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Maracanazo: 70 anos da final que o Uruguai transformou em metáfora

No dia 16 de julho de 1950, o futebol brasileiro viveu um de seus momentos mais tristes dentro de campo e algo que nunca foi esquecido

Por Gabriela Vaz/AFP
Atualização:

Imediatamente após o término do jogo, a final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã deixou de ser uma partida de futebol. Tornou-se uma metáfora de como o pequeno pode derrubar o gigante, embora naquela época a seleção Celeste não era um time menor. Hoje, 70 anos depois, os analistas esclarecem que o jogo que seria incorporado às histórias do Brasil e do Uruguai teve pouco de casualidade e muito de confirmação. 

Domingo, 16 de julho de 1950, Rio de Janeiro. Os jornais locais anteciparam a vitória em suas manchetes: para o Brasil basta o empate para levantar a Copa do Mundo, o que seria a sua primeira da Fifa. Por volta das 3 horas da tarde, a equipe local entrou no gramado do Estádio do Maracanã, transbordando de espectadores como nunca seria de novo, com camisetas que diziam "Brasil campeão" por baixo das camisas. 

Após goleadas sobre Suécia e Espanha, o Brasil precisava de apenas um empate com o Uruguai. Foto: Acervo Estadão

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O prefeito do Rio de Janeiro, Angelo Mendes de Morais, previu por meio de alto-falantes, e diante da equipe visitante, que em poucos minutos a seleção brasileira se tornaria campeã mundial.  Do lado de fora do estádio, carros alegóricos e fogos de artifício aguardavam o apito final que daria aos donos da casa seu primeiro título mundial de futebol. O país inteiro estava pronto para a festa. Noventa minutos depois, com o 2-1 a favor do Uruguai, a folia deu origem à comoção. 

"Foi a primeira vez na minha vida que ouvi algo que não fazia barulho", dizia o capitão Juan Alberto Schiaffino, autor do primeiro gol uruguaio, anos depois, sobre o silêncio envolvente das 200 mil pessoas que lotavam o estádio. Foi também o começo de um mito que se tornaria parte do DNA uruguaio. Desde então, o 'Maracanazo' é, por excelência, qualquer vitória que ocorra na adversidade e contra todas as probabilidades. No entanto, 70 anos após o jogo que se tornou a versão esportiva de Davi contra Golias, os analistas dizem que o resultado foi mais lógica do que façanha. 

Foi a primeira vez na minha vida que ouvi algo que não fazia barulho

Juan Alberto Schiaffino, autor do primeiro gol do Uruguai

Ghiggia foi o carrasco do Brasil na Copa de 50 Foto: Panta Astiazaran/AFP

Derrubando mitos

Apesar da história ter alimentado o mito como resultado de "uma ação heroica" dos uruguaios, o jornalista Atilio Garrido, autor do livro "Maracanã, a história secreta", garante que a vitória visitante "não foi uma coincidência". Apenas em maio de 1950, os dois times se enfrentaram em outro torneio, a Copa Rio Branco, onde o Uruguai apareceu "sem técnico, sem treinamento, com total desorganização", segundo Garrido, enquanto "o Brasil vinha de uma concentração de três meses sob domínio militar". No entanto, a Celeste venceu no primeiro jogo por 4 a 3. 

"E ela perdeu por placares apertados as outras duas partidas desta Copa por erros de arbitragem", afirma o jornalista Luis Prats, que escreveu vários livros sobre futebol. "Com o 'Maracanazo', às vezes damos uma imagem de 'façanha' (...) e é deixado de lado que o Uruguai tinha uma ótima equipe", acrescenta. A Celeste era então uma potência do futebol, com dois títulos olímpicos (1924, 1928) e um título mundial (1930), conquistado de forma invicta. Por isso "o Maracanã foi uma confirmação para quem viveu", defende o sociólogo Felipe Arocena, da Universidade da República. 

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"Isso foi muito mais que a final de 1950, embora o épico do 'Maracanazo' tenha acabado nublando" a campanha das três décadas anteriores. "Era uma partida possível de vencer e perder", insiste Garrido. "A história que foi escrita depois transformou-a em um feito".

Em 2014, o Estadão conversa com torcedor do Maracanazo

Mito x realidade

E a história escreveu que, nos 70 anos seguintes, o Uruguai não voltaria a ganhar uma Copa do Mundo. Para alguns, a história épica do 'Maracanazo' teve sua influência, porque estacionou o país na ideia de que a vitória é possível simplesmente pela força da 'garra'. A nostalgia daquela final também é a nostalgia de uma era florescente do ponto de vista econômico que, quando começou a se deteriorar, arrastou o futebol com ela. "Como um país pequeno e sem grandes recursos tornou-se cada vez mais difícil competir em um esporte em que o dinheiro é cada vez mais importante", admite Prats. 

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Além disso, quando o Uruguai iniciou seu declínio econômico "o esporte em geral não tinha mais importância para o Estado que possuía no início do século", destaca Arocena. "Queríamos substituir a impotência do futebol pelo golpe, pelo chute e a mal interpretada garra", acrescenta. Isso começou a mudar nas mãos de Oscar Tabárez, que assumiu o comando da seleção em 2006. "Foi a reinscrição com a profissionalização e a preparação científica e psicológica dos jogadores", destaca o sociólogo. 

Elo brilhante

Mas ainda hoje, sete décadas depois, o Maracanã continua pesando na imaginação coletiva uruguaia. "É um episódio que convoca orgulho nacional, com aspectos que parecem lendários", afirma Prats, embora também enfatize que isso estimula a nostalgia "às vezes em excesso". Também estabelece uma parte vital da idiossincrasia uruguaia, em um pequeno país que luta para se destacar entre dois mastodontes como Argentina e Brasil: "o pequeno que pode contra o gigante". 

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Arocena, que coordenou a pesquisa publicada no livro "O que o futebol significa na sociedade uruguaia?", destaca que para os uruguaios esse esporte é o "mais importante sinal de identidade internacional". Nesse contexto, "o Maracanã é um elo de uma cadeia histórica de eventos e sucessos, um elo que, sem dúvida, é mais brilhante e mais essencial do que os outros que compõem essa cadeia do futebol oriental (uruguaio)".

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