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Taça das Favelas impulsiona sonhos que surgem nas comunidades

Competição chega a São Paulo depois de passar por outros doze Estados brasileiros

Por Catharina Obeid
Atualização:

A Taça das Favelas é uma competição amadora de futebol levada à sério. Ela começou neste fim de semana e vai até junho. São jogos eliminatórias de garotos e garotas entre 14 e 22 anos – empates levam a decisão aos pênaltis, três de cada lado. Envolve apenas comunidades carentes, como Heliópolis, Cliper e Paraisópolis. O projeto leva a assinatura dos padrinhos Cafu, campeão mundial, Marta, do basquete, e do rapper Dexter. Entre os 40 mil jovens que fizeram peneira, duas histórias chamam a atenção.

Letícia Silva dos Santos, de 22 anos, e Marcos Vinícius Bueno de Jesus, de 17, têm pouco em comum, a não ser a torcida pelo Corinthians e a vontade de correr atrás do mesmo sonho: ser jogador profissional. Ele joga como lateral-direito e vai representar a Vila Marcondes, em Carapicuíba, enquanto ela é centroavante e defenderá a favela da Colina, na Vila Guarani.

Letícia sonha em ser jogadora e o futebol já é fundamental para ela: 'O futebol me fez deixar as drogas' Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

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Paranaense, Letícia tinha seis anos quando seu pai foi assassinado. Doze anos depois, perdeu seu único irmão pelo mesmo motivo. Foi então que entrou em depressão e, por dois anos, abriu mão de tudo: sua saúde, seu trabalho e até mesmo suas ambições. "O futebol me fez deixar as drogas. Cheirava e bebia muito, mas tive de largar tudo para ir atrás do meu único sonho", disse ao Estado.

Teve antes de superar preconceitos. Entre os familiares e na escola, era sempre vetada quando demonstrava interesse na bola. Na 3.ª série, já sentia as consequências. "Queria jogar e não me deixavam, então fiquei assistindo na beirada do campo. Um menino veio e me empurrou, disse para eu sair dali. Não joguei e ainda quebrei o braço."

Até a morte de seu irmão, ela foi tomada por obrigações relacionadas ao trabalho. Desde os 14 anos, Letícia ajudava a mãe a manter a casa. Vez ou outra a deixavam pagar umas contas. Em novembro do ano passado, decidiu dar uma chance a si mesma e foi viver em São Paulo, com os padrinhos. Chegou sem nada no bolso.

Começou a fazer embaixadinhas no farol para se sustentar. Letícia tira cerca de R$ 30 por dia. No restante do tempo, faz trabalhos informais, corre para se manter em forma e treina futebol freestyle. "É uma maneira de treinar sozinha enquanto não tenho um clube", diz. Suas habilidades são chutar com os dois pés, driblar e ter controle de bola. Na Taça, ela estreia dia 25 contra o Grajaú. 

Letícia atuará pelafavela da Colina, na Vila Guarani Foto: Nilton Fukuda/ Estadão

Marcos entra em campo neste domingo, diante da Favela Sete Campos. O paulista, fã do lateral Marcelo e que sonha em atuar no Real Madrid, lembra de seu primeiro contato com a bola. Foi no abrigo, onde morou por oito anos. Ali, junto da família que o acolheu com três anos de idade, brincou quase todos os dias. 

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"Meu pai era alcoólatra e separou da minha mãe, aí ela começou a usar drogas. Fiquei um tempo com meu avô, mas ele não tinha condições de cuidar de mim, então me colocou no abrigo”, diz. Foi sua tia, com quem mora, que o tirou dali aos 11 anos. Desde então, faz de tudo para conseguir ajudá-la. Hoje, trabalha de ajudante de pedreiro, mas não reclama do serviço por dois ensinamentos que teve no abrigo: valorizar o que tem e correr atrás do que quer ter. "Gosto, carrego peso, areia, cimento, mas pelo menos consigo ajudar em casa", destaca. 

Três anos depois de sair do abrigo, ele soube do paradeiro da mãe. Sua tia andava pelo centro de São Paulo quando a viu na Cracolândia. Tempos depois, recuperada, eles se reencontraram. A primeira coisa que fizeram após o abraço? "Ela me pediu perdão e me apresentou ao meu irmão mais novo, de três anos, que a fez sair das drogas. Eu a perdoei, todo mundo erra, ninguém é perfeito."

Se engana quem pensa que a estadia no abrigo ou os anos longe da mãe foram os mais difíceis para ele. Ruim mesmo foi o período em que morou com seu pai. Na tentativa de se afastar dos desentendimentos que tinha com o tio, passou a conviver com o pai e sua madrasta. "Ela só me maltratava. Meu pai trabalhava, eu contava tudo para ele, mas ele não fazia nada."

Na Taça das Favelas, Marcos busca ser visto por algum olheiro. Quer dar orgulho para a mãe, a tia e a madrinha. Para ele, o problema dos jovens que tomam o caminho errado é não ter apoio da família. Aconteceu com seu amigo. "Todos os dias ele era criticado, até que desandou. Hoje, está no crack", diz. Por ter chance de mudar, Marcos agradece. E quem sabe não é descoberto no futebol...

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Como funciona

Taça das Favelas chega a São Paulo depois de passar por outros doze Estados brasileiros. O torneio é uma criação da Central Única das Favelas (Cufa), e tem como objetivo maior a inclusão social de jovens através do esporte. O modelo de disputa é bastante simples: a classificação das equipes funciona em formato mata-mata até a grande final, já marcada para o dia 1º de junho no estádio do Pacaembu, com direito a transmissão ao vivo. 

Do extremo Norte ao Sul do Estado de São Paulo, 96 comunidades serão representadas por times diferente. Serão 64 seleções masculinas e outras 32 femininas, sendo que a maior parte dos atletas inscritos no torneio tem de 14 a 17 anos.

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