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Seleção brasileira tem importantes lições e desafios até o Catar após quatro fracassos em Copas

Desde o pentacampeonato em 2002, Brasil chegou no máximo às semifinais, quando foi massacrado pela Alemanha no inesquecível 7 a 1; no ano que vem, time tem mais uma chance de ganhar seu sexto título mundial

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Foto do author Robson Morelli
Por Robson Morelli
Atualização:

O Brasil vai para sua quinta tentativa de ganhar o hexa depois do penta de 2002 com a família Scolari. A festa diante da Alemanha no estádio de Yokohama foi a última do time nacional em uma Copa do Mundo. Eram tempos em que a seleção desembarcava no país-sede repleta de grandes jogadores, sempre na condição de uma das três equipes mais badaladas para ficar com a taça. Esse cenário mudou. O Brasil dos últimos Mundiais só fez fracassar e voltar mais cedo para casa, mesmo na condição de anfitrião na edição de 2014, quando ficou em quarto lugar após perder para a Alemanha por 7 a 1 e depois diante da Holanda por 3 a 0 com o mesmo Felipão, campeão do mundo no Japão, no comando.

Sob as ordens de Tite, que vai para a sua segunda tentativa, algo raro na vida de um treinador, a equipe já amargou um fracasso. Foi na Rússia, em 2018, após cair frente à Bélgica por 2 a 1. Esperava-se uma troca de técnico, situação comum após um Mundial, mas não foi isso o que aconteceu. A CBF achou por bem manter Tite e deixá-lo no cargo por mais um ciclo, que acaba definitivamente após a disputa no Catar, em novembro de 2022.

Seleção treina antes de duelo com a Argentina pelas Eliminatórias Foto: Lucas Figueiredo/ CBF

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Foram quatro Copas do Mundo em que a alegria do torcedor foi se esvaindo, assim como sua esperança de ver o Brasil mais uma vez campeão. De 2006 até 2018, só deu europeu no pódio. A Itália ganhou em 2006. A Espanha se fez mais forte em 2010. A Alemanha deixou um rastro de destruição em 2014. E a França abriu seu champanhe em 2018. O Brasil não esteve nem perto de chegar lá. Talvez a edição de 2006 tenha sido a mais decepcionante, em que o técnico Carlos Alberto Parreira tinha um time até melhor do que o de 2002. Ronaldinho Gaúcho vivia seu auge. Para muitos, não havia como o país não ficar com o hexa na Alemanha.

O Brasil tinha ainda jogadores como Kaká, que um ano mais tarde seria eleito o melhor do mundo. Ronaldo e Adriano ainda compunham a força do ataque. Comparado com os tempos atuais, aquela seleção dava de 10 a 0. Mas só bons atletas não ganham uma Copa. Há algumas explicações para o fracasso de 2006, já explanado por alguns de seus personagens ao longo dos anos. Agora com a vaga assegurada para o Catar, o Estadão pontua alguns problemas que o Brasil teve em sua caminhada em busca do hexa. O próprio Parreira admitiu que o time chegou na Alemanha como dono de si para a competição após ganhar o Mundial quatro anos antes. Soberba de campeão. O Brasil parou na cidade suíça de Weggis para uma etapa de preparação organizada pela CBF. Foi uma festa, com venda de ingressos para o público local assistir aos treinos, gritos nas arquibancadas, invasão de campo... Era muita alegria e diversão e pouco trabalho e concentração.

A cidade tinha 4 mil habitantes, mas cerca de 50 mil passaram por lá na estadia da equipe. Houve até um 'carnaval' com a presença do Neguinho da Beija-Flor e de 15 passistas para recepcionar o elenco. "Weggis não ajudou", disse Parreira, após o fracasso. O treinador percebeu a bagunça, mas sabia que tudo aquilo estava em contrato e que era preciso honrar o que estava escrito e já pago à CBF.

"Alguns jogadores estavam fora da melhor forma. Ronaldo veio de dois meses sem jogar. Adriano estava fora de forma. Ronaldinho veio de título da Champions com pouco tempo de descanso... Não trabalhamos como deveríamos", disse. O resultado disso foi a queda nas quartas de final diante da França, comandada em campo por Zidane. O Brasil perdeu por 1 a 0, com gol de Henry, naquele lance em que o lateral Roberto Carlos ajeitava a meia numa cobrança de falta.

Zé Roberto, lateral-esquerdo, fez a mesma leitura de Parreira, mas acrescentou a falta de foco dos seus companheiros e dele próprio. "Aquela Copa me deu o entendimento de que estar no meio dos melhores não te garante vitória se todos não estiverem com o mesmo foco", disse anos depois. Na época, Zé defendia o Bayern de Munique. A lição ficou para a África do Sul.

