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Tá russo! Passado soviético ainda sobrevive

Depois de percorrer cinco cidades russas, finalmente alguém mostrou preocupação com a falta de liberdade para protestar ou reivindicar

Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior e Moscou
Atualização:

Embora o advogado Andrey diga que não tem medo de eventuais retaliações do governo pelas coisas que vai dizer, vou continuar chamando-o assim, com esse nome fictício. É melhor não arriscar. Depois de percorrer cinco cidades russas ao longo de quase 40 dias, finalmente alguém mostrou preocupação com a falta de liberdade para protestar ou reivindicar. 

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Para começar, ele acha que o atual presidente Vladimir Putin é um czar. Em sua opinião não há pluralismo político. Ele conta que as pessoas não têm muita escolha na hora da eleição presidencial. Os candidatos da oposição não quase sempre os mesmos, mas aparecem apenas para compor as cédulas eleitorais - a Rússia ainda usa papel nas eleições em todos os níveis -, mas não têm chances reais de serem eleitos. Ele acha que é um teatro. 

Sempre presente.Estátua de Lenin faz sombra em monumento Foto: Toru Hanai/Reuters

A campanha eleitoral é como no Brasil, com propaganda na tevê. Os canais do governo são aqueles que têm maior audiência e sempre defendem a situação.

De acordo com a constituição, não há censura. Na prática, as coisas são diferentes. O líder da oposição russa Alexei Navalny simplesmente não aparece nos canais estatais. É uma proibição branca. Os canais independentes têm uma programação mais diversificada, trazem noticiários de agências internacionais, mas têm audiência reduzida. Além disso, são caros.

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Não são todos os cidadãos russos que podem assinar os canais - o valor médio é de R$ 200 para os pacotes básicos. 

Andrey não cita dados estatísticos, não tem grandes amostragens. Fala apenas de sua percepção e dos seus amigos em relação às coisas que vê - e também aquilo que ele não pode ver - no dia a dia da capital da Rússia na época da Copa. 

Essa percepção de uma censura branca já havia aparecido em outros momentos. Na Universidade Estatal de Moscou, os alunos fugiam das entrevistas quando o assunto eram os protestos contra Fan Fest por causa do fim de um bloco de moradias estudantis. Os poucos que dão declarações fornecem apenas o primeiro nome. Dizer o nome de família, como eles se referem ao sobrenome, é um tabu, algo proibido. 

Por outro lado, nas cidades afastadas do centro, como Bronnitsy, distante 60 quilômetros de Moscou onde a Argentina se preparou para a Copa do Mundo, o cenário é diferente, mas complementar, quase o outro lado da mesma moeda. A moradora Yelena (também não quis dar o segundo nome) fala espontaneamente que ama a Rússia e que sente orgulho de ter trabalhado pela crescimento do país, atitude que as pessoas não têm mais hoje em dia, pois, segundo ela, trabalham só pela carreira e pelo dinheiro. 

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A falta de liberdade de imprensa e a proibição de protestos e manifestações políticas durante a Copa do Mundo deixam a sensação de que o passado soviético ainda não acabou totalmente. As pessoas ainda ficam ressabiadas diante de imprensa. Se for estrangeira então, Deus me livre. Outra russa com nome fictício teme que a Copa do Mundo tire a atenção da população para questões importantes. Isso aconteceu de fato. O governo aproveitou o dia da abertura da Copa para anunciar que quer elevar a idade de aposentadoria para homens e mulheres e aumentar o imposto sobre valor agregado (IVA), que incide sobre o consumo. São medidas impopulares que aliviariam a pressão sobre as finanças do Estado. A aposentadoria dos homens subiria de 60 para 65 anos; das mulheres de 55 para 63. Alexey diz que Putin construiu muita coisa, que Moscou é muito maior e melhor, mas ele queria ter a chance de mudar e conhecer novas ideias. Não acha que a Rússia seja uma democracia de verdade. 

*GONÇALO JUNIOR É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’

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