Publicidade

?Príncipe Etíope do rancho? está morto

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Vinte e nove de junho de 1958, Estádio Rassunda, final do Mundial entre Brasil e Suécia, o sueco Liedholm marca, aos 4 minutos, um gol para delírio das quase 50 mil pessoas presentes. Parecia que o sonho do primeiro título mundial do Brasil não se concretizaria. Reação imediata: Didi caminha para o gol brasileiro, toma a bola nas mãos e a leva ao meio-de-campo, repetindo a todos os companheiros que aquilo "não era nada". Pouco depois, Didi inicia a jogada do gol de empate brasileiro, marcado por Vavá. A seleção brasileira, com o jovem Pelé despontando, é campeã mundial pela primeira vez: 5 a 2 nos suecos. Maio de 2001, Hospital Pedro Ernesto, zona norte do Rio de Janeiro. Aos 72 anos, Waldir Pereira, o Didi, morre depois de longa luta contra um câncer no intestino. O Príncipe Etíope do rancho (como o chamava o cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues) está morto. Com ele, desaparece parte da história do futebol brasileiro. Despede-se um dos jogadores mais elegantes que atuaram nos gramados do País e do exterior. Ao explicar o título de realeza, que conferiu a Didi, Nelson Rodrigues foi poético: "Com as suas gingas maravilhosas, ele, em pleno jogo, dava a sensação de que lhe pendia do peito não uma camisa normal, mas um manto de cetim, com barra de arminho." Porte esguio, Didi nunca tinha os olhos na bola. Estavam voltados para o restante do campo, à procura de um companheiro, Quando ele enxergava um atacante livre, o passe, longo ou curto, chegava ao pé a que estava destinado. Não foi por acaso que Garrincha se tornou o maior ponta da história do futebol jogando ao seu lado, no Botafogo e na seleção brasileira. A mesma curva e precisão de seus lançamentos eram usados nos chutes. E, com um improvisação, Didi imortalizava lances, como a famosa "folha seca". Em um jogo entre Botafogo e América, em 1956, o zagueiro Ivan deu um carrinho no tornozelo direito do craque, que passou a sentir dores quando chutava a gol. Ele percebeu que se batesse no meio da bola o pé não doía. "Aperfeiçoando, senti que a bola fazia uma curva maravilhosa", contava. Didi disputou três Copas do Mundo como titular: 1954, 1958 e 1962. Um ano antes da Copa do Mundo de 1958, no último jogo das eliminatórias, o Brasil tinha dificuldades para vencer o Peru e garantir a sua vaga. Falta perto da área e Didi usa a sua técnica: a bola cai no ângulo e o Brasil se classifica para a Copa. O Príncice conquistou dois títulos mundiais pela seleção. No total, jogou 72 vezes com a camisa amarela e marcou 21 gols. Encantados com estilo de Didi, os europeus o elegeram o maior jogador do Mundial da Suécia. E, antes de a delegação brasileira chegar à Europa, em 1958, havia quem questionasse se Didi deveria ser titular: alguns achavam que Moacir merecia a posição... Antes do Mundial, outra polêmica envolveu o craque quando a Confederação Brasileira de Desportos (a CBD, que se tornou a CBF) proibiu as mulheres de jogadores de viajarem para a Suécia. A cantora de rádio Guiomar Batista, companheira inseparável de Didi, não poderia ir. A CBD temia que as brigas dos dois atrapalhassem a preparação da equipe. Nelson Rodrigues, defensor do amor eterno, criticou: "Ninguém consegue imaginar Didi sem Guiomar". Guiomar não foi ao Mundial, embora não se possa atribuir a essa medida a primeira grande conquista brasileira. De postura nobre dentro de campo, Didi era um bricalhão fora dele e não gostava de treinar. Começou carreira no juvenil do Americano e, mais tarde, chegou ao Fluminense, em 1949. Coube a Didi a glória de marcar o primeiro gol da história do Maracanã, em 1950, num amistoso entre as seleções do Rio e de São Paulo. Seu primeiro título Carioca veio no ano seguinte. Em 1956, chegou ao Botafogo, onde se consagrou ao lado de Garrincha, Nílton Santos, Amarildo... Depois do Mundial de 58, o Real Madrid, impressionado com o desempenho de Didi, comprou o seu passe do Botafogo. Na Espanha, formou um ?timaço? com craques como Puskas, Gento e Di Stéfano. Alegando que tinha sido boicotado, retornou ao Botafogo, em 1959. Mais uma série de vitórias, uma passagem pelo futebol peruano e o bicampeonato mundial em 1962. O craque, já veterano, em 1966, deixa o Botafogo e começa a girar por alguns clubes até encerrar a carreira no São Paulo. Didi então iniciou sua também vitoriosa trajetória como técnico de futebol. Classificou a seleção do Peru para sua primeira Copa, a de 1970, quando teve de enfrentar o Brasil, na quarta-de-final, e foi derrotado. Foi, segundo o próprio Didi, o momento mais difícil de sua carreira. Ainda dirigiu times cariocas e peruanos antes de abandonar a carreira e o futebol, sem alarde, em 1987. Quando o juiz francês Maurice Frederic Guigue encerrou o jogo com a Suécia, a conquista de Didi e seus companheiros foi acompanhada por 70 milhões de brasileiros. No Hospital Pedro Ernesto, onde morreu, Didi estava ao lado apenas de Guiomar, de sua filha e de parentes. Mas sempre se via na sua fisionomia a nobreza de "um príncipe etíope de rancho".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.