"Esse narrador é p..." Foi assim que o streamer Casimiro Miguel definiu o alagoano Henrique Pereira, que vem se destacando nas transmissões da Copa do Nordeste, tanto na plataforma própria quanto no TikTok, onde a competição se tornou pioneira, como também na Rádio CBN Maceió e como apresentador da Band Nordeste.
A mudança do panorama das narrações esportivas de futebol vem sendo uma tônica nesta temporada. Na transmissão do Mundial de Clubes, por exemplo, a Band criou duas faixas de transmissão para a final: uma que seria mais sóbria, com comentaristas isentos e mais bem alinhados com as palavras, e outra com torcedores do Palmeiras, que garantiriam um tom mais divertido e humorado.
A Record também saiu com essa. Detentora dos direitos do Campeonato Paulista, a emissora se fez transmídia, com o uso da TV e da Internet para criar ainda mais proximidade com seus espectadores. Ou tentar. A emissora, inclusive, já conquistou a liderança das transmissões com esse formato em algumas ocasiões, capitaneada pelos humoristas Bola e Carioca, pelos jornalistas Márcio Canuto (ex-Globo) e Zé Luiz e, claro, pelo narrador Silvio Luiz.
O investimento das emissoras nas novas formas de se fazer transmissões esportivas também é sentido conforme o conteúdo é passado. No caso do NordesteFC, detentor da Copa do Nordeste, foi criada uma central de transmissão dedicada à estreia da disputa, entre CRB e Sport, que foi transmitida em três mídias: TV, aplicativo e TikTok, cada uma com suas características.
Acostumado a um tom mais leve, Henrique conta que conseguiu brincar ainda mais com a transmissão naquela rede social. Ele imita sons que viralizam, manda recados para colegas pessoais e até apela para referências do cotidiano, como o Big Brother Brasil ou um possível react de Casimiro na Twitch, para se divertir com sua audiência. A linguagem é totalmente desprovida de qualquer enredo. Fala-se o que vem na cabeça, e talvez essa seja a nova sacada para prender quem está acompanhando em casa.
“Eu sempre curti uma linguagem mais descontraída desde que me propus a narrar jogos, até porque sei que minha voz não é a “típica voz” de locutor. Sempre tive como referências caras que eram clássicos, mas que traziam um pouco de irreverência. Então, quis aliar as duas coisas, até porque cada vez mais o entretenimento anda junto da comunicação. Mas sem esquecer de passar credibilidade, claro”, diz.
Para jornalistas mais tarimbados no meio, o novo modelo causa certas preocupações. No caso do lendário Silvio Luiz, que está com 87 anos e décadas de transmissão, havia o receio de que a repercussão fosse negativa. Ele driblou o sentimento e aceitou o desafio do Campeonato Paulista e espera continuar fazendo dar certo.
“Gosto de novos desafios, mas no começo fiquei um pouco preocupado com a repercussão. Mas me disseram que o público gostou, que foi boa! Agora, continuamos trabalhando para acertar ainda mais o caminho a fim de atingir um público jovem, que vive na internet. É esse o nosso norte”, conta.
Agora, pare e pense em uma voz marcante, cheia de alegria, quase aos gritos, entrando em sua casa diariamente. Foi assim que Márcio Canuto, sempre com bom humor, direcionou a sua carreira durante 57 anos de ‘trabalho intenso’, como ele próprio define. Ele havia decidido se aposentar para viajar, mas a pandemia estragou os planos e trouxe consequências piores ao jornalista alagoano, ex-Globo.
“Eu fiquei frustrado. Inquieto, impaciente. Tive crise de ansiedade.Aí surgiu, na hora certa, este convite da Record TV. E com ele aquela dúvida: estou em condições físicas para enfrentar o sobe e desce da arquibancada, consciente de que não ia mais desfrutar do fim de semana? E seria capaz de manter o entusiasmo nesta minha volta aotrabalho?”. A resposta está no ar, nas transmissões dos jogos do Estadual.