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África do Sul

Depois da festa de 2006, a CBF mandou buscar Dunga para fechar o ambiente e mudar tudo, fazer o oposto do que foi feito quatro anos antes na Alemanha. A seleção com Dunga era tensa. Os jogadores, que tinham respeito pelos jornalistas, não podiam conversar com a imprensa, dar entrevistas fora das combinações oficiais, até cumprimentar 'estranhos ao grupo' nas horas de folga. Todos tinham de ficar restritos ao seus quartos, com presença de familiares em dias pré-marcados. Dunga olhava para todos e só via inimigos. Construiu um clima de confronto com tudo e todos. Na cabeça dele era uma guerra. Não à toa chamava os jogadores de guerreiros. As informações eram escassas e o clima, pesado.

O elenco já não tinha mais craques em abundância. Neymar não foi. Era um time modesto, abrindo um ciclo do que seria a seleção no futuro. No ataque, Grafite e Luís Fabiano eram os responsáveis pelos gols. Não funcionaram. O melhorzinho era Robinho. Elano deveria ser o melhor armador. Havia Kaká, mas ele não estava 100% e não era mais o mesmo jogador da Copa de 2006 ou da temporada de 2007. Faltava classe ao time de Dunga.

Ele tinha volantes pegadores, como Felipe Melo, que era um jogador mais bruto do que é no Palmeiras atualmente, de menos técnica, mais violento e menos maduro. Foi expulso na partida contra a Holanda das quartas de final, em que o Brasil perdeu por 2 a 1 e voltou para casa. O jogo foi em Port Elizabeth. O goleiro Júlio Cesar assumiu a responsabilidade pelo fracasso e pelas falhas no jogo. "É um resultado que ninguém esperava pelo o que o Brasil vinha fazendo nestes último três anos e meio. A gente vinha sempre citando que o grupo estava confiante. A gente estava bastante unido, mas o futebol tem dessas coisas", disse o goleiro ainda de cabeça quente no estádio. "O primeiro gol foi um baque. Tive um pouco de dúvida com o Felipe Melo, errei a bola e ele tocou de cabeça."

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Havia uma desconfiança em relação à qualidade da bola da Adidas, chamada Jabulani. Jogadores e goleiros não se deram bem com ela. Diziam que era muito leve e tomava direções diferentes. Até a Nasa, a agência espacial americana, entrou na jogada para analisá-la. Quando atingia a velocidade de 72km/h, a bola se tornava imprevisível. Mas não foi isso que derrubou o Brasil.

Na África do Sul, o Brasil de Dunga não sobrava em campo, era um time justo e comum, concentrado e tenso. Não havia alegria. Não era time para ganhar um Mundial perto de tantos outros que o Brasil já teve. Tinha jogadores 'trabalhadores' como em 1994, mas com uma diferença: Romário não estava. A impressão que ficou nesses dois Mundiais foi que a CBF errou nas estratégias. Em 2006, o time foi solto demais. E em 2010, muito preso. Os próprios atletas se sentiam incomodados. Mas havia a esperança de atuar melhor em 2014, quando o país seria o anfitrião pela segunda vez em sua história, repetindo a Copa do 1950.

No país do futebol em 2014

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Em casa, depois da Copa de 1950, havia muita empolgação e também desconfiança. Parreira e Felipão, os dois últimos treinadores brasileiros campeões do mundo, estavam no comando. Era muita competência para um torneio de sete partidas. Neymar era o queridinho do país, jogava um futebol alegre e encantador, sem limites. Havia bons atletas em todas as posições, aqueles que dão o que falar na Europa. Tudo foi pensado e executado com cautela, sem sobressaltos. Mas a verdade é que o time nunca empolgou. Nunca jogou o que se esperava dele.

O Brasil empatou sem gols com o México na fase de grupos. Teve dificuldades diante da Colômbia e do Chile nas primeiras etapas eliminatórias. Ganhou do time chileno nos pênaltis, com jogador chorando em campo, Thiago Silva, tão tenso que estava. O time sentiu a pressão. Não havia equilíbrio emocional. No jogo diante dos colombianos, o Brasil sofreu seu segundo maior baque, a perda de Neymar. Ele saiu machucado direto para um hospital em Fortaleza e não jogou mais. A maior decepção estava ainda por vir, no entanto. Foi a derrota para a Alemanha por 7 a 1, em jogo da semifinal, no Mineirão.

