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Futebol, seus bastidores e outras histórias

Opinião|O futebol e a covid-19

Temo que o futebol perca seu interesse durante a pandemia, onde não há espaço para ele

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Foto do author Robson Morelli
Atualização:

Todo minuto de silêncio no futebol, desde que a pandemia começou a empilhar números e estatísticas, jogadores dos dois times prestam reverência aos mortos e seus familiares. Depois disso, o jogo segue normalmente. Após cada escalação anunciado, o narrador também informa o número de óbitos pela covid-19 de acordo com o levantamento feito pelos veículos de comunicação do qual o Estadão faz parte. Depois disso, com a bola no meio de campo, o árbitro autoriza o começo do jogo. São 90 minutos como se nada estivesse acontecendo nas casas onde o futebol entra.

As informações sobre o novo coronavírus e o rastro de destruição que ele está deixando nos Estados brasileiros, e no mundo, em maior ou menor grau, com mais ou menos controle, nos chegam antes, depois ou ao mesmo tempo de um gol do nosso time. Não há como comemorar, por mais que todos estejam tentando se apegar a outras coisas ou a desviar os olhos e a atenção ao que ocorre no Brasil nesse momento. É impossível. Há muito sofrimento e pouca esperança, a não ser com a chegada e a distribuição de muito mais vacina.

Cruzeiro faz campanha pela vacinação em camisa usada em jogo do Campeonato Mineiro Foto: Marco Ferraz / Cruzeiro

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Futebol, entre outras coisas, é alegria. Não combina com a dor da pandemia. Há uma diferença do Brasil em relação aos países europeus e até aos EUA nesta mistura de esporte e covid.

Lá fora, diferentemente daqui, havia esperança porque existia planejamento, ações mais rápidas, compreensão, comando. As pessoas também entenderam a gravidade da situação e deixaram de abusar. O esporte parou, foi colocado em bolhas, voltou, abriu os portões parcialmente, recuou, avançou. Havia união e respeito. A turma do esporte se fez ouvir. Ajudou a decidir. Aceitou parar quando isso foi preciso.

Não houve Copas do Mundo e Jogos Olímpicos nas duas Grandes Guerras (1914-1918 – Primeira Guerra Mundial/1939-1945 – Segundo Guerra Mundial), quando pessoas estavam morrendo em batalhas e civis em suas cidades. O mundo novamente está em guerra e mais uma vez vidas estão sendo perdidas. Na gripe espanhola, em 1918, o futebol parou. Muitos atletas e dirigentes morreram. Era um outro Brasil, com menos recursos e bem menos ainda informações sobre a doença. Tudo era mais lento e de maneira amadora.

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O futebol, ainda nos seus primórdios, não dependia tanto do dinheiro reivindicado pelos clubes como agora.

Temo que o futebol em meio à pandemia nos faça perder a sensibilidade. Temo que a gente se acostume a misturá-lo com as notícias ruins da covid-19. 

Falta oxigênio em Manaus. Os dois times já estão em campo... Não há mais vagas nas enfermarias e UTIs nos hospitais. Falta perigoso na entrada da área... Idosos fazem fila para a vacina, mas não são atendidos porque o estoque acaba antes. Árbitro é chamado pelo VAR e valida o gol... Gooolll! Pacientes morrem na fila antes mesmo de ganhar leito para a covid. Fim de jogo...

A questão não é defender o futebol e fazer cumprir seu calendário. Tampouco receber as cotas de TV e de participação, além das premiações, embora esse seja um problema das empresas, dos serviços que estão parados, das fábricas sem insumos e de tudo mais que faz a economia patinar. Para isso, é preciso pensar em soluções. A energia investida para brigar pela realização dos jogos deveria ser canalizada na criação de caminhos que pudessem gerar recursos e evitar gastos para o futebol e ainda renegociar contratos.

Temo ainda que essa insistência dos dirigentes e dos clubes torne o futebol um produto sem importância para as pessoas, irrelevante, desinteressante até. Infelizmente, não estamos longe disso. O futebol brasileiro corre risco também. 

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Opinião por Robson Morelli

Editor geral de Esportes e comentarista da Rádio Eldorado

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