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'Nós somos meio bipolares', afirma técnico Levir Culpi

De volta depois de seis anos no Japão, treinador do Atlético-MG também se esforça para educar jogadores

Foto do author Almir Leite
Por Almir Leite
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Levir Culpi passou 6 anos no Japão. Era admirado, respeitado. Decidiu voltar ao Brasil no final do ano passado e em abril deste ano retornou ao Atlético Mineiro, clube de onde saiu em 2007 rumo ao Oriente. Pressentia que iria viver fortes emoções nessa quarta passagem pelo Galo. Acertou em cheio. Precisou “enquadrar’’ alguns jogadores, foi decisivo para que o já desmotivado Ronaldinho Gaúcho seguisse seu caminho, mandou indisciplinados embora, deu chance a garotos como Jemerson e Carlos. Formou um time competitivo, já tem um título (da Recopa Sul-Americana) e está bem perto de comandar uma das conquistas mais importantes da história do clube, a Copa do Brasil, que se vier no próximo dia 26 será em cima do arquirrival Cruzeiro. Gloria suprema. Tudo com muita emoção, como nas vitórias por 4 a 1 sobre Corinthians e Flamengo pelo torneio. Tudo sem perder o humor, as tiradas inteligentes e a franqueza. Sinceridade que lhe permite dizer com todas as letras que o brasileiro é um povo de boa índole, mas carente de educação. E lamentar esse atraso que, diz, se reflete no comportamento dos jogadores. Aos 61 anos, Levir revela ao Estado não pensa em parar. Se o fizer, vai sentir falta até de ser xingado pela torcida. Xingamentos que inspiraram o título do livro que escreveu. “Um burro com sorte’’, lançado este ano, tem toda a renda revertida para o Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba, referência em pediatria. É a forma que Levir encontrou para contribuir com a sociedade.

Levir Culpi está próximo de levar o Atlético a um título histórico Foto: BRUNO CANTINI/ESTADÃO

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Levir está com 61 anos, mas parar não está nos seus planos Foto: BRUNO CANTINI/ESTADÃO

