Trinta anos sem Almir Pernambuquinho

O "marginal do futebol", como ele mesmo se intitulava, morreu ironicamente ao tentar separar uma briga. Edmundo e Djalminha é fichinha perto dele.

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Nenhum jogador conseguiu ser, ao mesmo tempo, craque, polêmico e campeão como Almir Morais Albuquerque. Há 30 anos, morreu Almir Pernambuquinho, um dos maiores "marginais do futebol", como se auto-definiu. Defendeu alguns dos principais clubes do País, pelos quais tornou-se o precursor dos "bad boys" do futebol brasileiro. Revelado pelo Sport Club Recife, deixou a capital pernambucana em 1957, aos 19 anos, contratado pelo Vasco da Gama. A recomendação da mãe, Dona Adelaide, transformou-se em profecia: "Você vai se perder naquela cidade, meu filho. Tome cuidado que este mundo está cheio de coisa ruim". A preocupação se justificava, pois o menino, que aos nove anos superou uma doença óssea de difícil tratamento, estava prestes a atuar ao lado de jogadores consagrados, como Bellini e Vavá. A chegada a São Januário foi promissora. No ano seguinte, conquistou o Campeonato Carioca e o Torneio Rio-São Paulo. Mesmo despontando como promessa, não quis disputar a Copa do Mundo na Suécia. "O derrotismo da seleção era tal que o Vasco preferia que eu fosse liberado. Aquele clima havia me impressionado: eu tinha medo de entrar numa gelada", declarou em uma entrevista. A fama de mal começou na rápida passagem pela seleção. Contra o Uruguai, no Sul-Americano de 1959, protagonizou uma batalha campal, depois de uma dividida com o goleiro uruguaio Leiva. "Eu saltei, caímos os dois. Antes que me pusesse de pé, o zagueiro Martinez me deu um pontapé no traseiro. Davoine, outro zagueiro, veio com violência e me chutou. Pelé tentou me socorrer e foi empurrado. Orlando, nosso zagueiro, veio na carreira e pulou com os pés sobre Davoine. Aí o pau cantou feio". A briga o fez entrar para a história pela porta dos fundos, mas desde então uruguaios e argentinos passaram a temer não só a técnica, mas a valentia dos brasileiros. Sentindo a pressão da imprensa, pela qual sempre se considerou perseguido, Almir resolveu mudar de ares. Contratado pelo Corinthians, em 1960, foi anunciado como "Pelé branco", mas não repetiu o sucesso do Vasco. A vida boêmia e o ciúmes dos companheiros com o alto salário fizeram com que fosse negociado com o Boca Juniors, da Argentina. Porém, o próprio Almir confessou a importância da primeira passagem pelo futebol paulista. "Despertei para a verdade do futebol, conheci suas grandezas e mesquinharias: o caráter dos cartolas, os riscos da profissão, a corrupção dos juízes". Foi campeão argentino, mas sofreu grave contusão no joelho e quis voltar para o Brasil para ser operado. Os dirigentes não permitiram e só encontrou uma maneira para sair de Buenos Aires: brigando. Em um jogo contra o Chacarita Juniors, arrumou outra confusão para não se queimar com a fanática torcida. Suspenso por noventa dias, foi para o Milan, da Itália. Ainda defendeu Fiorentina e Genova, antes de voltar ao Brasil, deprimido e fugindo do frio europeu. Entrando para a história - O retorno foi em grande estilo. Contratado pelo Santos, graças à influência do zagueiro Mauro Ramos de Oliveira, Almir ganhou sua real chance de entrar para a história, pois o time da Vila Belmiro vivia o auge da Era Pelé. "Nunca tive pretensões de ser igual a Pelé, mesmo porque isso era impossível. Talvez meu azar e de muitos outros é que nós jogamos futebol na época do Pelé. O futebol dele impediu uma avaliação da qualidade de muitos jogadores. Perdemos com isso, mas tive uma compensação: joguei ao lado dele". Reserva do Rei, Pernambuquinho tinha poucas oportunidades para mostrar seu futebol. Mas em uma delas, gravou seu nome na história, enfrentando o Milan, na decisão do Mundial Interclubes, no Maracanã. O Santos precisava vencer, pois perdera a primeira partida por 4 a 2, na Itália. "Entrei muito doido em campo. Antes de começar o jogo, Alfredinho, assistente técnico do Lula, treinador do Santos, me chamou e falou claro, porque aquilo era normal, tão normal quanto a distribuição de camisas: ?Você quer tomar uma bola?? Por que eu não ia querer? O bicho pela conquista era de dois mil cruzeiros. Dava para comprar um Volkswagen zero", confessou. O Santos virou o resultado negativo de 2 a 0 para 4 a 2, graças à "raça" demonstrada por Almir. No terceiro e decisivo jogo, cavou o pênalti, convertido por Dalmo, que deu o segundo título mundial à equipe. Permaneceu na Vila Belmiro até 1965, quando voltou para o Rio, contratado pelo Flamengo. Logo de cara, foi campeão carioca e parecia ter recuperado o prestígio. "Ele se transformava quando entrava em campo, pois fazia tudo para que seu time vencesse. Mas não era uma pessoa ruim", afirma o ex-jogador Paulo Borges, que o enfrentou defendendo o Bangu. Borges testemunhou uma das maiores confusões armadas por Almir, na decisão do Campeonato Carioca de 1966, contra o Flamengo. "Na época, diziam que time do subúrbio não podia ganhar dos times grandes de jeito nenhum. Como já estava 3 a 0 para o Bangu, o Almir quis sair de campo de maneira honrosa e arrumou uma briga com todos os adversários", disse Borges. A confusão terminou com nove atletas expulsos, inclusive Pernambuquinho. Depois do episódio, só encontrou espaço no América, onde encerrou a carreira. Nos últimos anos de vida, morava em Copacabana, dedicando-se às amizades e à culinária. No dia 6 de fevereiro de 1973, depois de uma discussão, Pernambuquinho foi assassinado ironicamente ao tentar separar uma briga no Bar Rio-Jerez, às 2h30 da manhã. O tiro disparado pelo português Artur Garcia Soares atingiu o crânio, pondo fim à trajetória do homem que revelou ao mundo tudo o que o futebol lhe proporcionou: dos escândalos às glórias. Pouco depois de sua morte, no Rio, a Biblioteca Esportiva Placar lançou "Eu e o futebol", livro escrito pelo jornalista Fausto Neto, que se baseou em suas polêmicas declarações para reconstruir sua vida e revelar os bastidores do futebol brasileiro. Apesar de todas as polêmicas que protagonizou, alguns ainda lamentam sua ausência. "A figura dele faz falta para o futebol brasileiro. Hoje em dia nenhum jogador se empenha tanto por sua equipe, como o Almir fazia. Ele não gostava de perder, jamais", disse Paulo Borges.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.