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Quase o esquecimento

O que Tite precisa é um pouco mais de perigo

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Subitamente percebi que sentia falta de Tite. Sim, muita gente pode achar que estou brincando, mas é verdade. Tite tinha sumido do meu radar. Vão me dizer, é claro, que está à testa da seleção brasileira e talvez eu responda que é exatamente por isso que ele me parece desaparecido. A seleção brasileira se tornou irrelevante.

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Falo por mim, é claro. Nos últimos tempos, com tantos jogos decisivos envolvendo times brasileiros, não tinha tempo, vontade ou motivo para me ocupar da seleção. Acho que, apesar de tudo, voltamos a nos acostumar com o nosso futebol, aqui da terra. Continuo dizendo que falo por mim. Até Boca e River é mais importante e ocupa mais espaço do que a seleção brasileira.

Tite talvez seja a maior vítima desse esquecimento. Não está envolvido em nada que possa emocionar o torcedor. Quando aparece, quando alguém se lembra de convidá-lo para algum desses programas de entrevistas, não é possível evitar um certo tédio, já que fala de coisas que parecem distantes, sem nenhuma ligação imediata com o que acontece ao nosso redor.

Não é um treinador, ao contrário de todos os outros que conhecemos, que tem seu cargo ameaçado. As competições em que se mete são separadas por largo espaço de tempo entre uma e outra, e a ninguém ocorre demitir um treinador se ele ganha apenas de 1 a 0 de alguma obscura seleção num jogo que ninguém se interessou em ver. Pelo menos para ele, esse é o aspecto bom do seu emprego e, por outro lado, é, ao mesmo tempo, o aspecto mau.

Na prática, ele não está mais em atividade. Claro que haverá sempre alguma competição que vai adquirir importância apenas para a televisão e os anunciantes, e nessa ocasião Tite voltará a ser falado por uns dias. O resultado dessas competições importa cada vez menos. Por isso, mesmo que perca ou faça um papel feio, creio que não terá seu emprego questionado.

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Teremos algum interesse pelas Eliminatórias da próxima Copa, mas esse interesse também enfraqueceu muito. Não jogar é uma forma de perder. Tite, não estando no jogo, perde. Gostaria de vê-lo de novo disputando o Brasileiro ou a Libertadores. Sua ausência me fez constatar quanto me era simpático.

Implicava com ele constantemente e até escrevi a respeito. Suas arengas cheias de conselhos, moral e bom senso, numa voz pausada como se procurasse convencer pela palavra como os grandes pregadores, às vezes, me dava nos nervos. Os elogios, sempre os mesmos, que recebia de todos os jogadores que trabalhavam com ele, sua habilidade em mostrar que tinha o controle do vestiário e dos bastidores, tudo isso eu suportava com um pouco de má vontade.

Os métodos e as arengas de Tite não são originais. Há vários outros que usam dos mesmos palavrório e métodos, mas, para mim, Tite ganha na comparação. Apesar de, às vezes, chato, descobri ou estou descobrindo nele, por comparação, qualidades que aprecio muito. Sua disposição de não aceitar as benesses de seu cargo para aparecer mostra rasgos de modéstia e sobriedade.

Tite vive numa engrenagem complicada. Todos sabem da fama que cerca muita gente da CBF. Seria de esperar que tivesse dificuldade em não se vincular a grupos de reputação mais que duvidosa. Ele, porém, consegue se manter mais ou menos à distância dos perigos. Não é idiota, não se expõe, nem é capaz de heroísmos que podem lhe custar o cargo.

Mas mantém uma postura decente e quando fala de coisas importantes erra muito pouco.

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Por tudo isso, vou começar de novo a me interessar pela seleção brasileira. Eu, que nem prestava mais atenção nas convocações, vou ficar atento. Mas, naturalmente, vou continuar torcendo para que Tite volte para onde nunca devia ter saído: para o meio das tempestades e furacões dos campeonatos brasileiros, para as ameaças e o delírio das temidas organizadas.

O que Tite precisa é um pouco mais de perigo.

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