'No futebol feminino é preciso sair da zona de conforto', diz diretora do Corinthians

Cris Gambaré lidera desenvolvimento da modalidade no clube desde sua retomada, em 2016

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Por Daniele Bellini
Atualização:

A retomada de sucesso do futebol feminino no Corinthians teve desde o início a dedicação de Cris Gambaré. Com mais de uma década de história de trabalho no clube, a diretora comanda uma equipe de 72 pessoas, contemplando o departamento administrativo, as atletas e as comissões técnicas, e luta diariamente para fazer a modalidade acontecer. Em entrevista ao Estado, a paulistana de 45 anos contou detalhes sobre o projeto que rende frutos para o Corinthians e ajuda a impulsionar a modalidade no País. Cris espera que o trabalho desenvolvido no clube possa servir de exemplo para outros times do Brasil e se emocionou ao relembrar o recorde de público em uma partida de futebol feminino, na conquista do título do Paulista de 2019, dentro da Arena Corinthians

Cris Gambaré, diretora de futebol feminino do Corinthians Foto: Bruno Teixeira/Corinthians

Qual sua trajetória no futebol feminino? Ela é de amor. Ao entrar no Corinthians fui conselheira do clube durante 11 anos, saí em 2018 para ficar à frente da gestão própria do futebol feminino. O início do projeto aconteceu em 2015, a pedido do presidente. Eu sabia quais eram as dificuldades do Corinthians na época, quanto à estrutura, ao campo, não poderíamos fazer nesse primeiro momento aqui dentro. Então surgiu a possibilidade de conversar com o Audax. Antes disso quis conhecer o treinador. Conversei com o Arthur Elias e houve uma sinergia muito grande. Foi quando nós fechamos a parceria com o Audax, sendo 50% deles e 50% do Corinthians. Esse foi o momento da retomada da modalidade dentro do Corinthians. Como foi a decisão trazer o futebol feminino para dentro do Corinthians? Em 2018 tivemos a sinalização da obrigatoriedade, que digo que foi a oportunidade de ter o futebol feminino dentro do clube (times masculinos da Série A do Brasileiro deveriam ter equipes femininas a partir de 2019). Em uma das reuniões de final de ano, em 2017, depois da Libertadores, falei que era a hora de voltarmos para o Parque São Jorge. Então, em 2018, implantamos o departamento aqui. Pedi o compartilhamento de estrutura com a base e deu super certo. Mas tivemos que abrir mão da vaga na Libertadores de 2018, e fizemos isso em comum acordo com as atletas que vieram conosco e a comissão técnica. Tentamos nos candidatar para sediar a competição, assim poderia ser que uma vaga viesse para o clube. Na decisão o torneio foi para Manaus. Então, fizemos nossa lição de casa em 2018 e fomos buscar a nossa vaga para 2019. Fomos campeãs do Brasileiro em casa, na Fazendinha, e esse ano disputamos a Libertadores. 

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E o ano de 2019? Existe um planejamento desde que nos propusemos a estar dentro do Parque São Jorge. Esse ano conquistamos o título Paulista, a Libertadores e o vice do Campeonato Brasileiro. No ano passado falávamos que teríamos de fazer em 2019 igual ou mais do que em 2018, porque nós seríamos cobrados. E nos surpreendemos, batemos recordes, como na final do Paulista. Não imaginava que fosse acontecer algo tão grandioso como ocorreu na Arena.

Quando vocês disponibilizaram os ingressos para a final do Paulista imaginavam que a procura seria tão rápida? Não! Foi uma coisa em cima da outra, os recordes. Em cinco horas foram 36 mil ingressos retirados. Filas de pessoas querendo estar junto do futebol feminino.

Você disse que o feminino ainda não anda com as próprias pernas. Como está o planejamento para ele ser sustentável financeiramente? Em reunião com o presidente e com a diretoria, eu disse que o feminino começaria a se pagar em 2020, e ,acertei. A modalidade vai começar a se pagar, não 100%, porque ainda estamos trabalhando, mas acredito que quase 50%. Nossos parceiros estão muito felizes, estão vendo que estamos entregando tudo o que foi combinado. Creio que em 2021 o futebol feminino dentro do Corinthians e até no Brasil consiga ter mais investidores.

Quais são as fontes de receita que irão pagar o futebol feminino? Patrocínio. Nós utilizamos muito 'contrapartida'. Se alguém falar 'o futebol feminino é impossível', eu digo: 'É possível'. No último jogo que tivemos do Brasileiro aqui (Fazendinha) conseguimos cobrir os gastos e ainda sobrou dinheiro em caixa. Geralmente não sobra. Tem de trabalhar muito. Cobramos ingressos, existem as lanchonetes. E aí o pessoal me cobrava sobre jogar na Arena. Eu dizia que aconteceria no momento certo, porque isso tem um custo e eu priorizava investir no departamento, nas atletas, prefiro dar uma estrutura melhor para eles. Tivemos esse momento em que jogamos na Arena e marcamos a história. Então, no futebol feminino é preciso arregaçar as mangas, sair da zona de conforto. 

Como é o trabalho com as jogadoras? Elas têm a mesma intensidade de treinamento do que o masculino. Tem a concentração, as mesmas sensações que o masculino. 'Mas e o dinheiro?' Realmente hoje não é igual. Estamos trabalhando para isso e tenho certeza que logo elas estarão muito bem representadas financeiramente. Eu não trato com empresários, quem tem eu respeito e atendo, mas trato diretamente com as atletas e elas sabem disso. Eu digo a elas: 'Vocês devem saber o que vocês querem para a vida, para a proposta de trabalho de vocês.' Em 2018 foi dessa forma, esse ano também falei com elas, e espero, em 2020, falar com todas.

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Como estão as renovações de patrocínios para 2020? Hoje temos um ônibus próprio que foi disponibilizado por dois parceiros, que estão muito felizes e vão renovar para 2020. Os hotéis que fazemos concentrações negociamos contrapartidas. Temos também a Minds que dá aulas de inglês para a base aqui no clube. O alto rendimento tem aulas em unidade fixa ou à distância. A Estrella Galicia disse que irá continuar, estamos em negociação (a marca aporta um valor que entra pelo masculino e vai para o feminino). A Danone está conosco fornecendo proteínas e são utilizadas as redes sociais na divulgação.

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