'Não podemos transformar a Chape em um BBB', diz Vagner Mancini

Responsável por processo de reconstrução do time, técnico fala sobre a temporada e mostra preocupação com alta visibilidade

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Por Daniel Batista
Atualização:

Contratado dez dias depois do acidente aéreo vitimou a Chapecoense com a missão de reconstruir o time, o técnico Vagner Mancini vive o momento mais importante da carreira. Sabe que está em um dos clubes mais visados do País, após a tragédia que matou 19 atletas e membros da comissão técnica. É um trabalho intenso. Em entrevista ao Estado, Mancini fala do desafio que é transformar os 24 atletas que chegaram dos mais variados cantos em uma equipe competitiva, sem deixar que a alta exposição e a falta de recursos - o salário máximo será de R$ 100 mil - se torne um problema. Ele avisa que não ver transformar a equipe em um BBB, referência ao reality show da TV Globo. Quer um pouco de privacidade. Disse, ainda, que os clubes, com exceção de Palmeiras, Cruzeiro e Atlético-MG, não ajudaram tanto a Chape como prometeram.Foram contratados 24 jogadores em menos de um mês. Como foi feita a montagem do time? Tivemos pouco tempo, mas acredito que fomos felizes na montagem do elenco, pois quem chegou comprou a nossa ideia e entendeu que precisamos e queremos dar orgulho a Chapecó. Eles viram que era uma boa oportunidade, não só profissionalmente, como pelo lado humano. Pode parecer besteira para quem está de fora, mas vir para a Chapecoense é algo especial, é como se você estivesse estendendo a mão. A escolha dos atletas foi feita com muito carinho e acredito que teremos sucesso. 

Vagner Mancini quer dar orgulho para a torcida da Chapecoense Foto: JF Diorio/Estadão

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Logo após a tragédia muitos clubes se dispuseram a ajudar a Chape. Isso, de fato, ocorreu?  Todo esse apoio não se comprovou, mas a gente entende. Há clubes que vivem uma situação financeira que não permite tal apoio e a gente tem que entender isso. É verdade, porém, que alguns estão ajudando bastante, como Palmeiras, Atlético-MG e Cruzeiro, mas outros não deram ajuda alguma. O Brasil passa por um momento complicado, então não queremos falar mal de quem não ajudou, mas exaltar quem tem dado apoio.

Mesmo com essas dificuldades, chegaram jogadores que tiveram certo destaque no ano passado, como Grolli, Diego Renan e Reinaldo. Você chegou a ir atrás dos jogadores?  Aconteceu algo bem interessante. Temos uma rede de pessoas que nos passam informações. Eu tenho um banco de dados, o Rui Costa (diretor executivo de futebol da Chapecoense) tem um e o Maringá (diretor de futebol) tem outro. Juntamos tudo isso, corremos em todos os clubes e começamos a analisar as opções. Eu tinha um quadro na minha sala, onde ia anotando os nomes em verde e vermelho. Verde era quem realmente a gente queria e os vermelhos eram a segunda opção. Mudávamos a lista constantemente. No fim, conseguimos montar um elenco competitivo. 

O mundo está de olho no que acontece com a Chapecoense. Isso é bom ou ruim? Acho que, se colocar na balança, vai mais ajudar. A visibilidade faz com que você, se tiver um marketing que funcione bem, aproveite para buscar recursos e fazer com que o clube cresça em um todo. Mas é importante destacar que não podemos transformar a Chapecoense em um Big Brother, onde tudo é mostrado. Isso atrapalha o rendimento do trabalho. A visibilidade é importante, mas pode causar danos. Então, vai ter a hora que a gente precisará se fechar e espero que todos entendam e respeitem. Além do mais, temos força para lutar, mas somos a Chapecoense, um clube com recursos limitados e que não mudará isso de um dia para o outro, por causa da tragédia. 

É a maior experiência da sua carreira? Te respondo com uma pergunta: ‘Para qual treinador não seria?’ Nenhum técnico do mundo passou por isso que estou passando, de ter que reconstruir um time após uma tragédia deste tamanho. Estamos acostumados a remontar time, mas o contexto faz com que tudo seja diferente. Por isso a gente tem tomado muito cuidado com todos os atos. Quando a gente chegou em Chapecó, havia uma lacuna muito grande. Quem está chegando precisa acumular funções para fazer o processo andar. Não é o maior desafio só do Vagner, mas sim de todos que estão na Chapecoense neste momento.

Que jogadores você aponta como símbolo dessa reconstrução? Alguns atletas eu já conhecia e esperava uma postura diferenciada. Tive uma surpresa agradável com outros que chegaram depois. Eles têm demonstrado uma capacidade muito grande de assimilar não só o trabalho e a parte tática, como de entenderem o que está acontecendo na cidade, no clube, e estão dispostos a cooperar no sentido emocional e dentro de campo. A vinda do Artur e do Elias (goleiros), do Douglas Grolli, do Amaral, Wellington Paulista, Reinaldo... Todos têm me ajudado muito. A manutenção do Neném na equipe também é importante e me deixa contente, pois, se estão agindo com tanta personalidade fora de campo, acho que isso se repetirá no gramado.

Quando houve o contato da Chapecoense para contratá-lo?  No dia 6 de dezembro, uma semana depois do acidente, eu estava na chácara do Bordon (ex-jogador), em Ribeirão Preto, meu celular tocou e eu vi o código 049 (da cidade de Chapecó). Era o presidente Plínio (David de Nes Filho, da Chapecoense) me fazendo o convite. Não sei explicar, mas senti uma coisa agradável na hora, como se algo me falasse que eu tinha que aceitar imediatamente o convite e assim o fiz. Nem chegamos a entrar no campo financeiro. Isso foi na terça. Na quarta, a gente se encontrou e já começamos a discutir o que fazer na equipe. 

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Os jogadores tinham uma relação próxima com os habitantes de Chapecó. Como a população te recebeu? Existia uma proximidade muito grande mesmo, até pelo tamanho da cidade, que tem pouco mais de 200 mil habitantes. Percebi que isso deve continuar. Um dia, eu estava saindo da Arena Condá a pé e duas senhoras vieram falar comigo. Elas falaram que esperavam por um ano maravilhoso, depois de tanto sofrimento. Chorando, elas pediram para que eu fizesse o máximo para ajudar os que partiram. Fiquei emocionado. Sabemos que precisamos fazer o melhor possível, porque Chapecó é uma cidade que merece esse carinho depois de tudo que sofreu.

A Chape foi eliminada nas quartas de final da Copinha. O que achou do desempenho? Foi uma belíssima campanha. Os meninos foram determinados e lutaram até o fim, representando com muito orgulho a camisa da Chapecoense. O time estava desfalcado, pois os quatro principais garotos do time foram promovidos para o principal e vi alguns garotos com potencial para aproveitarmos também.

Muito se falou da Chape contratar um craque como Ronaldinho e Riquelme. Existe essa chance? Discutimos o assunto, mas não encontramos quem desse um retorno de marketing e dentro de campo. Além da dificuldade do mercado, tem a questão financeira. Não podemos pagar salário elevado.