Por futebol, iranianas desafiam país e viajam para ver a Copa

Proibidas de entrar em estádios no Irã, jovens foram à Rússia para tentar assistir a jogos do Mundial

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Por Jamil Chade e Moscou
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Elas precisaram deixar o país onde nasceram para realizar um sonho: ir ao estádio ver sua própria seleção jogar futebol. Em Moscou, a torcida do Irã tem sido uma das mais animadas e barulhentas nos arredores da Praça Vermelha, mas são as mulheres as mais empolgadas com a Copa do Mundo.

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Por uma determinação do governo iraniano, as mulheres não são autorizadas a entrar em um estádio de futebol, sob o risco de serem presas. “Aqui, não é o Irã”, comemora Nastaran, uma estudante de odontologia de Teerã, vestida orgulhosamente com a camisa de sua seleção e com uma bandeira na mão. 

Coragem.Nastaran(segunda à direita)e suas amigas, em Moscou: 'Há anos que queremos ir ao estádio. Não é nada demais', diz Foto: Jamil Chade/Estadão

“Há anos que queremos ir ao estádio. Não é nada demais. Só mesmo ir ao estádio e também ter os direitos que os homens têm”, explicou Nastaran. Ela reconhece que, se no Irã o problema é político e religioso, em Moscou o desafio é ter dinheiro para pagar pelas entradas dos jogos da Copa do Mundo. 

“No Irã, temos dinheiro, mas não podemos entrar em campo. Aqui, podemos entrar em campo, mas o ingresso é caro”, lamentou, ao lado de um grupo de cinco garotas, todas preparadas para torcer pelo Irã em Moscou. 

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Ao falar com a reportagem, nenhuma delas se atreveu a dar o sobrenome por temer algum tipo de represália para suas famílias, que ficaram no Irã. Ao serem questionadas se aceitariam tirar uma foto, uma delas foi orientada por um rapaz a se esconder.

O medo não é por acaso. No início do ano, 35 mulheres foram presas por tentar entrar no estádio de Teerã para assistir a um jogo entre o Persépolis e o Esteghlal. Em 2014, uma iraniana foi condenada por fazer “propaganda política contra o Estado” ao tentar entrar em um ginásio de vôlei. Ela passou cinco meses na prisão.

O futebol é o esporte mais popular no país e as equipes femininas não são poucas. Mas o governo não permite que homens e mulheres se misturem num estádio - o motivo oficial é a preocupação com a segurança das mulheres. O Irã é um dos poucos países no mundo que continuam a impedir a entrada de mulheres nas arquibancadas, uma lei em vigor desde 1979, durante a Revolução Islâmica. 

Em 2012, ainda sob o regime de Mahmoud Ahmadinejad, as autoridades iranianas ampliaram as proibições e estabeleceram que nem mesmo jogos dos campeonatos europeus mostrados em telões pela cidade poderiam ter a presença de mulheres. “Homens, enquanto assistem ao futebol, ficam excitados, usam palavras vulgares e fazem piadas sujas”, justificou na época o vice-chefe da polícia, Bahman Kargar.

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Em 2006, o filme Offside, do cineasta iraniano Jafar Panahi, contava a história de garotas loucas por futebol, que arriscavam tudo para ver uma partida. Se o Irã até hoje não foi campeão em praticamente nada no futebol, pelo menos o filme foi amplamente premiado por revelar as violências e discriminações que as mulheres ainda sofrem no país.

DISFARCE EM CAMPO

Há poucas semanas, em um ato de protesto, garotas iranianas se disfarçaram de homens, colocando barbas e perucas, e passaram pelos controles do estádio de Azadi. Elas conseguiram ver o time do Persépolis levantar o título nacional e, em fotos que viralizaram nas redes sociais, chamaram a atenção para a situação das torcedoras no país. 

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O protesto coincidiu com a visita do presidente da Fifa, Gianni Infantino, ao Irã. O suíço foi duramente criticado por ter aceitado um convite para ir a um estádio onde apenas homens poderiam estar nas arquibancadas. 

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Infantino garantiu que o presidente do Irã, Hassan Rohani, prometeu a ele que a proibição seria revista. Mas não deu prazos e deixou claro que o processo levaria algum tempo. “Não há desculpas para que essa decisão leve ainda meses ou anos”, disse uma das jovens iranianas que estão em Moscou para tentar ver os jogos da Copa. “Essa é uma mistura de política, de tradição e de uma cultura passada”, atacou outra.

O grupo lembra que até a Arábia Saudita já afrouxou leis e deu os primeiros sinais para que famílias possam ir ao estádio. Arquirrivais regionais do Irã no Oriente Médio, os sauditas têm leis severas e restritivas para mulheres. Mas, em janeiro, a monarquia saudita liberou a entrada delas em estádios, desde que estejam acompanhadas por maridos ou irmãos. “Ainda assim, é melhor do que temos no Irã”, disse Nastaran.