ 6,5 milhões em propinas. Ainda que seus advogados garantam que ele vai se defender, na Fifa não existe qualquer pré-disposição a aceitar uma volta sua ao futebol. 

Ricardo Teixeira, apontado como um dos artífices do esquema de corrupção em denúncias de outros cartolas presos, continua solto. Mas foram as investigações nos EUA que levaram a Espanha a abrir um processo que culminou na prisão de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, e emitir uma ordem internacional de prisão contra o brasileiro. Foi também o processo que levou Monaco e a França a descobrir depósitos em seu nome, enquanto o cerco também se fecha na Suíça. 

O julgamento também acabou revelando cúmplices do esquema montado por 30 anos na CBF. A Rede Globo foi citada como autora de pagamento de propinas, em troca de contratos e a Nike foi acusava de fazer parte de um esquema de propinas no patrocínio da seleção brasileira. Ambos negaram. 

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No Brasil, o processo nos EUA levou o Senado a instaurar a CPI do Futebol. Mas que teve seu trabalho bombardeado pela bancada da bola que, nos bastidores, esvaziou o processo. O senador Romero Jucá, que responde a três processos no Supremo Tribunal Federal, foi escolhido como relator da CPI. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também atuou para garantir que Del Nero e Teixeira não fossem chamados a depor. Ele teve sua campanha eleitoral em parte financiada pela CBF. 

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Na América do Sul, renunciaram os presidentes das federações da Colômbia, Venezuela, Peru, Chile e Bolívia. Na América Central, caíram os caudilhos das federações da Costa Rica, Honduras, Guatemala, El Salvador, Nicaragua e Panamá. Argentinos, uruguaios e paraguaios também foram abalados. Na Fifa, Joseph Blatter, Michel Platini, Franz Beckenbauer e outros pilares do poder do futebol hoje fazem parte do passado. 

No total, mais de 30 dirigentes admitiram culpa. Alguns chegaram a entregar o anel de noivado de sua mulher entre os itens da fiança. Pelo menos um dos citados cometeu suicídio, enquanto o esporte mais popular do planeta viu seus donos mudarem de mãos.

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