PUBLICIDADE

Publicidade

Palmeiras joga no ?estádio-fazenda?

Por Agencia Estado
Atualização:

Vacas pastam placidamente numa área que serve de campo de treino, garotos brincam em ruas de terra e sem movimento, os ruídos de Assunção estão muito distantes e a vida segue em ritmo lento. O "Roberto Bettega", palco do início da 11.ª aventura do Palmeiras na Taça Libertadores, é um estádio rural. A obra bancada pelo empresário e dono do time, o argentino Francisco Ocampo, é uma ousadia levantada no meio do mato ? ou, pelo menos, em uma zona em que há muito verde e tem ar de fazenda. A arena que nesta quarta-feira recebe, por exemplo, o pentacampeão mundial Marcos, fica a 20 quilômetros do centro de Assunção, está em Zeballos Cué, um bairro periférico, e parece o capricho de um pecuarista rico. Em princípio, não há muito sentido erguer um centro esportivo para 20 mil torcedores em local de acesso pouco convidativo e para uma equipe que não costuma arrastar mais do que 500, 600 torcedores em suas apresentações. Muito menos do que levava, quando ainda usava as velhas instalações do "Toribio Vargas", para 4 mil espectadores e que fica no Jara, bairro popular e onde o Tacuary passou a maior parte de sua história de 82 anos de existência. O passado ficou para trás, o antigo estádio serve para a garotada das equipes de base e o "Roberto Bettega" significa o futuro. Como concepção arquitetônica, é bem simples e não há nada de futurista, como os monumentos erguidos por coreanos e japoneses para a Copa de 2002. Ao contrário, a nova casa do Tacuary é simples e tradicional: um lance de arquibancadas cobertas, sob as quais estão os vestiários e a administração. Na parte oposta, outra arquibancada, descoberta, e à direita, mas afastada do gramado, uma terceira bancada, mais afastada do gramado. Há quatro torres de iluminação. O Tacuary tem mandado regularmente seus jogos no "Roberto Bettega", inaugurado dois anos atrás, com a presença do homenageado, o ex-jogador e hoje vice-presidente da Juventus. Francisco Ocampo resolveu batizar seu sonho com o nome do astro porque era um de seus ídolos e também porque mantém bom relacionamento com a equipe italiana, com a qual já fez negócios, em acordos de cooperação e de cessão de atletas. Os funcionários do clube nos últimos dias têm trabalhado em dobro, para deixar tudo dentro dos padrões exigidos pela Confederação Sul-Americana de Futebol, que tem sede suntuosa a dois passos do aeroporto de Assunção. Vidros foram repostos nos vestiários, a grama foi aparada (mas em alguns pontos está alta e irregular) e até foi improvisada uma bancada extra para a imprensa. Os dirigentes sabem que nunca tantas emissoras de tevê, de rádio, além de jornais se interessam em reservar espaço para ver em ação a equipe que tem escudo muito parecido com o de Santos e Bragantino. Paisagem - Para chegar ao "Roberto Bettega", o Palmeiras passará por pontos importantes de Assunção. Um deles ? e mais triste ? fica no cruzamento das avenidas General Jose Artigas e Santíssima Trinidad. Nesse ponto, está o que sobrou do Ycua Bolaño, supermercado que no dia 1.º de agosto do ano passado pegou fogo e provocou a morte de 600 pessoas. Uma tragédia que poderia ter sido menos traumatizante, se funcionários não tivessem fechado as portas, supostamente por ordem dos donos, para evitar saques na fuga do fogo. O Bolaño virou ponto de romaria e de protestos. Todos os dias, pessoas que perderam parentes, mortos carbonizados, vão ao local rezar. Domingas Ramirez ontem levava flores para colocar diante da foto de sua sobrinha Maximina Godoi, de 22 anos, uma das vítimas. Há fotos de todos os que morreram e a prefeitura planeja fazer um memorial no local. Hoje, seis meses depois da tragédia, estão previstas mais manifestações. A delegação brasileira passará também diante do clube Libertad, tradicional, que está na Libertadores e que tem o Tacuary como ?ameaça? a roubar-lhe torcedores na região. Pouco mais adiante, a paisagem se transforma e tem aspecto de cidade do interior. Primeiro surge o Jardim Botânico, enorme área verde, atrás da qual está a pequena colina onde foi erguido o "Roberto Bettega". Depois, vem o 4.º Regimento de Infantaria, que tem como preso ilustre o ex-general Lino Oviedo, que anos atrás tentou golpe de estado. Pouco mais adiante, há o reservatório de água de Assunção e um pequeno trecho de rua com calçamento parecido com os das ruínas de Pompéia. Algumas casas simples, um descampado e ao fundo aparece o estádio. Há uma porteira na frente, que lembra a de velhas fazendas, e pequenos criadores de gado da vizinhança têm autorização para deixar suas vaquinhas pastando numa área que pode ser usada para treinos. O benefício é recíproco: as vacas se fartam e a grama fica aparada de graça. A combinação de imagens é bonita, quebra a pompa que deveria cerca um jogo do principal torneio de clubes da América do Sul. Mas é justamente por ser América do Sul que pode existir essa combinação. Despedida - Esse, no entanto, será o único jogo no "Roberto Bettega". Se passar para a fase principal, o time deverá enfrentar Cerro Porteño, Deportivo Tachira e Santo André em outro local. Pouco importa, o que vale é o jogo histórico de quarta. Depois, as vaquinhas poderão retornar a seu ritual de sempre e ruminar em paz a grama do campinho da frente do estádio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.