Os clubes brasileiros tiveram receita recorde em 2016. O balanço de 20 deles – 19 que vão disputar o próximo campeonato da Série A e o Internacional, rebaixado à Série B –, registrou entradas de R$ 4,774 bilhões no ano passado, ante R$ 3,694 em 2015, crescimento de 29,2%. No entanto, o céu ainda não é de brigadeiro. Os bons números foram ajudados pelo recebimento de luvas dos novos contratos de TV. Como essa não é uma renda recorrente, há risco considerável de ocorrer redução de ganhos este ano. A não ser que os clubes encontrem alternativas.
Essa é a conclusão do consultor Pedro Daniel, especialista em gestão esportiva e responsável pela área Sports Management da BDO. Sua análise, feita com exclusividade para o Estado com base nos balanços dos clubes, mostra que os números podem não ser tão bons quanto parecem. A realidade se apresenta mais dura.
“O maior impacto em termos de receita foram os contratos de TV. O recorde em relação à receita é basicamente em função da contabilização de luvas’’, diz Pedro. “Mas no ano que vem os números tendem a não ser positivos, a não ser que (os clubes) encontrem novas fontes de receita’’, completa, referindo-se aos balanços que serão divulgados em 2017
O alerta se justifica. Vários clubes colocaram em seus balanços o valor recebido como luvas pelos novos contratos de direitos de transmissão (basicamente para o período de 2019 a 2024). Com isso, a participação das cotas de TV nas receitas subiu de 37% em 2015 para 50% no ano passado. No entanto, como luva não é receita regular não se repetirá no exercício atual. A consequência é o risco de o dinheiro que entra ficar mais curto.
Uma das saídas para manter as receitas em patamares semelhantes às do ano passado é bastante conhecida: a negociação de jogadores. Pedro Daniel acredita até que alguns clubes precisarão recorrer a ela em pouco tempo. “Nessa busca por fontes de receita, muito provavelmente vai ocorrer no segundo semestre deste ano a necessidade de venda de atletas, numa situação semelhante à de 2015.’’
As luvas da TV serviram para alavancar o balanço de muitos clubes. Vários deles, porém, não recorreram a elas para melhorar a arrecadação. Ou então colocaram valores parciais. Foi o caso do Flamengo, que “pegou’’ R$ 70 milhões das luvas e deixou provisões para os anos de 2019 e 2021.LADO BOM Há, porém, aspectos positivos. Dos 20 clubes analisados, apenas três (Internacional, Cruzeiro e Avaí) apresentaram queda em suas receitas em comparação com 2015. Muitos apresentaram excelente crescimento. O Flamengo foi o dono da maior receita, com R$ 510 milhões. O Corinthians veio a seguir com R$ 485,4 milhões, pouco mais que o Palmeiras (R$ 468,6 milhões). Foram verificadas outras variações positivas destacáveis, com as de Santos (74%) e Grêmio (72%). O endividamento também teve redução significativa. Pedro Daniel observa outro fator positivo: o endividamento tributário, de maneira geral, está consolidado. Isso graças ao Profut, o programa de refinanciamento das dívidas fiscais e tributárias com o governo federal. No entanto, o pagamento das parcelas dos Profut exigirá mais recursos dos clubes a partir de outubro. Nesse mês, o desconto nas parcelas passa a ser de 25%, em vez dos 50% em vigor nos dois primeiros anos do programa. “Ou seja, a parcela do imposto vai aumentar. A situação muda um pouco, mas imagino que os clubes já estão provisionando para isso.’’BONS E MAUS EXEMPLOS Palmeiras e Flamengo seguem sendo os melhores exemplos de gestão, na análise do consultor da BDO. O Alviverde, que tinha endividamento alto por conta de empréstimos para investimentos, já está quitando os compromissos, amparado pelo crescimento das receitas – o clube tem o maior faturamento com patrocínio do País, o maior ganho com bilheteria e aumentou as receitas em 20%. O rubro-negro reduziu o custo da dívida e, com o refinanciamento do Profut, entre outras ações, conseguiu voltar a bom patamar de receitas.
Já o Corinthians tem problemas, na visão de Daniel. “Está com um nível de exposição muito alto por causa da arena. Não tem receita de bilheteria com o estádio e tem um passivo de curto prazo muito alto. É problema de fluxo de caixa. Está vendendo atletas e não está repondo.’’
O Inter também precisa tomar cuidado. Rebaixado à Série B, tem de subir também por segurança financeira. “Vai ter receita de Série B, mas tem contratos e despesas da Série A. Se ele não subir, o contrato vira de Série B. Por isso, é um ano mais perigoso para ele do que para os outros’’, alerta o consultor.
DÍVIDA COM EMPRÉSTIMO CAI A entrada de mais dinheiro nos caixas dos clubes em 2016 também teve como fator salutar a redução dos endividamento com os empréstimos. Dos 20 clubes analisados, 13 terminaram 2016 devendo menos do que no ano anterior.
“É um ponto bastante positivo. Diminuíram os empréstimos. É o tal negócio: como eu recebi luvas, consigo quitar aquilo que está me impactando a curto prazo. O grande aumento de receita acabou por diminuir o endividamento”, observa o consultor Pedro Daniel. Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos, os paulistas considerados grandes, estão entre os clubes que conseguiram reduzir as dívidas.