08 de outubro de 2018 | 05h00
Há quase cinco anos de sua primeira convocação para a seleção, Marquinhos acumula experiências nesta trajetória. Aos 24 anos, o zagueiro do Paris Saint-Germain foi à Rússia e viu alguns de seus colegas de clube serem campeões do mundo. Perdeu posição antes de começar o torneio em que o Brasil foi eliminado diante da Bélgica e agora, passados dois meses, se vê de novo como titular. Em entrevista ao Estado, o jogador descreve os bastidores do PSG e os desafios de seu colega de clube e amigo pessoal, Neymar. Comenta o resultado desta janela de transferências, que implica em sua possível mudança de posição, e aponta o Liverpool como um dos fortes da Europa. Os amistosos marcados pela CBF, a situação política do Brasil e as consequências do calendário do futebol brasileiro também são assuntos tratados pelo defensor.
Foi bom, é claro que uns voltaram mais felizes e outros mais tristes, mas é normal. Logo que começam os treinos é pura alegria, início de temporada, energia recarregada das férias, mudanças aqui no PSG, de treinador e no CT, o que trás uma nova energia para cá. Isso resulta em clima bom, tranquilo, um treinador novo que vem implantando filosofias importantes, questões de disciplina e cuidados extracampo. Além de ter uma filosofia de jogo muito inteligente, ele sabe analisar os rivais, o que a gente pode aproveitar em caso de jogo fora e em casa.
Pelas minhas características, os dois técnicos (da seleção e do PSG) sabem que sou zagueiro de origem, é onde me sinto melhor, mas também sabem do meu espírito de time, da vontade de ajudar, e quando eles estão precisando de uma coisa ou outra eu me proponho a fazer e tento fazer da melhor forma. Mas não existe uma mudança de posição, a zaga é onde consigo atuar melhor, é onde vou ficar.
A gente não sabe muito bem o que acontece nessa parte superior, mas a gente sabe que não é tão simples e fácil contratar grandes jogadores, principalmente por todo nosso histórico de compras. A gente sabe que os clubes acabam pedindo muito. Com certeza foi uma janela difícil para o PSG. O time que a gente tem é esse. Então temos de focar no grupo. Há jogadores de qualidade para atuar em todas as posições, basta todos estarem disponíveis, fazendo o que o técnico pede. Ajudar fora de posição.
O Real Madrid, campeão na última Liga, é o time a ser batido. Outros grandes chegam fortes, como o Liverpool, que fez boas contratações e já tinha base bem forte, tanto que veio até a final da Liga dos Campeões. Tem os times com grandes nomes como o Barcelona, Bayern e City.
Por ser patriota, falar a mesma língua, comer as mesmas coisas, por ter os mesmos costumes acabamos nos encontrando mais, mas nós temos um grupo de WhatsApp do time inteiro, onde a gente conversa muito, zoa muito, é bastante ativo. É um grupo sadio. A gente já viu por aí vestiário com grandes nomes terem muitos problemas, mas o nosso é tranquilo. O treinador está regendo muito bem essa orquestra.
Sempre que a torcida precisa eles chamam o capitão Thiago Silva, e outros franceses por conhecerem a tradição do time. Eu tento manter essa relação com os torcedores porque eles precisam da gente e a gente precisa deles. Em uma das conversas que tive com o presidente da torcida organizada, o Neymar não pôde ir. Ele estava em um momento complicado, havia alguns torcedores que o vaiaram no Parque dos Príncipes e ele estava meio triste. Então o presidente fez questão de me chamar e passar a mensagem ao Neymar de que não eram eles que estavam fazendo isso, que nunca vaiaram um jogador nosso durante o jogo. Não sou a ponte, foi só uma situação onde eles queriam passar uma mensagem e eu estava ali.
As pessoas que pensam que é fácil ser ele, pensam só no lado bom de ser Neymar, do lado fácil da vida de ser jogador de futebol, das mordomias, mas se esquecem de toda a trajetória que percorreu. Todos que conhecem o Neymar sabem que ele é especial, diferenciado, um menino de ouro. Hoje, eu sei quando ele precisa de um conselho, sei quando precisa ter um tempinho sozinho, quando está feliz ou triste. Ele escuta meus conselhos, ouve muito o pai dele, já presenciei muitas vezes os amigos falando quando tem de falar, o Thiago Silva, Daniel Alves... ele é rodeado de muita gente que quer o bem dele, que quer somar e ajudar. O Neymar é uma pessoa especial e importante, mas é uma pessoa normal.
Esse lado de pressão vem junto, ele sabe bem que tem de existir isso, é normal, creio que todos os outros craques também tiveram momentos bons e ruins. Mas hoje, com as redes sociais, fica fácil ver alguém comentando de você, alguém que quer te colocar para baixo. Tem muito mais gente para falar mal do que para apoiar. Às vezes, depois de um jogo em que as coisas não vão muito bem, o Neymar entra nas redes sociais e acaba vendo algo que não quer, uma mensagem que não gosta, alguém falando mal. Eu mesmo sofro bastante depois de alguns jogos. Imagina o Neymar, então, pela dimensão do que ele representa? Quando perdemos, somos um lixo de pessoa.
O que ele quis expor para a gente naquela convocação por tudo que a gente passou na Copa, foi que a gente vinha fazendo um bom trabalho, tínhamos potencial para ir mais longe do que a gente foi e acabamos não conseguindo, então a única coisa que faz passar, faz amenizar essa decepção e essa dor é estar em campo fazendo nosso trabalho.
É sempre bom enfrentar grandes equipes, grandes desafios, porque são nos grandes testes que você vê os mínimos detalhes e os pequenos erros que não podem ser cometidos. Os grandes jogos te dá ansiedade, dá gosto de jogar, é bom para todos, mas infelizmente não é a gente que cuida disso, a gente não pode dar “pitaco”. Está nas mãos da CBF.
É desgastante e talvez isso acabe de uma certa maneira diminuindo o desempenho de alguns jogadores que têm de jogar esses jogos. Em uma temporada na Europa, a gente faz com o clube uma média de 45 jogos, um time que chega em várias finais, joga 50, 55 partidas. Não passa de 60. São cerca de vinte jogos a mais do que no Brasil, até mais, o que é bastante coisa.
Há muitas variáveis que contam, tem o sonho de criança, de estar com grandes craques. Na minha época, assistia Kaká, Ronaldinho e Ronaldo. O desgaste e o calendário que também podem influenciar, mas penso que menos. Creio que é mais a questão do sonho, da experiência de vida, de uma oportunidade melhor à família.
O momento é bem delicado. É até perigoso expor a opinião sobre as coisas, principalmente na internet. Tem gente sendo atacada por isso. O Brasil é um país maravilhoso, mas infelizmente acaba faltando segurança, pecando em algumas coisas que quando a gente mora fora a gente percebe mais. Somos um país jovem que tem tudo para ser uma grande potência, temos o clima, a natureza, o solo fértil, temos tantas coisas maravilhosas… então cada um tem de respeitar a opinião e gostos do próximo, se lutarmos todos juntos poderemos crescer sempre.
Eu gosto muito da França, é claro que não são só maravilhas, acontecem coisas ruins aqui, há problemas, protestos de cidadãos, todo país tem coisas boas e ruins. O Brasil é muito bom, só peca realmente neste lado da segurança e de que podíamos investir muito mais na educação, na saúde e nos professores. Não temos de querer ser iguais a ninguém, copiar ninguém, temos de seguir nossa cultura, nossa tradição e o nosso DNA.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.