Se ganhasse em Minas, estaria na final contra a Argentina. Perdeu feio. Depois, na disputa do terceiro lugar, não teve forças para reagir em Brasília: nova derrota por 3 a 0 frente aos holandeses. O Brasil ficaria em quarto, duas posições atrás em relação à Copa de 1950, quando perdeu a decisão para o Uruguai por 2 a 1. A forma com que o Brasil deixou a Copa foi um balde de água fria no torcedor e no futebol brasileiro, que foi colocado na lata do lixo, na estaca zero. Foi parar no divã. A Argentina, de Messi, também sucumbiu diante da Alemanha no Maracanã e perdeu por 1 a 0.

Em 2014, na Copa em casa, o pior vexame da história: 7 a 1 no Mineirão. Foto: David Gray/Reuters

O 7 a 1 entrou para a história. Nunca um anfitrião havia feito papel tão vergonhoso. As explicações foram muitas: elenco fraco, perda de Neymar antes do jogo com a Alemanha, time abatido sem seu camisa 10, pressão da torcida para ganhar em casa, lado emocional dos jogadores em xeque, dia ruim no Mineirão, pane nos jogadores durante os primeiros três gols da Alemanha. Todas elas juntas ainda não são capazes de aplacar a dor da surra. O futebol brasileiro entrou em depressão. "Quem é o responsável pelas escolhas? Sou eu. A responsabilidade pelo resultado catastrófico é minha. Eu fui o responsável", disse Felipão em sua entrevista ainda no Mineirão. "A minha mensagem aos torcedores é que tentamos fazer aquilo que tínhamos para fazer. Fizemos o que era o nosso melhor. Perdemos para uma grande equipe, que teve a qualidade de, em seis minutos, definir o jogo com três ou quatro gols. Deu uma pane depois do primeiro gol. Eles se aproveitaram de uma maneira que não tínhamos como reagir. Peço desculpas pelo resultado negativo."

Campeões mundiais em 1994 e 2002, Taffarel e Marcos conversam com Tite na Academia de Futebol do Palmeiras Foto: Lucas Figueiredo/ CBF

A vez de Tite quatro anos depois

O Brasil chegou desacreditado na Rússia. Neymar era o cara. Talvez o único que a seleção tinha em suas fileiras. Havia bons jogadores, mas todos dependentes do então atacante do Barcelona. Ney desembarcou no país-sede sem mudar seu jeito de ser. Levou a família, teve um cabeleireiro na concentração e conduziu o time até a fatídica partida contra a Bélgica, pelas quartas de final, com derrota de 2 a 1.

A base de quatro anos atrás é mesma que está atuando agora, com Gabriel Jesus, Roberto Firmino, Casemiro, Thiago Silva, Marquinhos, Philippe Coutinho, Alisson, Ederson, Danilo e Fred. Não deu certo na Rússia. O time nunca convenceu. "Tivemos dois terços do jogo na nossa mão contra a Bélgica, com equilíbrio emocional e posse de bola para jogar com 2 a 0 atrás. Antes de tomar o gol já tinha tido duas chances reais", disse Tite, ainda digerindo a eliminação em Kazan. "Passei para a minha comissão o orgulho que senti de todos. Talvez tenha faltado competência em algum momento. Em todos os momentos buscamos soluções. Tenho orgulho do trabalho, mas há um sentimento pela derrota."

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Neymar foi o mais ridicularizado naquela Copa. O atacante virou meme mundial ao 'chorar' nas faltas e exagerar nas expressões de dor no gramado. Quem não se lembra das imagens de Neymar rolando em campo. A roladinha do Neymar. O gesto se espalhou pelo planeta, ganhou as redes sociais e um plano de ação foi montado pelo estafe do jogador para recuperar sua imagem, arranhada que ficou. Com sorriso amarelo, o próprio Neymar disse que aceitou a brincadeira. A verdade, no entanto, é que depois daquela Copa, o brasileiro deixou de figurar nas listas dos melhores do mundo. "Se dá um sorriso, é criticado e elogiado. Se chora, é criticado e elogiado. Se não dá entrevista, é criticado e elogiado. Não é fácil ser Neymar, é difícil estar na pele do Neymar em alguns momentos", disse Edu Gaspar, então coordenador técnico da seleção. O principal jogador do time preferiu o silêncio.

Tite não conseguiu montar alternativas para a seleção em situações complicadas. Não havia repertório a não ser passar a bola para Neymar e ver o que ele conseguia fazer. Não conseguiu muito diante dos belgas, embora o Brasil nem tenha jogado mal. O treinador aceitou as regalias do atacante, passou a mão em sua cabeça e não soube dar limites a um grupo de jogadores consagrados na Europa, ricos e mimados. Após o fracasso, todos voltaram para suas vidas em seus respectivos países. Tite está mais experiente, sentiu o dissabor de uma derrota em Copa, entende melhor a competição e suas necessidades, sem pontuar o imponderável do futebol, e promete ser melhor como treinador do que foi quatro anos atrás.

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