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Pegamos os dirigentes de surpresa', diz Paulo André

Mesmo da China, jogador tem participado ativamente das discussões do movimento que ajudou a criar e liderou no ano passado

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Foto do author Raphael Ramos
Por Raphael Ramos
Atualização:

Como você tem acompanhado e participado do Bom Senso aí da China?Participo ativamente das discussões do grupo via whatsapp, e-mail ou skype. O movimento conquistou inúmeras vitórias nesse primeiro ano de vida e, mais importante, aprendeu, meio que na marra, que o caminho a ser percorrido para recolocar o futebol brasileiro nos trilhos ainda será longo e repleto de dificuldades já que não se muda um sistema ou uma mentalidade, por mais arcaica que ela seja, do dia para a noite.Qual é a sua avaliação sobre o primeiro ano de trabalho do Bom Senso?Extremamente positiva. Conseguimos frear a LRFE na Camara e estamos discutindo emendas ao projeto. Fizemos duas audiências com a Presidente da República, levamos atletas à Brasilia, à CBF, apresentamos propostas concretas de Fair Play Financeiro e de Calendário para todo o futebol brasileiro. Mostramos a força e a união dos jogadores de diferentes divisões nas ações que promovemos dentro de campo. Depois da Copa do Mundo, muita gente começou a nos dar razão e o nível de discussão, seja na mídia, seja nas conferencias esportivas, alcançou um novo patamar. Além disso, conquistamos o apoio das jogadoras do futebol feminino, dos atletas do beach soccer, da associação dos executivos e também dos treinadores do futebol. Todos estes “players” estão insatisfeitos com a realidade atual, todos enxergam a urgente necessidade de mudanças que, infelizmente, dependem da "boa vontade" da CBF para iniciar o processo de retomada, reforma ou desenvolvimento do futebol nacional em todas as suas dimensões.Dentro do planejamento traçado há um ano, o que foi realizado nesse período? O que ficou faltando realizarSuperamos até as nossas expectativas, sem dúvida. Ou alguém achava que jogadores poderiam fazer o que fizeram? Talvez tenha faltado lidar melhor com as politicagens do futebol. A situação era tão clara e evidente que acreditávamos que ao trazer luz à escuridão as coisas fossem acontecer naturalmente. Escancaramos o problema, o que pegou os dirigentes de surpresa. Eles se assustaram com o nosso nível de entendimento e estudo sobre as mazelas do nosso futebol e acabaram evitando o dialogo pela incapacidade de debater. Quanto mais eles demoram, mais a gente se aprofunda nos temas levantados. As pessoas (cientistas e estudiosos) preparadas para esse nível de debate (com o Bom Senso, por exemplo) estão fora das posições de tomada de decisão dos clubes, Federações e Confederação. Por serem associações majoritariamente político-burocráticas e não técnicas, o processo de entendimento e de reforma é quase nulo.

FR81 SÃO PAULO - 12/02/2014 - ESPORTES - TREINO DO CORINTHIANS - O zagueiro Paulo André assina logo mais nesta quarta-feira sua transferência do Corinthians para o Shangai Shenhua, da China.Na foto Paulo André da coletiva no Ct Dr. Joaquim Grava. FOTO: FELIPE RAU/ESTADÃO Foto:

