PUBLICIDADE

Publicidade

Preocupações, reclamações e suicídio de um ex-funcionário muito querido abalam o Chelsea

Clube virou de cabeça para baixo em março, quando o proprietário do time, o bilionário russo Roman Abramovich, foi sancionado pelo governo britânico

Por Tariq Panja
Atualização:

Com um mês estressante depois do outro, os problemas vêm se acumulando dentro do Chelsea. Quase uma dúzia de funcionários do departamento de marketing do clube inglês disse que esperava ser repreendido pelo chefe na frente dos colegas. Outros colaboradores disseram que enfrentaram sua ira das maneiras mais humilhantes, recebendo ordens de se levantar e deixar as reuniões sob a palavra de um único homem.

A pressão cobrou seu preço. No ano passado, vários funcionários do Chelsea desapareceram por semanas, às vezes meses, de licença médica. Pelo menos dez funcionários - de um departamento que emprega cerca de 50 pessoas - haviam deixado o clube, disse um deles. Então, no início de janeiro, um ex-colaborador, muito querido, se suicidou, com causas ainda não explicadas.

Chelsea viveu dias difíceis após o bilionário russo Roman Abramovich sofrer sanções do governo britânico Foto: Tony Obrien / Reuters

PUBLICIDADE

Embora não se saiba se a culpa foi a pressão no local de trabalho, sua morte surpreendeu a todos no Chelsea que o tinham como amigo e base de apoio. Durante conversas no seu velório no início deste ano, a sensação de choque e tristeza deu lugar à raiva. "Isso nunca deveria ter acontecido", disse um dos presentes.

Em meio à crescente pressão interna para resolver os problemas, o Chelsea contratou nesta primavera uma consultoria para conduzir o que foi descrito como uma "reavaliação da cultura" do departamento de marketing. Mas poucos membros da equipe tinham confiança no processo: a reavaliação do local de trabalho, disseram a eles, seria supervisionada pelo executivo que eles consideravam culpado pelo pior de seus problemas.

TEMPOS DIFÍCEIS

É difícil pensar em uma equipe esportiva profissional cujos funcionários tiveram de suportar o tipo de incerteza que o Chelsea enfrentou este ano. O mundo do clube virou de cabeça para baixo em março, quando o proprietário do time, o bilionário russo Roman Abramovich, foi sancionado pelo governo britânico no momento em que anunciava planos de vender o time da Premier League. Até que esse processo fosse concluído, as pessoas que trabalhavam no Chelsea - de jogadores e treinadores a executivos e colaboradores de nível inferior - tiveram de se preocupar em como fazer seu trabalho, se ainda seriam pagos por ele e se seus empregos ainda existiriam quando chegasse o novo proprietário.

Parte dessa incerteza desapareceu em maio, quando um grupo liderado pelo coproprietário do Los Angeles Dodgers, Todd Boehly, pagou um preço recorde para adquirir o Chelsea, e então se suspenderam as restrições mais onerosas impostas aos negócios da equipe. Mas, enquanto tudo isso acontecia nas manchetes, uma situação mais preocupante estava apodrecendo nos bastidores.

Publicidade

O New York Times entrevistou quase uma dúzia de colaboradores e ex-colaboradores do Chelsea para escrever esta reportagem. Falando de forma independente, todos pintaram a imagem de um ambiente de trabalho disfuncional, marcado por infelicidade, intimidação e medo. Mas foi o suicídio de Richard Bignell, ex-chefe da Chelsea TV, que trouxe à tona preocupações de longa data sobre o ambiente dentro do departamento de marketing da equipe - um grupo composto por cerca de 50 pessoas - e o comportamento de seu líder, Gary Twelvetree.

Em comunicado na quarta-feira, dois dias depois que o Times entrou em contato com o clube sobre as acusações dos funcionários, o Chelsea disse que seu novo conselho nomeou "uma equipe de reavaliação externa para investigar as alegações que foram feitas sob a administração anterior". "A nova diretoria do clube acredita fortemente em um ambiente de trabalho e cultura corporativa que capacitem seus colaboradores e garantam que se sintam seguros, incluídos e valorizados", disse o comunicado.

Embora o clube tenha dito que "medidas iniciais foram tomadas pelos novos proprietários para propiciar um ambiente consistente com nossos valores", não está claro se alguma ação foi tomada pelo novo conselho em resposta às alegações dos funcionários contra Twelvetree. O clube disse que ele não estava disponível para comentar.

O bilionário Roman Abramovich vendeu o Chelsea por causa das sanções que sofreu por causa guerra entre Rússia e Ucrânia Foto: AP Photo/Martin Meissner

A família de Bignell optou por não falar com o Times quando contatada, mas quase uma dúzia de funcionários e ex-funcionários do Chelsea falou sobre uma cultura tóxica no local de trabalho sob Twelvetree que, segundo eles, deixou muitos funcionários se sentindo menosprezados, intimidados e às vezes até com medo de simplesmente participar das reuniões.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Os funcionários falaram sob condição de anonimato porque alguns ainda trabalham no Chelsea ou no futebol e temem retaliações ou danos à sua reputação profissional por detalharem publicamente suas experiências. Mas um relatório do legista compilado após a morte de Bignell em janeiro e analisado pelo Times vinculou seu suicídio ao "desespero após a perda do emprego".

