'Seleção vai sofrer muito se não olharmos para a base', diz Sissi

Ex-jogadora da seleção diz que é importante monitorar se os clubes estão oferecendo estrutura adequada para as atletas

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Por Daniele Bellini
Atualização:

Incentivada pela boa campanha da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de 1996 - o Brasil ficou com o quarto lugar e foi a primeira vez que a modalidade foi inserida na competição - a Federação Paulista de Futebol (FPF) organizou, em 1997, a volta do Campeonato Paulista de Futebol Feminino. Batizado de Paulistana, o torneio contou com a transmissão de jogos na televisão aberta e apresentou ao País o time arrasador do São Paulo, com Sissi, Formiga e Kátia Cilene, que ficou marcado na história do futebol feminino.

Sissi, a clássica camisa 10, conquistou com o clube títulos como o Paulistana e encantou a torcida que em jogos do time masculino chegou a gritar “ei Muricy, coloca a Sissi”. Ela também abriu caminho para que uma geração vitoriosa da seleção brasileira ganhasse medalhas de ouro em três edições de Jogos Pan-Americanos - 2003, 2007 e 2015 -, prata em dois Jogos Olímpicos - 2004 e 2008 -, e a segunda colocação na Copa do Mundo de 2007.

Sissi na Copa de Mundo de 1999 Foto: Zoraida Diaz/Reuters

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O São Paulo, 22 anos depois, volta a ter um time feminino disputando campeonatos profissionais - o clube até tentou recompor a equipe em 2005 e 2015, mas não conseguiu manter a modalidade. O tricolor foi campeão da Série A2 do Campeonato Brasileiro. A estrela da atual geração são-paulina é a jogadora Cristiane, mas desde sua lesão no músculo posterior da perna direita na Copa do Mundo deste ano, ela não joga pelo time do Morumbi.

Cada uma em seu tempo, Cristiane e Sissi representam gerações que enfrentaram e ainda enfrentam muitas dificuldades para jogar no Brasil. Sissi, mora há 18 anos nos EUA e revelou em entrevista ao Estado que teve muita sorte em ter tido a oportunidade de trabalhar no país da seleção 4 vezes campeã do mundo. “Hoje o mercado está mais visível, as jogadoras estão saindo do País, o que foi bem diferente na minha época”, comentou Sissi.

Sissi é treinadora desde 2004 Foto: Arquivo pessoal Sissi

Aos 52 anos, Sisleide do Amor Lima é técnica de meninas nascidas em 2007 e diretora de equipes das categorias de base do Walnut Creek Surf Soccer Club, time da Califórnia. Trabalhando desde 2004 como treinadora, esse é o segundo clube que ela exerce a função. “A gente faz um trabalho de longo prazo. O foco não é o resultado de imediato, o foco é o desenvolvimento das meninas no decorrer do ano”, falou Sissi.

Você tem contato com a nova geração da seleção brasileira?

Infelizmente não, principalmente por morar aqui nos EUA. Fui convidada pela seleção para ir para Seattle, quando a seleção jogou um amistoso lá (em 2015 ela foi assistente pontual no amistoso contra os EUA). Foi o meu primeiro contato com aquele grupo.Eu já conhecia a Formiga e tinha tido a oportunidade de ter contato com a Marta. Foi minha primeira chance de poder conviver com as meninas mais novas . Foi muito rápido, então a gente não teve a oportunidade de conversar, de falar. Eu tenho mais o contato com o pessoal que jogou comigo: a Roseli, a Formiga, a Pretinha. 

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Como foi sua ida para os EUA?

Eu fui contratada para jogar em um time da Califórnia, o San Jose CyberRays. Joguei três anos lá. Foi um obstáculo para mim. Sair do meu país, deixar a família, os amigos, deixar tudo para trás, mas foi também a melhor experiência que tive profissionalmente. Conhecer uma cultura nova, me adaptar com o idioma, porque eu não falava inglês. Meus três primeiros meses aqui foram complicados, mas eu tive todo o suporte do clube, das atletas, eu já conhecia algumas meninas. A Brandi Chastain foi a principal pessoa na minha adaptação na cidade. Quando eu e a Kátia (Cilene) chegamos, ela fez um jantar brasileiro, ela abriu a casa dela, convidou todas as meninas. Jogar não foi difícil, mas a língua foi o complicado.

E a transição para a carreira de treinadora?

Eu treino meninas que nasceram em 2007, e sou diretora das categorias de base. Esse é meu segundo clube. Eu comecei em 2004 e depois eu vim para o Walnut Creek.

Como está sua vida aí? Você levou a família?

Minha família está toda no Brasil, mas eu tenho um filho de 13 anos. Adotei ele com dois dias de vida, aqui nos EUA. Foi paixão à primeira vista e minha vida mudou completamente. É muita responsabilidade e preocupação, mas foi a melhor coisa que fiz na minha vida.

Ele gosta de futebol também?

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Infelizmente ele gosta de basquete (risos). Ele jogou também futebol e por sinal ele não era ruim não. Mas basquete a gente tem o Warriors (Golden State Warriors) que é aqui de Oakland e o menino sabe de tudo, eu não consigo discutir basquete com ele. Mas ele me acompanha.

Você já conversou com a Marta sobre como fortalecer mais o futebol feminino no Brasil?

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Infelizmente não. Durante as vezes que encontrei a Marta não conseguimos conversar. Sempre nos vimos em eventos. A vida da Marta deve ser mais doida do que a minha. Mas, se a oportunidade aparecer, com certeza vamos falar.

Você acha que a obrigatoriedade de os times no Brasil terem também equipes femininas vai realmente ajudar a modalidade ganhar força?

Se por um lado a medida parece interessante, devemos verificar se as meninas estão tendo estrutura para jogar, se estão tendo apoio e se os clubes estão olhando para as categorias de base. Será que não seria melhor começar por baixo? A seleção vai sofrer muito se não olharmos para a categoria de base. É algo que não vejo. É algo que o Brasil não tem. Aqui nos Estados Unidos o futebol feminino é praticado nas escolas, nas universidades. Ou seja, o futebol feminino começa cedo. No Brasil, a maioria dos clubes criou os times femininos pois se sentiram ameaçados. Não adianta ter o futebol feminino e não dar as condições que as meninas precisam. Pensar nisso é muito importante, pois a geração da Marta e da Formiga está acabando. Se o Brasil tivesse metade da estrutura que vejo aqui no Estados Unidos, estaríamos em um lugar melhor. 

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