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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Sem Divisão

A decadência tem sido tão implacável com a Lusa que a elimina até da Série D nacional

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Por Antero Greco
Atualização:

O futebol imita a natureza e é implacável ao impor ciclos de vida – no caso, para os times. Sobretudo para os que param no tempo. A Portuguesa de Desportos, tão cara, simpática e amável, infelizmente está no bloco dos que não souberam entender as mudanças no perfil do público e enfrenta processo de agonia sem fim.  A agremiação quase centenária, fundada por imigrantes lusitanos (agosto de 1920), prendeu-se ao estereótipo de “clube de colônia”. Com isso, estagnou por décadas e, mais recentemente, deu diversos passos para trás. O último foi a desclassificação após a disputa da primeira fase da Série D, ou 4.ª Divisão Nacional. Só não ficará sem atividade até o final do ano porque tem a Copa Paulista, um caça-níquel para evitar colapso total. A Lusa na prática não difere muito de tantas equipes daqui e de qualquer parte do mundo. Padece da doença crônica de administrações precárias, de imediatismo, falta de planejamento e visão estreita de estratégias de mercado. Isso resultou em perda de relevância esportiva, diminuição de torcida e, consequentemente, de espaço na mídia e de arrecadação com publicidade. Um ciclo vicioso duro de romper. Houve tentativas de guinada – uma delas, perdida lá pelos anos 70 do século passado, propunha a troca de nome. A sugestão era chamá-la de Bandeirante. A alegação era a de que, assim, seria possível atrair aficionados fora dos círculos tradicionais de portugueses e seus descendentes, então já interessados em outros times. Uma forma de torná-la cosmopolita, como o Palmeiras, por exemplo, que não negou as raízes italianas (mantidas até hoje), mas se “naturalizou” brasileiro e soube superar crises de todos os gêneros. Claro que a proposta foi recusada por apaixonados, românticos e saudosistas. Eles tinham convicção de que a nau rubro-verde resistiria às tempestades, como as caravelas dos antepassados que singraram pelos sete mares. A alma lusitana é incomparável e terna; a realidade é impiedosa e pouco se lixa para tradições, mesmo as mais lindas. A Lusa viu a plateia diminuir ano a ano, embora demorasse a sentir o impacto disso, em campo e nos negócios, porque os concorrentes não avançavam tanto. Compensava também o fato de que revelava astros e fazia caixa com eles. Além de beliscar desempenhos razoáveis ou mesmo um vice paulista e um vice brasileiro nos anos 80 e 90. Nos anos 2000, as alterações vieram com tudo para Santos, São Paulo, Corinthians, Palmeiras e atropelaram a Lusa. Ela não teve cacife para peitar a concorrência, viu minguarem as verbas e rarearem os craques feitos em casa. Bolsos e arquibancadas vazias levaram a coleção de quedas e vexames. Para completar, veio o rebaixamento para a Série B em 2013, num episódio ainda hoje nebuloso, maldoso – com cheiro intenso de falcatrua. Mereceu até investigação oficial, que de uma hora para outra se desfez no ar. A equipe salva in extremis viu-se denunciada no tribunal esportivo porque alguém mandou a campo um jogador suspenso, num momento em que a presença dele era inútil. De lá para cá só rancor e sofrimento.  Difícil imaginar sobrevivência diante da falta de recursos, da ameaça de perder o Canindé, da atividade esporádica. Para o fã resta o fardo de amargura, desesperança, lamentação. Pecado ver esfarelar-se a história tão respeitável, da equipe que um dia ganhou troféus como a Fita Azul e que lançou para o sucesso talentos como os de Julinho Botelho, Brandãozinho, Djalma Santos, Ivair, Leivinha, Félix, Marinho Peres, Dener, Edu Bala, Zé Roberto e centenas... Lusa, querida, faz lembrar versos de Fernando Pessoa: “O que eu sou hoje é terem vendido a casa,/É terem morrido todos,/É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio…(Aniversário)

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