Canuto ressalta estar se sentindo, de novo, um adolescente. Para dar conta das novas demandas, porém, ele teve de preparar a sua própria saúde, já que os 75 anos de idade exigem mais cuidado. Ele intensificou a rotina de exercícios físicos e ganhou fôlego para estar nas arquibancadas. “O pouco juízo que tenho disse que sim, que seria capaz. A empolgação que encontrei no encontro com o Antonio Guerreiro e o Clóvis Rabelo, amigos e gestores do jornalismo da Record, foi determinante. Eles me motivaram. Acrescente-se a isto minha saudade do futebol e do contato com o povo. Adoro esta convivência popular. Uma coisa que me emociona é a recepção das torcidas. Nos jogos que trabalhei, só recebi manifestação de carinho, de apreço e alegria. Espero que continue assim", disse.
MAIS ESPECTADORES
As transmissões de eventos esportivos também ganharam novas nuances com streamers, à exemplo de Casimiro Miguel, que tem acordo com o Campeonato Carioca, e Gaules, o primeiro do mundo a realizar transmissões oficiais da NBA na Twitch, em 2021. O último também transmitiu a prova de Interlagos da Fórmula 1 do ano passado e tem acordo com a Stock Car Pro Series em 2022. Essas transmissões no Twitch fazem sucesso, fala diretamente com a molecada e já arrastou para dentro de sua plataforma personalidades como Neymar e Ronaldo, dono do Cruzeiro.
De acordo com Bruno Maia, CEO da Feel The Match e executivo de inovação no esporte e autor do livro "Inovação é o Novo Marketing”, o caso de Casimiro é um dos que mais chamam a atenção entre os atuais, especialmente pela potencialidade atingida pelo streamer. "O Casimiro é um gênio no que faz e da sua geração. A essas pessoas é dado o dom de traduzir o zeitgeist em atitudes, obras, criações. O que ele tem feito é nos ajudar a visualizar o tempo que já nos cerca, as mudanças que já aconteceram e como elas dão nova forma ao mundo que vivemos. Ele faz tudo isso tanto pelo aspecto cultural do que produz quanto pela estética que apresenta, mas também fazendo o mercado de comunicação se dar conta de onde estamos chegando com a forma que conduz sua carreira com as escolhas que tem para si”, analisou.
No caso da Record, a proposta de ser transmídia de conteúdos já vinha ocorrendo em alguns casos. Segundo a Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia da Record TV, Beatriz Cioffi, a ideia é que os programas sempre ultrapassem a grade da TV, ‘oferecendo uma experiência completa, 24 horas, com apoio dos seus produtos digitais’. A emissora entende que a transmissão do futebol é o que há de mais precioso.
“O principal produto digital do Campeonato Paulista precisava estar também baseado na transmissão. E para diferenciar do que já estava previsto para a TV, nada como entregar ao público uma linguagem que é a cara da internet, repleta de humor e com memes ao vivo, criados chute a chute, e mais: junto com quem está assistindo”, diz.
Segundo Cioffi, as conversas para essas transmissões surgiram desde a decisão da compra dos direitos do Campeonato Paulista. Os processos ainda estão em andamento, sob a possibilidade de criar um conteúdo melhor e em cocriação com o público, que comenta a transmissão nas redes a partir da hashtag #PaulistãoNaRecord.
“Conduzir uma transmissão com os comentários dos humoristas Carioca e Bola é certamente uma experiência engraçada. O clima te envolve! Sem contar que Silvio Luiz é muito divertido e abraçou o projeto. A química deu certo e o resultado foi muito espontâneo. As gargalhadas, como estão aí os vídeos virais do Bola para mostrar, são consequências naturais. Temos acompanhado os comentários nas plataformas digitais e o público tem gostado bastante de conhecer esse lado do locutor que é referência em narração para tantos brasileiros”, disse.
Sob a tendência das novas transmissões, Guilherme Figueiredo se tornou fundador e diretor executivo da NSports, primeira plataforma brasileira de streaming esportivo. Segundo ele, há um elemento muito brasileiro nisso, que é o fenômeno dos grandes streamers transmitindo esportes e obtendo recordes de audiência.
“No exterior, dois formatos chamaram a atenção recentemente: a Nickelodeon fazendo uma transmissão da NFL específica para crianças com efeitos visuais, explicações do jogo e repórteres infantis, e também os irmãos Manning fazendo uma transmissão do Monday Night Football quase em um formato talk show com convidados ilustres do passado, mas também com atletas do presente comentando”, analisou.