Treinadores estrangeiros buscam aulas de português para se adaptar ao futebol brasileiro

Hernán Crespo, Ariel Holan e Miguel Ramírez tentam aprender o novo idioma para aprimorar a comunicação com os jogadores

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Ciro Campos
5 min de leitura

A apostila de exercícios de língua portuguesa e as aulas particulares do idioma viraram as novas armas dos novos técnicos estrangeiros para se adaptar ao futebol brasileiro. Os argentinos Hernán Crespo, São Paulo, e Ariel Holan, do Santos, e mais o espanhol Miguel Ramírez, do Inter, estão empenhados em melhorar a comunicação com os jogadores e superar possíveis barreiras linguísticas.

A postura desses estrangeiros em aprender português é uma novidade no Brasil. Até pouco tempo atrás, quem vinha de fora não fazia questão de estudar o idioma nem mesmo de falar algumas palavras-chave para orientações ao elenco. O argentino Jorge Sampaoli, por exemplo, passou duas temporadas no País e só se comunicava em espanhol. O mesmo valeu para outros nomes, como o argentino Edgardo Bauza e o colombiano Reinaldo Rueda.

Treinador do Santos, Ariel Holan aproveita viagens e as poucas horas vagas para estudar português Foto: Guilherme Kastner/Santos FC

O argentino Holan desembarcou em Santos no mês passado e logo na apresentação ao clube fez uma promessa. "Meu compromisso também é de falar português ou 'portunhol'. Terei meu professor", avisou. Mesmo com o calendário apertado, o treinador não deixa de estudar. Nos voos do time, o técnico aproveita para estudar. O resultado tem sido visto nas entrevistas. Algumas palavras em português se tornam comuns.

Ainda comedido para falar em português, o espanhol Ramirez tem estudado bastante enquanto comanda o Inter. O aprendizado de idiomas estrangeiros entre treinadores é bastante comum no futebol europeu. O português José Mourinho, do Tottenham, é fluente em cinco línguas. O espanhol Pep Guardiola contratou uma professora de alemão antes de assumir o Bayern de Munique, em 2013. Os dois conviveram juntos por meses. Ao iniciar o trabalho, o técnico já falava bem o novo idioma.

Apesar de o Brasil ter se aberto bastante para técnicos estrangeiros nos últimos anos, o aprendizado do português não aparecia como prioridade. O são-paulino Crespo pensa diferente. "Acho que é uma questão de respeito com este país, com o lugar onde estou. É uma questão de respeito com as pessoas. Culturalmente eu gosto também de aprender", disse. O argentino só lamenta que ainda confunde bastante o português com outros idiomas.

Continua após a publicidade

Acho que é uma questão de respeito com este país, com o lugar onde estou. É uma questão de respeito com as pessoas

Hernán Crespo, Técnico do São Paulo

No São Paulo o técnico se comunica em espanhol com alguns jogadores estrangeiros. Após mais de uma década na Itália, Crespo usa o idioma para falar com o atacante Éder. "Eu faço confusão porque o português é um 'mix' dos outros dois idiomas. Para mim é difícil porque falo todos os dias com as minhas filhas em italiano, com meus colaboradores do clube em espanhol e depois ainda em português. Mas calma...eu chego lá", comentou.

Técnico do São Paulo estuda português para melhorar a comunicação com os jogadores Foto: Rubens Chiri/São Paulo FC

A evolução na nova língua se dá em momentos simples. Na última semana, o São Paulo venceu o Red Bull Bragantino por 1 a 0 graças a um gol contra. Logo depois, Crespo foi ao banco de reservas e perguntou: "Como se fala gol en contra em português?". Após ouvir a resposta, o treinador passou a repetir a nova expressão aprendida, para fixar na memória.

O meia argentino Benítez, do São Paulo, acompanha Crespo nesse processo de aprendizagem. Embora não faça aulas, o jogador está no Brasil há um ano e sabe das dificuldades. "Para aprender, você não pode ter vergonha", disse. "É importante conseguir falar de outros assuntos que não só o futebol, para você poder falar com um médico ou outras pessoas", afirmou.

Espanhol Miguel Ramírez, do Inter, tem procurado aprender o idioma falado no Brasil Foto: Divulgação/Inter

Um dos primeiros técnicos estrangeiros a estudar português foi o colombiano Juan Carlos Osorio, que passou pelo São Paulo em 2015. Três vezes por semana ele recebia um professor no CT da Barra Funda para ter aulas particulares. No ano passado, o espanhol Domènec Torrent, do Flamengo, foi outro a se aventurar pelo idioma. Para aprender melhor, Torrent pedia para ter a companhia nas aulas de algum brasileiro membro da comissão técnica. O objetivo era conseguir decorar termos e gírias específicas do futebol.

Continua após a publicidade

DIFICULDADE

Professor livre docente em Língua Espanhola da USP, Adrián Pablo Fanjul explica que o aprendizado do português é um desafio aos treinadores não tanto pela parte escrita, mas sim pela conversação. "A parte sonora é difícil, tanto a escuta como a produção. O português, principalmente falado no Brasil, tem alguns sons que não existem no espanhol", disse. "Aprender como se fala é mais desafiador, porque exige muito estudo", acrescentou.

A parte sonora é difícil, tanto a escuta como a produção. O português, principalmente falado no Brasil, tem alguns sons que não existem no espanhol

Adrián Pablo Fanjul, Professor de Espanhol da USP

Segundo Fanjul, é possível até mesmo preparar para os treinadores aulas com conteúdo específico à linguagem de futebol. "Existe a possibilidade de direcionar o ensino e a aprendizagem para se concentrar em demandas específicas, seja qual for a área. Mas ainda assim, tem aspectos básicos da língua que é preciso aprender da mesma maneira", explicou.