Em março, sob pressão após a morte de Bignell e em meio à crescente frustração entre os colegas e amigos que ele havia deixado para trás, o Chelsea contratou uma empresa externa para investigar a cultura dentro do departamento, bem como as acusações de bullying feitas por vários funcionários contra Twelvetree. Mas, para frustração de alguns, o clube não reconheceu que a reavaliação estava relacionada à morte ou a qualquer reclamação específica.

Um membro da equipe que deixou o departamento de marketing do Chelsea disse que a experiência de trabalhar para Twelvetree se tornara simplesmente impossível de suportar; temendo por sua saúde mental, o funcionário deixou o clube apesar de não ter outro emprego em vista. A experiência fora tão angustiante, porém, que o ex-funcionário a detalhou por escrito ao presidente do Chelsea, Bruce Buck. Outros disseram que expressaram preocupações semelhantes em comunicações com outros altos executivos ou em entrevistas de desligamento com a equipe de recursos humanos do clube. Mas pouco parecia mudar além da rotatividade dos funcionários, a qual se tornou tão comum que era um segredo aberto entre os recrutadores que direcionavam os candidatos para vagas abertas no Chelsea.

Publicidade

Poucos funcionários confiaram na reavaliação do departamento quando souberam que seria supervisionada por Twelvetree, o chefe do departamento, e os consultores externos contratados pelo Chelsea. "Não ia resolver as coisas, certo?", disse uma pessoa convidada a participar da reavaliação. "Como poderia resolver se era ele quem estava reavaliando sua própria cultura?".

Os membros da equipe disseram que ainda não receberam nenhuma conclusão da reavaliação agora finalizada e que não houve mudanças nas práticas de trabalho. "Eu me considero uma pessoa bastante forte e, antes de trabalhar no Chelsea, nunca tinha me preocupado com a minha saúde mental", disse um ex-membro do departamento de marketing. "Mas, logo depois de entrar, eu já não estava dormindo direito e as coisas foram ficando cada vez piores".

Essa ansiedade se tornou visível em Bignell, de acordo com vários de seus ex-colegas. Bignell era um funcionário muito querido dentro do clube e liderava sua operação de televisão, a Chelsea TV. O canal era administrado pelo departamento de comunicação do clube antes de passar para o marketing, como parte de uma nova estratégia digital implementada pela hierarquia do Chelsea.

A mudança significou transformações profundas para Bignell, que passara uma década comandando um canal de televisão e agora precisava mudar seu foco para a produção de conteúdo digital para mídias sociais, contas que estavam sob a direção da equipe de marketing da equipe. O relacionamento de Bignell com Twelvetree, lembram os membros da equipe, era tenso: Bignell, assim como outros, sofria para lidar com o estilo de gerenciamento do chefe de marketing, que incluía berros e críticas mordazes que, segundo alguns funcionários, às vezes deixavam os colegas em lágrimas.

Casado e pai de duas filhas pequenas, Bignell escondeu o tormento que estava sentindo de seus colegas de trabalho, disseram funcionários. Eles descreveram sua personalidade como alegre e positiva, um colega sempre pronto para fazer uma graça ou dar ouvidos. Mas, de acordo com pessoas que o conheciam, sua condição física foi se deteriorando a olhos vistos.

"A última vez que o vi, ele estava andando por Stamford Bridge e estava muito mal", disse um colega que encontrou Bignell no verão de 2021, na época em que ele saíra de licença médica. "Ele parecia doente. Tinha perdido muito peso".

Bignell voltou ao Chelsea em setembro e foi demitido abruptamente no dia seguinte. No início de janeiro, ele tirou a própria vida. A equipe, ao anunciar sua morte em seu site, disse que o "muito amado" Bignell era "um membro muito popular e altamente respeitado da família de transmissão de futebol e esportes". Já o relatório do legista vinculou seu estado de espírito no momento da morte à sua demissão pelo Chelsea. "Richard ficou profundamente perturbado pela ansiedade, depressão e desespero após a perda do emprego", disse o relatório.

Publicidade

UM ÊXODO CONTÍNUO

Mesmo depois da morte de Bignell e da reavaliação da cultura do clube, a equipe de marketing do Chelsea continuou perdendo funcionários. Aqueles que partiram dizem que agora se acostumaram a fornecer apoio emocional aos colegas que ficaram. Depois de ir a uma festa que marcou a saída de vários funcionários, uma ex-funcionária do Chelsea disse que conversara com tantas pessoas que estavam sofrendo com o trabalho que sentira que o evento também servira como sessão de terapia.

Diversos funcionários estão deixando o Chelsea Foto: Toby Melville/Reuters

Enquanto isso, o novo grupo de proprietários do Chelsea disse na quarta-feira que entrou em contato com os parentes de Bignell por meio do advogado da família. "Nosso coração está com toda a família de Richard", disse o comunicado da equipe. "Sua morte foi profundamente sentida por seus colegas no clube e em toda a comunidade do futebol".

Altos funcionários do Chelsea já haviam falado com a família, que levantou preocupações sobre as circunstâncias do suicídio, e membros da equipe disseram que continuaram a pressionar internamente por mudanças. Mas a venda do clube em maio só trouxe novas incertezas.

À medida que os novos proprietários assumem o controle da equipe, os líderes mais poderosos da antiga administração do Chelsea estão sendo substituídos. O executivo-chefe Guy Laurence, que administra as operações do dia-a-dia do clube, e Buck, o presidente, foram os líderes mais antigos que os funcionários contataram com suas preocupações sobre as condições de trabalho. Agora ambos estão de saída (A reportagem não ouviu Gary Twelvetree). / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.