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Mas teve o lado bom de praticamente se esquecerem do que ocorreu em 1950? Pois é. Eu acho que 1950 foi pior, que a pancada foi maior. E depois disso o Brasil foi 5 vezes campeão mundial. Então, dessas tragédias muitas vezes... O Japão renasceu de uma tragédia. Eles perderam uma guerra, o povo ficou arrasado e (o país) chegou a ser a segunda melhor economia do mundo. Então às vezes uma tragédia acorda a gente. Tomara que isso possa acontecer.O que precisa ser feito no futebol brasileiro em termos de organização, de qualidade... E está sendo feito? Já se passaram 4 meses dos 7 a 1... O engraçado é essa referência. Aprendeu! Vamos mudar o futebol brasileiro! Mas é uma coisa muito difícil. Porque não é só o futebol. Falam que o futebol tem de ser tratado igual na Alemanha, que lá os caras são organizados... Na Alemanha tudo é organizado. O transporte funciona, o povo é bem educado, os campos são limpos, os times pagam em dia... Ali o futebol funciona. Agora, a gente quer consertar o futebol como se o futebol fosse um problema nacional. É. Mas você tem de melhorar tudo. A qualidade da imprensa, que é muito amadora. Igual ao jogador, igual aos técnicos, somos muito amadores ainda. Precisamos melhorar tudo e eu só encontro uma solução para isso, uma palavra só que é educação. Então não adianta querer consertar uma coisa só no Brasil pra funcionar. A gente tem o dom do jogo, tem organização, observação, pode melhorar muito, mas nunca vai ser muito organizado. Até vai ser, mas a nossa geração não vai acompanhar isso.Essa decisão da Copa do Brasil é especial. Decidir com o Cruzeiro aumenta a responsabilidade? Sei que é o jogo mais importante para todo mundo. Para mim também. Vai ser o primeiro titulo do Atlético. Então, o valor do título para mim é muito importante. Você gosta de trabalhar com a base. No Japão, revelou vários jogadores... Isso é uma coincidência que começou aqui, nos times em que eu ia passando. Lá no Japão tem uma coisa: eles respeitam muito os mais velhos. Mas eu não vejo bem assim (no futebol) e falei para os jogadores. No futebol é a capacidade, são os números. Se tem menino de 18 que está fazendo gol e o cara de 30 não está fazendo, vai jogar o de 18. Eu procurei passar essa confiança para eles e deu certo. Foi uma coincidência também que vários meninos foram para a Europa, para a seleção japonesa. É muito legal.E aqui no Brasil? É a mesma coisa. Eu chego num clube e se perceber que o menino tem potencial vai. Por exemplo, a zaga do Atlético é excelente. Tem o Leonardo (Silva), Rever, Emerson, Edcarlos. São quatro zagueiros de ótimo nível e quem está jogando atualmente é o Jemerson. Então e uma questão de competência.A garotada dá mais trabalho? Tem de conversar, ensinar, conscientizar? O Jemerson às vezes faz firulas perigosas. O estilo dele é esse mesmo. Mas temos conversado sobre isso. Mas é a maneira de o jogador jogar. Ele não vai ser muito diferente disso. Ele não vai mudar muito, mas dá para melhorar. Ele é muito jovem. É igual o Carlos, o atacante. A gente tem algumas técnicas de finalização, de defesa. Vídeos que a gente analisa, mostra para os jogadores, isso pode desenvolvê-los um pouquinho melhor.Revelar jogadores é a saída para o futebol brasileiro no estágio atual? Acho que os jogadores continuam brotando. O que precisa é uma sequência, um encaixe, deixar o cara amadurecer para produzir. Quando você vê um menino promissor, se fizer dois, três anos de alto nível está fora (do clube). Está na Europa ou na mão de empresários, isso tira um pouco o foco da sequência. Uma sequência legal é o cara subir, conquistar dois, três títulos, aí se afirma. Mas há uma rotação muito rápida, muito alta dos jogadores. Isso se deve ao advento do empresário. Há uma necessidade de fazer transação, pois na transação muita gente ganha dinheiro. Então isso prejudica um pouco o andamento do jogador, a sequência nos times onde os jogadores nos times onde foram formados.Você está com 61 anos, há quase 50 no futebol. Pretende ir até quando? E exercer outra função? Essa é mais uma resposta que eu não consigo dar. Fico pensando pelos dois lados. Aquela coisa: volta para casa, para ficar com a família. Agora vou curtir. Vou viajar, vou às compras, um mês numa boa. Aí, penso: agora vou pescar, mais um mês pescando. Aí vou ao supermercado (rindo). Vou fazer o quê. Não tem um jogo, não tem ninguém te xingando, não tem adrenalina... Então não tenho opinião formada sobre isso. Preciso me preparar para parar. Eu não tive esse problema como jogador, que é um dos maiores dos atletas, porque quando eu voltei de férias, voltei como técnico (do Juventude). Agora é outra parada. Vou para casa, vou fazer o quê? Ser um diretor técnico é algo que já passou por sua cabeça? Eu falo brincando que vou ser comentarista de futebol. Porque a melhor profissão do mundo é a de técnico e a segunda melhor é a de comentarista. No livro que escrevi, eu brinquei que o comentarista joga com 22, faz 6 substituições e nunca perde um jogo. É uma ótima e fica falando de futebol, que é a coisa mais gostosa do mundo. Então numa dessas, ser comentarista, alguma coisa assim, pra não sair do meio. Não sei o que pode acontecer.Do ponto de vista financeiro você já está estabilizado. Não sente falta do convívio mais próximo com a família? Na verdade eu sou um dependente da minha mulher e das minhas filhas. Se elas quiserem me dar um pé na bunda amanhã, eu vou sair sem nada, porque eu não sei onde está o dinheiro, não sei quanto é, não sei nada. Tenho duas filhas, Janaina e Maira, e a Marília, minha mulher. São elas que administram os negócios, nós temos restaurantes em Curitiba, administram tudo. E eu, como meu pai (seu Nino) mesmo falou, nunca trabalhei na minha vida. Só joguei futebol. Um dia ele me falou isso. Disse que queria saber se um dia eu resolvesse trabalhar, o que iria fazer na vida (risos). Eu não ligo pra nada, não tenho plano. As coisas vão acontecendo.Se contrato com o Atlético vai até dezembro e o (Alexandre) Kalil está saindo da presidência. Isso interfere de alguma maneira? Sim, porque o Kalil foi me buscar em Curitiba, ele confiou em mim, e nós acertamos o contrato em dois minutos. Ele é um cara muito franco e eu respeito as pessoas que são parecidas comigo. Ele gosta de falar o que sente, isso ajuda bastante.Falta sinceridade no futebol? Claro! A maioria das pessoas que falam sobre futebol esconde o que pensa. Elas se escondem. É aquela coisa de não (se)queimar, não falar... A maioria das pessoas não fala o que gostaria de falar. Isso é ruim por um lado, porque você às vezes deixa de ter os jogadores, por exemplo, a seu lado. Mas por outro lado às vezes você perde o emprego. Você fala a verdade, os caras ficam magoados e te mandam embora.Você acha um absurdo um técnico ganhar R$ 600 mil, R$ 700 mil por mês? Acho. Mas tem uma outra coisa: se você considerar o mundo capitalista, não é, porque, por exemplo, o Roberto Carlos ganha R$ 1 milhão (por show) e o Zeca e o Zequinha ganham para comer. É muito parecido no futebol. O atleta mais bem pago do mundo é o Cristiano Ronaldo. Se quiser ganhar igual a ele, joga igual a ele. Então não é que seja uma injustiça (os salários). O que eu acho é que é falta de planejamento. Você não pode ganhar, digamos, R$ 1 milhão para o Ronaldo se você não tem esse milhão. Você tem de fazer um time com o Zezinho e procurar fazer o melhor. Acontece que os times pagam salários altíssimos para os técnicos e alguns jogadores e não conseguem honrar os compromissos. Essa é que é a minha queixa. Não existe uma estrutura capaz de pagar isso. Então paga menos. É como no Brasil todo, há uma disparidade muito grande entre uns e outros. Acho que dava para achatar um pouco mais.Tem algum projeto social? Eu lancei um livro (Um burro com sorte), vou fazer o lançamento aqui em São Paulo, o livro vai ter toda a renda para o Hospital Pequeno Príncipe em Curitiba. Já fiz o lançamento em Curitiba. É um hospital referência nacional de atendimento pediátrico. Você entra no hospital, tudo funciona. Só que eles dependem de doações. 

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