Por várias vezes houve ameaça de paralisação, mas essa expectativa não se confirmou. Os jogadores brasileiros ainda têm medo de fazer greve por causa das represálias?Esse é um assunto mais do Sindicato da categoria, que defende o direito dos atletas, do que do Bom Senso. O Bom Senso luta por um futebol melhor para todos, não só para os atletas, mas para os clubes, para os torcedores, para os patrocinadores, etc... O BS, pela forte adesão dos atletas é capaz de facilitar a comunicação entre as partes e agilizar o processo. Mas o embasamento legal deve vir do Sindicato cujo relacionamento com os atletas, que era ruim, melhorou bastante nos últimos meses. De qualquer forma, durante o ano, devido ao calendário do futebol brasileiro, há momentos distintos que dificultam a greve. Nos primeiros 4 meses, 15 mil atletas jogam os campeonatos estaduais. Não seria justo paralisar e atrapalhar a única oportunidade que os jogadores têm de aparecer para os grandes clubes do país. Pelo menos foi a essa conclusão que chegamos. Quando os estaduais acabam e mais de 10 mil jogadores ficam desempregados, os jogadores da elite deveriam paralisar o campeonato em solidariedade aos colegas que não terão emprego pelos próximos 6 meses. Isso foi amplamente discutido nos nossos grupos. Mas boa parte dos atletas ainda tem medo da pressão exercida pelos presidentes de clubes, especialmente do interior. No Campeonato Paulista desse ano, há relatos de que o Presidente da Federação ligou para todos os clubes da série A para impedir uma paralisação. Atletas foram ameaçados. Há exemplos que comprovam isso. Veja o que aconteceu no Nautico no ano passado e no Barueri esse ano, os que promoveram as paralisações foram afastados e mandados embora e até hoje têm dificuldade de se reinserir no mercado. Esperam a Justiça do Trabalho julgar o caso enquanto suas carreiras vão pro brejo. Ou seja, se os grandes jogadores (menos expostos as retaliações) não assumirem essa responsabilidade, como aconteceu na NBA ou na Liga Espanhola, a greve jamais acontecerá.O Bom Senso começou com grande apoio popular, mas depois perdeu força. É possível recuperar essa força? Como?O movimento não pode fazer uma ação toda quarta e domingo. Perder um minuto de jogo, sentar no chão, cruzar os braços eram ações que já estavam batidas. As pessoas pedem a greve. Mas quando um jogador fala em não entrar em campo, as torcidas organizadas ameaçam, os dirigentes pressionam, os conselheiros pedem a cabeça do atleta. Se todas essas ações feitas pelo Bom Senso não foram capazes de fazer a CBF e as Federações se mexerem, os 7 x 1 deveriam ter sido suficientes. Se nem o maior vexame da história do futebol brasileiro foi capaz de mudar alguma coisa, nos perguntamos, qual é o caminho a seguir? Quais são os nossos direitos? Queremos democracia, queremos o direito de votar no presidente da CBF para que tenhamos voz lá dentro. Há diversos modelos possíveis, mas alterar o estatuto da entidade depende única e exclusivamente dos presidentes das Federações. E por que alguém legislaria contra si próprio, diminuindo seu poder de decisão? A CBF é blindada pelo artigo 217, inciso I da Constituição Federal, que dá autonomia financeira e estatutária as entidades que administram o desporto no país. É necessário ir para Brasília para lutar por democracia. Só que esse é, como disse no inicio da entrevista, um caminho mais longo, mais demorado, cheio de armadilhas e artimanhas. Então aos olhos do povo, parece que o Bom Senso perdeu força, mas no fundo, ganhamos espaço, aumentamos a consciência do torcedor de que as coisas não estão bem, aumentamos a consciência dos clubes de que não da para continuar como está, e aumentamos o interesse dos atletas em nos procurar para expor as condições precárias de trabalho e da falta do cumprimento dos contratos por todo Brasil. Recebemos reclamação toda semana, encaminhamos para o sindicato e soltamos nota de repudio ou de apoio. Enquanto isso, seguimos em Brasilia e buscamos o apoio dos juristas, advogados, deputados e senadores que lutam pelo esporte e pela democracia para mudar o arcaico e ditatorial sistema político esportivo brasileiro.Faltam mais jogadores bem articulados no Brasil para enfrentar os dirigentes?Não, falta democracia. No dia em que a nossa categoria representar 20, 30 ou 50% do colégio eleitoral, eu quero ver eles não sentarem conosco pra discutir. Atletas, treinadores, clubes da Série B, C e D devem ter o direito a voto. Enquanto os presidentes das federações forem maioria esmagadora e a clausula de barreira exigir a indicação de 8 dessas Federações para que alguém tenha o direito de concorrer ao cargo, esse modelo continuará e ninguém, nem o Bom Senso, nem o Papa e nem você poderá fazer alguma coisa para atrapalhá-los a se perpetuar no poder.Você pensa em voltar a jogar no Brasil?Estou com 31 anos, tenho contrato na China até o final de 2015. Depois disso quero voltar e encerrar a minha carreira no Brasil, conhecendo todos os riscos que eu estarei assumindo com tal decisão.A eleição de Marco Polo Del Nero para substituir José Maria Marin na CBF sinaliza que pelos próximos quatros anos o cenário do futebol continuará o mesmo no Brasil?Infelizmente, sim. Do Teixeira para o Marin e do Marin para o Del Nero, não mudou nada, só muda o tamanho do apetite.

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